domingo, 29 de outubro de 2017

05 - POEMÁRIO * Declaração


(ESTA LIRA DE MIM!...)
.
Declaração






Não convoco favores de musas

nem sublimes acordes de Orfeu.

Sem assomos de ingratas recusas,

digo apenas, aqui, que sou eu.

Venho só, sem escudo nem lança,

sem ardores de raiva e vingança.



Não ensaio nenhum madrigal

nem as ninfas acordo nas fontes.

Já morreram no meu laranjal

os virgínios adornos das frontes.

Que ficou do que Amor concebeu?

Em que incêndios profanos ardeu?



Em caminhos inóspitos ando,

sem alforge de magro sustento.

Só as aves, em lúdico bando,

cantam hinos de audaz movimento,

acrobatas sem medo nem rede…

…e eu no chão a morrer-me de sede!



Não acuso os arroios calados

nem receio o matiz dos assombros.

Cada passo de passos mal dados,

mais a carga me pesa nos ombros.

Subo ao cume do monte num rito

de ganhar o horizonte infinito.



Entre perdas e ganhos encontro

discernível o saldo de mim.

Oxalá que nenhum desencontro

de mais pese nas contas do fim!

E de contas saldadas e em fumo,

seja o céu o meu último rumo.



Simulacro de inútil história,

nada importa ao devir que se apronte.

Seja viva e perene a memória

da futura manhã que desponte.

Seja Amor a plantar laranjais

que floresçam rubis virginais.





José-Augusto Carvalho
Alentejo, 7 de Outubro de 2017.

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