quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DA VIDA E DA MORTE





Ela, a Conceição, minha mãe, partiu em 9 Novembro de 2010;



Ele, o Carlos, meu amigo, partiu em Agosto de 2009;



Ela, a Manuela, irmã do meu amigo Óscar, partiu hoje, 24 de Agosto de 2011.






Desde há 3 anos que nas minhas vindas à Madeira vou acompanhar entes queridos ou amigos à sua última morada.


Em Novembro de 2010, no dia de S. Martinho, 11 de Novembro 201o, acompanhei a minha.Em termos estritamente médicos, só por uma unha negra não morreu no dia 13 de Outubro, dia do seu aniversário, mas, como gostava de festas, fintou a morte, e escolheu o dia de um Santo, de que gostávamos bastante, na romaria a S. Martinho, cuja igreja fica a paredes meias com o cemitério, comíamos bacalhau daquele fino e pequeno com muito alho e azeite, uma maravilha. Todavia seria sempre um presente estranho morrer no dia do aniversário, que só poderia servir para uma contagem precisa dos anos de vida, e, isto, ela não consentiu pelo amor que nos tem.


Hoje, neste dia 23 de Agosto de 2011, acompanhei a Manuela que ainda há poucas horas, após uma operação bem sucedida parecia bem, todavia depois da visita do cirurgião morreu de repente, dizem que por paragem cardíaca, e ninguém sabe algo mais , ou questiona. Morreu, ponto.


Pessoalmente não entendo, o coração deve parar por alguma razão, ou, então, parou mesmo naquelas cenas da morte súbita, mas algo de mais concreto deveria ser apurado, mas não é assim. Não o entendo, mas devo ser de outro planeta. Li em tempos que nos EUA, os casos das mortes nos hospitais são avaliados por um tribunal médico, e se se prova que houve negligência a autorização para o exercício da profissão é retirada, aqui, tudo é simples - morreu, ponto, está morto, ponto. Siga o funeral, ponto. Ponto.... ponto... ponto.


Como a vida, tudo é um parêntesis, ponto.....


Conceição, a Fátima e eu estivemos juntos, e pensamos que hoje tens mais uma grande amiga junto de ti, para conversarem. Como a Fátima lembra gostavas muito de falar, de opinar, também herdei esse maravilhoso hábito, e estou cheio de dentadas de hienas, nunca chegam a sarar, a umas seguem-se outras.


Tu bem me avisas, em sonhos, para enfim, sair do ringue, já chega. Mas tu sabes que também nunca saístes do ringue até que um AVC, que te queimou tudo o hemisfério esquerdo, te calou. A hiena da doença comeu-to todos os centros da linguagem. Maldita hiena. Falares, seres vaidosa, corajosa e bondosa eram as tuas virtudes maiores. Derramo uma lágrima, como as que choramos no cemitério por todos, mas muito por ti. Gostamos muito de ti, mas sabemos que estás bem e entre nós.


Durante o trajecto também pensei no Carlinhos, o carpinteiro, travesso, espírito aberto e atento que com os seus trejeitos de mãos e face, muito gostava de falar comigo, o joãozinho, - (espantosamente no Funchal ouvi uma voz atrás de mim- joãozinho, era a Cruz, falamos de ti Conceição) agora, bem mais velho e com alguns títulos á mistura, que nunca foram barreira em nenhuma situação à comunicação com o povo donde venho, e onde estou e sempre estive.


Falávamos de politica, do futuro, do jardinismo, tudo numa conversa vadia, com espetada e tinto, pelo meio, sem critérios editoriais, sem censores ou ditadores, éramos iguais entre iguais, falando livremente, como sempre devia ter sido, e, de um modo definitivo, pós 25 de Abril, o que, deixou de ser, mesmo entre gente que diz defender a liberdade de expressão e pensamento. Seja como for entre nós e entre todo o povo que conheço as coisas fluem, como acontece no fado vadio genuíno e popular. O resto é elitismo bacoco de todas as Santas Combas do Universo.


Verdade, verdade é que a vida passa, e muito depressa, e comigo, desde o dia de Dezembro de 1971 em que desembarquei em Luanda, mantenho a mala feita para partir, levo a amizade dos que me amaram em vida. Dispenso todas as saudades falsas, ditadas pelos espelhos. Saudades só as dos amigos do coração poderão ter, e espero que cada saudade se transforme sempre, numa primavera de flores, pássaros e, sobretudo, borboletas sem fim e para todo o sempre. Para os demais amigos fingidos que a sorte nunca vos abandone e a dor nunca vos habite, todos os demais que me desprezam não contam mesmo, mesmo, nada, porque também desprezam o mineiro, o pescador, numa palavra, os cidadãos, povo-plebeu. O 25 de Abril está muito mutilado por inimigos, mas sobretudo pelas máscaras de Tróia.


Como seria bom pensarmos que a vida é um ápice, o que, os coros da Missa de Corpo presente, cantados pelos fieis nos recordam!


Logo no início o sacerdote celebrante, ainda jovem e com uma bela voz, irrompe com O Tende Piedade de Nós, depois Aleluia, Hosana e Cordeiro de Deus. Neste lutos a Missa é um lenitivo importante, acalma quem acredita e é sempre um acto de amor e solidariedade, o que, me levou a dizer àquele sacerdote, quanto um pós-católico lhe podia agradecer o bem que fez a todos e a mim próprio.


Os cantos religiosos são uma bênção, que me acompanham numa colecção de CD'S há, muitos, muitos anos, e entre todos venero, de um modo especial, a missa crioula e o canto gregoriano.Uma bênção!


Também foi uma bênção ver ali, no funeral, comovido e com lágrimas nos olhos, o senhorio da Manuela, e a sua esposa, e mais o senti, por saber que era um meu camarada da GNR. Abraço-o, pela grande lição de amor que tão singelamente deu. De um modo atabalhoado cumprimentei-o, dizendo que era um seu camarada do Exército, e por aí ficamos.


Amigas e amigos só tem direito a ser amigo depois da vida, quem o foi de outrem durante o transcurso daquela e, neste caso, as lágrimas que orvalharem as faces regam as boas recordações que viverão para todo o sempre.


Mãe, Pai, Carlos, Manuela, Miranda, Amílcar, Costa Martins, Fabião, Vasco Gonçalves, alferes e soldados de Mucaba que partistes tão cedo, por causa de uma guerra injusta, Paulo Galhardas que tão jovem partistes, soldado Ribeirinho morto em Timor, cujos pais acompanhamos, sargento Moura do Alandroal, todas as amigas e amigos que partiram estais ao nosso lado, continuamos a viver por e convosco e em vós, e, por tudo isto, também viveis em nós. Até sempre.




andrade da silva






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