segunda-feira, 3 de outubro de 2016

07 - REGISTO * Naquele distante verão...


Naquele distante verão de 1937, o sol queimava as esperanças. Suportar era o verbo conjugado. O tempo não parara, porque o sol vinha todas as manhãs arder os dias, porque o repouso de todas as noites alentava o novo dia que sobreviria. Indefinidamente? Não, evidentemente, porque a esperança, criada em tempos imemoriais, é um misto de teimosia e obstinação e sonho. E desta tríade surgiu o amanhã vago ou não, impreciso ou não, possível ou não. O amanhã existe, ainda que não se saiba quando virá nem como virá. Tudo depende de… E porque assim é, há quem espere o amanhã enquanto resignado suporta o hoje; há quem espere o amanhã enquanto inconformado resiste no hoje. E, como alerta a canção, há quem faça a hora e não espere pela hora que será feita não se sabe por quem nem quando… Paralelamente, há quem desista do amanhã, onírico ou não, e creia no hoje indefinidamente, por renúncia, por fatalismo, por rendição, porque sim…

Naquele distante verão, o sol queimava as esperanças e o desespero crescia. Houve quem morresse por nada, houve quem morresse por tudo, houve quem desistisse, houve quem suportasse resignado... e houve quem, numa indiferença cúmplice, não desse por nada.

A dita harmonia celeste continuou indiferente. Sucediam-se as rotações e as translações; sucediam-se as ilusões e as frustrações; sucediam-se os consertos dos desconcertos.

Depois daquele distante verão, outros vieram. E não se aprendeu nada. Como sempre, em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. E a receita parece simples: se não há pão, o caminho será semear, depois ceifar, depois debulhar, depois moer, depois amassar, depois cozer e… depois pôr o pão na mesa.

Depois daquele distante verão, muito mais tarde, eu descobri e escrevi: “Quando tu gritaste Isto é meu!, logo a discórdia corrompeu o nosso da fraternidade.” Não sei se tenho razão, mas sei que acredito no amanhã. 


José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 3 de Outubro de 2016.

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