1.
Todo o ser vivo, quando nasce, traz a certeza de que irá morrer. Porque assim é, a vida carrega a sua finitude. Não será destino nem sentença inexorável, será apenas da sua condição.
Não creio que esteja errado no que escrevo, mas, previdentemente, apelo: Vinde, amados mestres! Que caia sobre mim a correcção iluminada do vosso saber! E corrigirei feliz a evidência do meu mundo e da finitude que sempre vi, que sempre senti, que sei que me espera!...
Esta nossa condição de mortais demonstra-nos a efemeridade das nossas certezas, das nossas verdades, sempre modeladas conforme os condicionalismos redutores de quem não sabe nem poderá saber além do conhecimento existente e do conhecimento de um porvir próximo que pode enubladamente entrever.
2.
O curso milenar de um rio pode ser alterado por um qualquer inesperado cataclismo. E em segundos ou minutos o que era deixou de ser. O vulcão Vesúvio transformou a bela Pompeia numa cidade fantasma que podemos ver ainda. As convulsões na Natureza, ora destroem, ora criam e recriam na transformação constante de que nos falou Lavoisier.
3.
Hoje, de posse que estamos de poderes destruidores, um momento de raiva demente pode ser responsável pelo dedo que prime o botão que determina o fim de milénios de existência. E depois quem sobreviverá para contar a tragédia?
Hoje como ontem, há lampejos de florescências perfumadas e trevas de ansiedades e de medos.
Hoje como ontem, o tempo é de equilíbrios instáveis e de incertezas dolorosas.
4.
Os grandes do Pensamento vêm legando-nos obras-primas do Conhecimento.
Os grandes da Beleza vêm legando-nos obras-primas em todas as manifestações da Arte.
Os grandes da Ciência vêm-nos legando maravilhas que quase ofuscam o maravilhoso da fantasia.
E tudo isto faz ou parece fazer de nós semi-deuses.
Ah, mas são estes semi-deuses que continuam impotentes perante as erupções da vulgaridade, do obscurantismo, das vaidades e da jactância mais imbecil.
Ah, mas são estes semi-deuses que continuam impotentes perante as mesas sem pão, perante a inocência prostituída, perante a dignidade encarcerada, perante a palavra amordaçada, perante a Justeza reduzida a uma Justiça dispendiosa em demasia para dela se socorrerem os humilhados e ofendidos.
Ah, continua preponderante contra tudo e contra todos a verdade que li no poeta alentejano José Duro: “O oiro de um palácio é a fome de um casebre”.
Ah, de que valem as caridadezinhas, as «boas» intenções, os «bons» corações?
De que nos vale a perigosa recomendação bíblica “dá com a mão direita de modo que a mão esquerda não veja”? Que dar é este em segredo? Que dar é este senão aprovar a existência de quem pode dar a quem tem necessidade de receber? Que dar é este senão a confirmação de que «o oiro de um palácio é a fome de um casebre»?
Ah, que haja palácios, concedo, mas que nunca sejam erguidos pela fome dos casebres.
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 30 de Outubro de 2016.
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