Era Novembro e
chovia….
No sábado, desse Novembro do já longínquo 1967, por voltas das cinco horas da tarde, fui
encontrar-me com um primo meu que estava na Marinha…tínhamos combinado ir
passar o fim de semana ao Algueirão, a casa de uma tia. Quando ele entrou a
correr na estação do Rossio disse de imediato “ Chiça, chove que parece o
dilúvio”…mas lá fomos de comboio até o Algueirão..da estação até casa da tia
foi cá uma molha…!!! Claro que ainda tivemos de ouvir da minha tia um raspanete
“ Sois tolinhos, esperavam um bocado até a chuva parar…”
Durante a noite não
apercebemos da chuva…. E só quando no domingo à tarde regressei à AM é
que me apercebi, pelo caminho que na verdade tinha chovido muito. Mas não deu
para perceber a dimensão da catástrofe. ( Em 1957 em Lamego, tinha caído uma
tromba de água que fez umas largas dezenas de mortos. Mas nessa altura ainda
não estava desperto para o desastre…).
Na AM, ao jantar comentava-se a chuvada
mas sem que tivéssemos consciência da verdadeira dimensão da tragédia…Só
quando, no dia seguinte fomos
“ mobilizados
“ para, a exemplo dos estudantes universitários irmos também dar ajuda, apoio ,
na limpeza de casa e terrenos em Alhandra, só nessa altura, pudemos ver o que na
verdade tinha acontecido.
Era o fim do mundo. A lama chegava quase a meio das
pernas…as pás entravam na terra e ao subir, pesavam!!! Mas nós estávamos ali
para ajudar. E era o que fazíamos. Mas não posso deixar de dar o meu testemunho
do que vi e ouvi.
Aqui vai: um grupo de estudantes da UL, rapazes e raparigas,
estavam muito atarefados a…tentarem calçar-se e vestir-se para a ocasião. E olhavam espantados para nós, alunos da AM que, ali chegados tínhamos entrado
pela lama dentro sem mais delongas…nós estávamos de farda nº 3…de trabalho…e
eles lá passaram metade do tempo a colocarem, sacos de plástico à volta dos
sapatos para não os…sujarem.. foi giro de ver, e foi também uma afirmação do que
tínhamos começado a aprender : estávamos ali para servir. E foi o que fizemos
durante todo o dia.
Os jornais e a
TV ( só havia uma ) falaram do assunto…levemente ou seja sem nos darem a
noção da verdadeira dimensão da catástrofe…o, então, PR, como não havia fitas
para cortar, não apareceu em lado nenhum; o então PM, como estava em vésperas
de cair da cadeira também não apareceu; e nós, como éramos novos e ingénuos
nunca nos passou pela cabeça perguntarmos : e o que vai ser desta gente que
ficou sem nada, incluindo familiares?? Quem os ajudaria? E de que forma?
Nessa
atura eram questões que não colocávamos. Mas agora, agora que , não pela água, mas pelo fogo, somos inundados com informação em catadupa, agora, em que o atual
PR mesmo sem fitas para cortar está em todas, em que o atual PM, sem vislumbrar
qualquer cadeira já aprendeu que tem de deixar S. Bento e fazer da
província a sua casa, agora, que o país todo se mobilizou numa onda enorme
de solidariedade pergunto : será que os de há 50 anos tiveram lágrimas para
chorar? Nada justificava aquele esconder da realidade. Chamava-se CENSURA.
Dorbalino Martins
2 comentários:
Oh Meu Capitão
Por esses mesmos dias; morria-me o meu primeiro filho
que negrume
fatídico mês de Novembro, embora seja nele que hà 70 anos nasci
Marília Gonçalves
Uma carta para guardar e abrir aos que só lêm sobre um passado censurado. Assim, aplaudiremos a vida e honraremosm a memória do autor.
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