sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

POEMA DA MULHER




"Hoje, dia de natal em especial à mãe de Andrade da Silva e a todas as mulheres para que nenhum homem esqueça que é filho de uma mulher"





Mais si la force est synonyme de courage moral, alors la femme est infiniment supérieure à l'homme. GANDHI (Tous les hommes sont frères) ...





Poema da Mulher




Era noite enluarada
Desciam brancos os montes
Quando nessa madrugada
Desenhando os horizontes
Um pedra ali postada
Pelo tempo da memória
Ia pela voz das fontes
Dar início à nossa história.

II

Dormia esse sono impuro
Que tanto pensar agita
Quando iluminando o escuro
Uma luz branca me fita.
Era sudário de sonhos
Como lençol de luar
Temeroso nevoeiro
Nas rendas do alto mar.

Gélida alvura na noite
Envolve prende o meu ser
Ou êxtase ou sorvedoiro
Rasga o silêncio do ver.
Névoas montes nevoeiro
Treva em flor água sombria
véus de mouras lírios brandos
Noivas de apenas um dia
Estavam cantando o seu pranto
Ali rente à penedia.

Que vozes de tal requebro
Esclareciam meu sentir
Que essa alvura tomou forma
Nas mães da história a sair.
Foram sentando pelos montes
Como flores de amendoeira
Tinham o timbre nocturno
Perfume de laranjeira.

De suas frontes pendiam
Atavios de tal esplendor
Que quem tais astros urdia
Era mago ou era a dor.

Vinham do fundo dos tempos
Atravessado a idade
No rosto sulco de vento
Da perdida mocidade
E no matutino olhar
Um fio d’água de saudade


Além me sentei também
Herdeira de seu dizer
Presente eu mais uma mãe
Pra melhor as perceber.

Ali naquela pedra toda musgo
Uma esguia mulher a trança alta
Trazia no sorriso a anoitecer
A fala que de súbito a exalta:


É dia de colheitas, noite embora
Ao longe de milénios semeámos
Ninguém se enternece pelos escombros
Dos sonhos que velámos.

É dia de falar de mão estendida
Essa mão que nunca ninguém viu
E que trazia nela a flor da vida

É dia de largar no vendaval
A história de milénios que calámos
Nossa dádiva bela e natural
Dos filhos que na terra semeámos

O sol acompanhava nossas vidas
Num hino universal à chuva
E das sementes conseguidas
Fizemos pão fizemos uva.

Mas nossa sementeira era de vida
Arámos o chão com nossas mãos
Mas de cada broto em nova vida
Nem sempre vimos irmãos

Como filhas da horda guerrilheiras
Tudo demos de nós sem o medir
E fomos Catarinas e ceifeiras
E parimos Mandelas e Ghandis.

Enquanto nosso sangue se espargia
No ódio à traição do nosso ventre
Cada criança que nascia
Nascia no direito a ser diferente.

Mas tudo foi pretexto para guerra
Um pedaço de rio que o chão nos dá
Por um metro de terra
O sangue que era amor se esvairá
Sempre por mais avareza e ambição
O humano olhar perde a essência
E derramando o sangue dum irmão
O que ontem foi menino é inclemência.

A mãe não distingue seu menino
Nesse ser déspota e cruel
Outrora ria como passarinho
A voz clara e doce como mel.

A voz infante que dizia Mãe
Hoje não sabe face a uma mulher
Aquele vulto é também para alguém
A pura fonte que lhe deu o ser.

Mata lacera violenta sem razão
Ante o olhar de horror de criancinhas
Em cada olhar que morre perde-se um irmão
E nasce mais fereza e mais chacina

As mães correm o monte em alvoroço
Mulheres da cor do sol que tempo deu
Esgatanhando os ares lembram o moço
Que viram partir vivo e que morreu.

Mas é chegado o dia da colheita:
Colher o pensamento e a Unidade
Eia mulher! Em Pé!
Por cada afronta feita
Que cada mãe saiba ser
Solidária! Mulher!


Marília Gonçalves

2 comentários:

andrade da silva disse...

Cara Marilia

Muito, muito obrigado, por tão lindo poema e por tamanha generosidade.

Por mim, em nenhuma circunstãncia me esqueci que sou filho de uma mulher que não só me trouxe no seu ventre durante nove meses, como nunca me abandonou nos momentos mais difíceis, porque tive de passar.

A minha mãe, como a maioria das mulheres-mães, como digo no texto do blog, são simplesmente mães.

Abraço fraterno
andrade da silva

Ana Daya disse...

Gostaria de pensar que so ha um tipo de mae, mas nao eh verdade.

O primeiro significado de mae eh mulher ou qualquer femea que teve um ou mais filhos. Este significado aplica-se tao bem aqui, onde as mulheres sao unicamente maquinas parideiras por tradicao cultural. Quem trata dos filhos, incluindo os trabalhos mais simples sao as criadas. As “maes” nao perdem uma unica noite de sono. Mae pode ser uma mulher que dispensa cuidados maternais??

Mas mae nao pode ser so isso. Tudo isso eh o que custa menos fazer!

Embora a experiencia como filha nao seja a melhor, sei o que eh ser mae! E ser mae nao tem palavras! Ser mae eh ter um amor desmedido e incondicional pelo outro bocado do seu corpo – o seu filho!

Mesmo assim, tambem nao me esqueco que sou filha de uma mulher!

Bonito e tocante poema!

Ana Rute