“ às crianças, mulheres e homens que estando condenados a serem
ESCRAVOS alcançaram o seu Pórtico da Glória, personificado na foto pelo Pórtico
Del Glória de Santiago de Compostela.”
18 horas do dia 19 Janeiro de 2012
regresso a casa, quando, sou interpelado por
um homem idoso: olhe não lhe quero pedir, nem lhe vou dar nada, mas
quero falar consigo, quer ouvir-me, preciso de desabafar?
Retorqui-lhe que sim, que não me incomodava e
estava pronto a ouvi-lo.
Então, diz-me que tinha
de desabafar, porque momentos antes, ao passar por uma farmácia,
ouviu a umas senhoras falarem da crise, mas
como levavam uns cães todos cobertos de mantas, ele, apesar
de entender que nada tinha de dizer, lá disse à senhora que a crise não
seria tão grave como isso, a avaliar pelas vestimentas do cão.
Disse-lhe que talvez não
devesse ter dito o que disse, porque até a senhora podia ter comprado a
roupinha para o cão antes da crise, e falamos um pouco da crise, das
suas origens, com o que ele lá concordou.
Quando falamos do consumismo dos
pobres e dos remediados, retorquiu dizendo que não tinha vergonha de
dizer donde era, tinha nascido em Bragança em
1941, numa família com 8 irmãos, 5 rapazes e 3 raparigas, e que
o seu pai morreu cedo, mas adivinhando a sua morte, chamou
cada um dos filhos e distribuiu tarefas: a um ir dar de comer às
cabras, a outro ir recolher lenha, e, assim, sucessivamente, e
depois disse-lhes que ia iniciar uma grande viagem.
Os irmãos deslocaram-se para o
cumprimento das várias tarefas, quando, passado algum tempo, o irmão mais
novo, os foi chamar, porque o pai partira para a viagem sem retorno,
e, eles, interpretaram estas últimas ordens do pai como - ide e trabalhai
sempre! Simplesmente, esplendoroso!
O meu interlocutor também aprendeu com o
pai que para ser pobre não era preciso roubar, e que quem ganhasse 5
e gastasse 7 não chegaria a lado nenhum, e, pior, seria se gastasse
10, mas quem dos 5 guardasse dois, poderia vir a
ser alguma coisa na vida, o que, infelizmente não aconteceu
logo com este homem de seu nome Campeão ( registado no BI, como vou
saber no momento da despedida) que andou descalço até aos
20 anos, altura, em que veio para a tropa, sem saber ler ou escrever. Todavia
tudo se passou de um modo desgraçado, mas este rapaz trabalhou sempre, contudo,
era pago de um modo arbitrário e
indiscutível em géneros para a sua alimentação
e dos irmãos.
À medida que contava a sua história, lá me
ia dizendo, que quando estivesse cansado de o ouvir que me fosse embora, apesar
do friote, e estarmos ali parados, incitava-o a contar a sua história.
Vai assentar praça, ser militar,
para Tavira/ Algarve. Os primeiros sapatos que calça são as
botas militares. Depois da recruta fica com a especialidade de serviços
gerais, então, chamavam-se de básicos
aos soldados ( sub-soldados) desta especialidade, e a eles
eram atribuídas as funções mais ingratas, de limpeza, varrer paradas,
limpar as chamadas retretes - em algumas unidades está a palavra escrita -. Vai
desempenhar estas funções na Base Aérea de Sintra.
Em dada altura nesta base é convidado para
ir para a Messe de sargentos. O pré (vencimento dos soldados) é magro, mas
ainda tinha de enviar parte dele à mãe que nada tinha. Também sei pessoalmente o
que é isto.
Passados 20 meses ainda não tinha ido a
casa, então, vai falar com o capitão da formação, que para ele era um homem com
um lado bom e outro mau. Representou-o com os dois dedos indicadores: o
capitão bom para os que trabalhavam e falavam verdade, e o capitão
mau, para os outros, logo identifiquei este estilo de ser capitão, e
ele concordou que era o correcto.
Encurtando razões, o capitão bom não
só lhe deu os dias de licença para ir a casa,
como pediu para lhe fazerem um farnel com galinha assada, pão, queijo e
chouriço, e, assim, parte ele, para a sua terra.
Chegou a casa às 22h, depois de ter andado
4 km no carro do armando, não percebi nada sobre o que seria este carro,
então, explicou-me, fazendo o gesto com os dedos, que era assim
que se designava andar a pé, ou seja, no carro do armando:
ir ora a pé, ora andando. Agradeci-lhe este novo conhecimento.
Ao chegar a casa assustou a mãe, pois a casa só tinha um trinco
de madeira, lá sossegou a mãe dizendo-lhe -
quem é que pensaria que iria àquela casa, tão pobre?
Convidou
a mãe para cear que comeu um pouco de galinha com pão. Ele que estava com fome
comeu um pouco mais.
Todavia, retém-se para me chamar a atenção,
para a parte que considera mais interessante desta história que foi a dúvida da
mãe sobre o farnel. Para ela o normal era os soldados levarem um farnel para
tropa, e não de lá trazerem.
Facto que a levou, a desconfiar de ter sido roubado. Ele lá lhe
explicou que aquilo também era uma recompensa por ser prestável. A mãe calou-se, mas 50 anos
depois ao morrer voltou ao assunto. Diz,
agora, o homem que perdoa-lhe ter desconfiado e todos os dias
lembra-se dela.
O Campeão ainda fez a 4ª classe na tropa,
durante a comissão de serviço em Angola, tem um neto de 2 anos e meio que lhe
pediu para comprar um dinossauro que adquiriu por 99 cêntimos, e que o neto
depois contou as patas, segundo a seguinte escala de números 1,2, 5, 7,
desconhece ainda o três e o quatro etc..
Depois da tropa o campeão ficou em Lisboa,
hoje, diz aquelas coisas às donas de cães, depois desabafa com outros.
No momento da partida cumprimento-o,
digo-lhe que sou o João, e, ele, responde-me que é o
Campeão de seu nome, e mostra-me o seu BI.
Olho para ele e retorqui - o senhor
e os seus irmãos são uns verdadeiros e únicos campeões.
Despedimo-nos, e que quando nos
encontrássemos
falaríamos, ele,
deseja-me que seja João por muito e muitos anos, e, assim, com uma grande
alegria interior sinto este meu encontro tão improvável, com este grande e querido
Campeão- UM VERDADEIRO E ÚNICO CAMPEÃO.
andrade da silva
Sem comentários:
Enviar um comentário