sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

COISAS …. ENCONTRO IMPROVÁVEL COM UM CAMPEÃO DE CARNE E OSSO- VERDADEIRO.






às crianças, mulheres e homens que estando condenados a serem ESCRAVOS alcançaram o seu Pórtico da Glória, personificado na foto pelo Pórtico Del Glória de Santiago de Compostela.”

18 horas do dia 19 Janeiro de 2012 regresso a casa, quando, sou interpelado por um homem idoso: olhe não lhe quero pedir, nem lhe vou dar nada, mas quero falar consigo, quer ouvir-me, preciso de desabafar?

 Retorqui-lhe que sim, que não me incomodava e estava pronto a ouvi-lo.

Então, diz-me que tinha de desabafar, porque momentos antes, ao passar por uma farmácia, ouviu a umas senhoras falarem da crise, mas como levavam uns cães todos cobertos de mantas, ele, apesar de entender que nada tinha de dizer,  lá disse à senhora que a crise não seria tão grave como isso, a  avaliar pelas vestimentas do cão.

 Disse-lhe que talvez  não  devesse ter dito o que disse, porque até a senhora podia ter comprado a  roupinha para o cão antes da crise, e falamos  um pouco da crise, das suas origens, com o que   ele lá concordou.

Quando  falamos  do consumismo dos pobres e dos remediados, retorquiu dizendo que não tinha vergonha de dizer donde era, tinha nascido em Bragança em 1941, numa família com 8 irmãos, 5 rapazes e 3 raparigas, e que o seu pai morreu cedo, mas adivinhando a sua morte, chamou cada um dos filhos e distribuiu tarefas: a um ir dar de comer às cabras, a outro ir recolher lenha, e, assim, sucessivamente, e  depois disse-lhes que ia iniciar uma grande viagem. 

Os irmãos   deslocaram-se para o cumprimento das várias tarefas, quando, passado algum tempo, o irmão mais novo, os foi chamar, porque o pai partira para a viagem sem retorno, e, eles, interpretaram estas últimas ordens do pai como - ide e trabalhai sempre! Simplesmente, esplendoroso!

O meu interlocutor também aprendeu com o pai que para ser pobre não era preciso roubar, e que quem ganhasse 5 e gastasse 7 não chegaria a lado nenhum,  e, pior, seria se gastasse 10,  mas quem dos 5 guardasse dois, poderia vir a ser alguma coisa na vida,  o que, infelizmente não aconteceu  logo com este homem de seu nome Campeão  ( registado no BI, como vou saber no momento da despedida) que andou descalço até aos 20 anos, altura, em que veio para a tropa, sem saber ler ou escrever. Todavia tudo se passou de um modo desgraçado, mas este rapaz trabalhou sempre, contudo,  era pago de um modo arbitrário e indiscutível em géneros para a sua alimentação
 e dos irmãos.

À medida que contava a sua história, lá me ia dizendo,  que quando estivesse cansado de o ouvir que me fosse embora, apesar do friote, e estarmos ali parados, incitava-o a contar a sua história.

Vai assentar praça, ser militar,  para Tavira/ Algarve. Os primeiros sapatos que calça são as botas militares.  Depois da recruta fica com a especialidade de serviços gerais,  então,  chamavam-se de básicos aos soldados ( sub-soldados) desta especialidade,  e a eles eram atribuídas as funções  mais ingratas, de limpeza, varrer paradas, limpar as chamadas retretes - em algumas unidades está a palavra escrita -. Vai desempenhar estas funções na Base Aérea de Sintra.

Em dada altura nesta base é convidado para ir para a Messe de sargentos. O pré (vencimento dos soldados) é magro, mas ainda tinha de enviar parte dele à mãe que nada tinha. Também sei pessoalmente o que é isto. 

Passados 20 meses ainda não tinha ido a casa, então, vai falar com o capitão da formação, que para ele era um homem com um lado bom e outro mau. Representou-o com os dois dedos indicadores: o capitão bom para os que trabalhavam e falavam verdade, e o capitão mau, para os outros, logo identifiquei este estilo de ser capitão, e ele concordou que era o correcto.

 Encurtando razões, o capitão bom não só lhe deu os dias de licença para ir a casa, como pediu para lhe fazerem um farnel com galinha assada, pão, queijo e chouriço, e,  assim, parte ele, para a sua terra.


Chegou a casa às 22h, depois de ter andado 4 km no carro do armando, não percebi nada sobre o que seria este carro, então, explicou-me, fazendo o gesto com os dedos, que era assim que se designava andar a pé, ou seja, no carro do armando:  ir ora a pé, ora andando. Agradeci-lhe este novo conhecimento.

Ao chegar a casa  assustou a mãe, pois a casa só tinha um trinco de madeira, lá sossegou a mãe dizendo-lhe -  quem  é que  pensaria que iria àquela casa, tão pobre?

 Convidou a mãe para cear que comeu um pouco de galinha com pão. Ele que estava com fome comeu um pouco mais.

Todavia, retém-se para me chamar a atenção, para a parte que considera mais interessante desta história que foi a dúvida da mãe sobre o farnel.  Para ela o  normal era os soldados levarem um farnel para tropa, e não de lá trazerem.

Facto que a levou, a  desconfiar de ter sido roubado. Ele lá lhe explicou que aquilo também era uma recompensa por  ser prestável. A mãe calou-se, mas 50 anos depois ao morrer voltou ao assunto.  Diz, agora,   o homem que  perdoa-lhe ter desconfiado e todos os dias lembra-se dela.

O Campeão ainda fez a 4ª classe na tropa, durante a comissão de serviço em Angola, tem um neto de 2 anos e meio que lhe pediu para comprar um dinossauro que adquiriu por 99 cêntimos, e que o neto depois contou as patas, segundo a seguinte escala de números 1,2, 5, 7, desconhece ainda o três e o quatro etc.. 

Depois da tropa o campeão ficou em Lisboa, hoje, diz aquelas coisas às donas de cães, depois desabafa com outros.

No momento da partida cumprimento-o, digo-lhe que  sou o João, e, ele, responde-me que é o  Campeão de seu nome, e mostra-me o seu BI.

Olho para ele e retorqui -  o senhor e os seus irmãos são uns verdadeiros e únicos campeões.

Despedimo-nos,  e que quando nos encontrássemos
  falaríamos,  ele, deseja-me que seja João por muito e muitos anos, e, assim, com uma grande alegria interior sinto este meu encontro tão improvável, com este grande e querido Campeão- UM VERDADEIRO E ÚNICO CAMPEÃO.

andrade da silva


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