sexta-feira, 2 de julho de 2021

Salgueiro Maia

 

Salgueiro Maia
Vítor descia a rua com passo acelerado. Procurava o jovem ardina para lhe comprar o jornal do dia, um hábito que ganhara desde o momento em que largara os braços magros e finos, mas já adultos trajados de verde, daquele que ele veria sempre como o seu menino. O seu filho regressou, mas o hábito permanecera. Dirigiu-se ao café, como em todos os dias, sentou-se num dos bancos junto ao balcão e colocou o jornal diante de si. Olhou, à sua volta, todos os gestos eram mecânicos, todos os ares cabisbaixos com olhares baços e, tal como ele, os coletes, calças esfarrapadas pretas e as botas enlameadas eram os símbolos de um luto pátrio. Uma paisagem tão melancólica como cada folha daquele jornal, onde ele tentava a custo juntar as letras, porque nunca aprendera a ler.

À noite, já depois do sol se pôr, regressava a casa. Nessa tal como noutras noites, persistia a tentar gastar o mínimo de petróleo no seu candeeiro para juntar pelo menos as letras de uma palavra, enquanto o cigarro baloiçava nos seus lábios. Quando se preparava para deitar, ao desligar o rádio um comunicado do MFA fez-se ouvir… Nessa noite não dormira e na manhã seguinte acorrera logo ao café…. Estava cheio e com os ouvidos bem atentos ao rádio, sorridentes e a entreolharem-se, afinal de contas, a revolução estava na rua… Sucediam-se cigarros nos lábios de Vítor e a meio da tarde ouviu-se a voz do comandante das forças que ocuparam o Carmo e tentavam uma rendição. Um dos muitos homens perguntou:

-Quem está a falar?
-É o Capitão Salgueiro Maia…
-E quem é o Capitão Salgueiro Maia?

Quem é o nosso Capitão Salgueiro Maia? Nascido a 1 de julho de 1944, a quem lhe foi dado o nome de Fernando José. Muito cedo conheceu o quão a vida poderia ser madrasta a roubar-lhe o abraço de sua mãe, mas muito cedo também demonstrou aquelas que são as virtudes ideais de um verdadeiro cavaleiro, como nos conta Llull, agindo sempre com justiça, com prudência, com fortaleza e com esperança, ao longo da sua vida. Foi a esperança, mesmo com um olhar marcado pela tristeza, que fez florescer a liberdade naquela madrugada em que partiu de Santarém, com todos os seus homens, acompanhando todos os seus colegas e sendo fiel à sua palavra, mesmo que a morte ou a prisão estivessem à espreita, sob o lema do “Mens Agitat Molem”. Aquele que será o nosso sempre eterno Capitão Salgueiro Maia é do povo. Um dos mais puros e belos heróis do povo português, que nunca pediu uma honraria quando as merecia todas e ainda hoje é merecedor de cada uma delas. Que nunca se lhe ouviu um queixume, quando muitas vezes teve vontade de gritar e que, mais do que ter algum poder preferiu viver a vida que ele sempre conhecera, junto dos seus amigos e família. Foi militar, pai, marido, amigo e um verdadeiro herói. O nosso herói, o tão nosso Maia!

Todas as palavras são, ainda hoje, poucas para definir cada centímetro do seu enorme coração altruísta dedicado a Portugal e a nós, gerações de ontem, de hoje e de amanhã. E porque ele vive no legado que nos deixou, cuidemos dele, honremos a sua memória.

Muitos parabéns, meu capitão, nosso eterno e imortal herói!
Às estrelas, um sorriso com a Grândola Vila Morena nos lábios…
Ao fim desse dia, o pequeno ardina, foi ter com Vítor… Guardara-lhe um jornal, nele estava aquele que seria o primeiro dia de um novo Portugal, em que as cores voltaram a colorir as paisagens e os sorrisos os rostos…
Raquel Certa
Associada ASM



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