Fui para a guerra cedo, jovem ainda, aos 22 anos, ainda mais jovem andei com umas doenças que me puseram às portas da morte, vi morrer a minha avó por volta dos 9 anos, o meu pai partiu tinha eu 15, vi um tio a praticar uma tentativa de suicídio pelos meus 16 anos, na guerra tinha uma foto de um cemitério com as respectivas cruzes, e com estes dizeres - amanhã pode ser tarde - vi negros com as tripas de fora, morreram soldados de que era seu comandante, partiu cedo um alferes de quem fui instrutor e muito o ouvi falar sobre o pacifismo de que, ele, era um apologista, acabou por morrer na guerra, odiado pelos seus soldados, mesmo depois de morto.
Em conclusão convivi muito com a morte, mas não gosto nada da morte. Não há alternativa à morte, mas a morte, a doença, a incapacidade e a velhice derrotada são, para mim, coisas tristes, estúpidas sem sentido.
Para mim a única coisa que faria sentido seria a eternidade na paz, na juventude e na felicidade, mas tudo isto acaba.
Como chegará um dia, se lá chegar, que só sinto dores e solidão, já não posso beber um copo, comer umas febras e ter umas quantas relações sexuais por semana, ver um filme, então, porque tudo deixou de interessar e, sobretudo a vida, esta bela, a mais bela coisa, que existe, então, que venha essa porca e tirana da morte, porque a vida deixou de ter sentido.
Com a morte tudo se transforma em pó, o estádio seguinte é o do não ser, que é exactamente igual ao dos que nunca foram seres. Não ser, é uma coisa triste, aborrecida, sem sentido. Ser: é pensar, sentir, cheirar, comer, copular, alegrar-se e irritar-se, o que faz toda a diferença, com esses estados de energia, de anjos, arcanjos, santos, diabos, ou outras coisas imaginadas para depois da morte.
Talvez sejam felizes esses que pensam na vida pós morte, quando as pernas fraquejaram, os olhos já não vislumbrarem o horizonte e o pénis já não conseguir erecção com ou sem viagra. Mas para mim e para os do mesmo “disparate”, a velhice degradada vai ser um problema que talvez a falta de coragem para a prática do suicídio, tornarão esses dias numa coisa patética e indigna de se viver.
Com toda a sinceridade sem nenhum cinismo, ou hipocrisia é isto o que penso sobre a vida que é uma dádiva, quando a vida sensitiva e cognitiva funcionam, a partir daí é uma chatice, e mais, julgo que honestamente é assim que a esmagadora maioria das pessoas no íntimo pensam, pese embora outros discursos, para darem a volta ao seu medo e solidão.
Se a morte me termina, a morte não vence os nossos mortos, como neste dia de Finados o proclamamos. Os nossos mortos continuam vivos nos nossos corações, e esta é a grande e única partida que pregamos à morte.
O meu pai vive em mim, porque o amo, o soldado de transmissões que morreu em Angola continua vivo para mim e para os seus, porque o recordamos e amamos, o alferes pacifista que morreu com uma mina, porque os seus soldados habituaram-me a não gostar dele, morreu em definitivo, e ainda mais morreu, porque foi um pacifista que se tornou odiado por aqueles a quem devia ter dado todo o afecto.
Ser comandante é ser uma fonte inesgotável de afecto para os comandados e uma rocha basáltica e firme de exigência e rigor para os comandos superiores e os governos na defesa dos interesses de quem comandamos. Outra atitude é indigna, miserável, inaceitável num líder, num comandante.
O comandante, o líder, os governantes, os pais que defendem os seus interesses à frente dos daqueles que devem proteger são gente indigna, ignominiosa .Uma vergonha.
Quanto à morte numa palavra considero-a UMA EXECUÇÃO FUNESTA, INACEITÁVEL COMO TODAS AS EXECUÇÕES, SOBRETUDO AS EXTRA JUDICIAIS. Todavia só uma vida digna, vivida como um hino ao Belo e ao Amor poderá permitir fazer frente com tranquilidade à cabrita raivosa.
(Sei também que se o meu gato pensasse, pensaria assim. Aquela cabecinha não dava para mais e a minha também não. Coisas…
Mas alguém poderá atirar-me a primeira pedra, por nunca ter pensado pior que o seu cão ou gato?)
VIVA A VIDA. VIVO A VIDA SEM DESESPERAR POR CAUSA DA MORTE OU DO ALZHEIMER, mas verdade, verdadinha não gosto destas personagens.
Abraço
andrade da silva 13 Out. 08 - escrito no dia em que alguns profanos viram os céus, revisto e editado à meia noite em ponto do dia de finados.
8 comentários:
Caro Andrade da Silva,
É evidente que se tenho um prazer desmedido em comentar a maioria dos teus artigos, também tenho o dever de discordar de ti, naqueles que me não agradam, ou não sensibilizam tanto.
Assim, comungo contigo o teor e o espírito dos parágrafos 1º.; 9º; 10; 11º. e 13º..
Aqui estamos falados. Tudo o que dizes, corresponde a uma visão de respeito, seriedade, humanismo e responsabilidade que perfilho.
No restante, lamento, mas não professo os ideais negativos, nem os medos que queres induzir e que estranhamente pareces interiorizar.
Não tenho culto pelos mortos. Tenho um profundo respeito pelo que foi a sua vida e a sua obra. Quando o foi e quando deixaram raízes (obras e pensamentos) que o justifiquem.
Respeito por demais a vida, como dádiva, se o quiseres, para ter espécie de alguma de veneração pela morte.
Irás dizer que é deformação profissional, que não é, mas considero que a morte é o corolário da vida. Cumprida esta, atinge-se aquela. Não importa a idade, a riqueza ou estatuto, a beleza ou a admiração dos outros.
Acontece. É assim. Ponto.
Fica a memória, como bem dizes, as recordações e a saudade, nos familiares e nos nossos amigos. Muitas vezes mais nestes que naqueles. É a vida. Vês ! Até aqui é estatuto de vida.
Porque a vida continua. Não sei se para o desaparecido também, mas para o Universo e a eternidade, continua.
Anima-te, pá !
Está o Natal há porta e temos por aí umas lutas giras, com cadáveres vivos e caquéticos há mistura.
Estás a ver ?
É a vida !!!
Grande Abraço, querido amigo e traz mais pensamentos, de preferência menos sombrios.
Tens muita vida pela frente. Ainda és um Jovem.
Jerónimo Sardinha
Caro Jeronimo
Medo?
Acho a morte uma chatice, somente. Amo a vida, a luta. Detesto a DA, prefiro morrer, embora não goste, vivinho da costa.
Gostaria de partir só depois de ter gozado tudo da vida e ter visto isto dar a volta. Conheci um velhote com 82 o ti Jaime no pós 25 de abril em Vendas Novas que me dizia já posso morrer, vi a liberdade nascer.
É muito bom discordares. Todavia até quando for possivel farei com a vida uma festa, não me agrada o fim da festa, mas também não é nuvem sobre o meu quotidiano.
Não sei do quando parto, mas isso nunca me preocupou muito, se alguma coisa fez foi fazer mais um acto que me agradasse e pudese mudar alguma coisa, mas nunca deixei de pensar nessa cabrita.
asilva
Nao sou uma apreciadora da vida (sei que sou por vezes muito ingrata neste sentido). Todos nos temos episodios na nossa vida que eram bem dispensaveis e ate nos fariam pensar na vida tendo um fim diferente e melhor.
Mas o fim eh comum a todos, mesmo para aqueles que vivem a pensar que sao imortais, para aqueles que tentam prolongar o envelhecimento e vao plastificando o que podem no corpo (ja que a mente se plastifica de outra forma) e ate para aqueles que acreditam na continuacao da vida depois da morte fisica (uma solucao para alguns comoda e confortavel para aceitar o fim carnal).
Se dia 1Nov foi dia de celebracao e recordacao dos mortos, e embora meio tristonho, nostalgico e meio sombrio, fizeste bem em falar dele (ate porque devera ser um assunto igual a tantos outros), quando eh que se celebra afinal o dia dos vivos (ja que penso nao ser possivel celebrar quando estivermos mortos ;) )??
Sem duvida que a solidao da velhice eh assustadora, a falta de meios financeiros minimos para ter uma velhice digna e independente tambem, e mais ainda o sofrimento da maquina.
Tambem penso que os medos saudosistas que mencionaste de nao sentir isto ou aquilo na velhice, sao capazes de nao se sentir dessa forma nessa altura.
Se calhar teremos que fazer durante a vida uma preparacao qualquer para aceitar as coisas como sao e vive-la da melhor forma, tentando fazer tudo o que se tiver tido como objectivos… e se nao ha objectivos??
Revi um filme ha pouco tempo com o Morgan Freeman e Jack Nicholson – “The bucket list” sobre o que duas pessoas diferentes resolveram fazer e enfrentar juntas antes de morrer (ambos com doencas terminais). Ve se puderes, eh um filme ligeiro.
Antes de terminar tenho que te perguntar isto: como eh que sabes que nao gostas da morte? Ter estado perto dela (ou nao) nao te faz conhecedor da morte…
AnaRute
ANA
Não sei se gosto ou não da morte, sei é que não gostarei de morrer, porque sei, quase como uma crença, uma obsessão, que gosto de viver e a morte é para mim, se precoce, o fim deste prazer de viver.
Sei que gosto de dormir, sonhar e se os sonhos forem belos tanto melhor e acordar, disto sei que gosto.
Não gostei nada de antes e depois das anastesias ter tomado consciência que durante aquele tempo fui um mero despojo nas mãos de uns técnicos, isto é, não me agrada a perda da consciência.
Claro que a tua pergunta será mais no sentido se já tive alguma experiência de morte para saber o seu gosto, não nunca tive, todas as experiências que tive boas e más, foram sempre como vivo, e apesar de tudo é só da vida que sei que gosto.
Para mim quanto à morte, em si mesma, não haverá lugar para gostar ou não é um estado do não ser, do que se pode gostar ou não é da passagem do ser ao não ser.
Quando mesmo vivendo, for já um não ser, o morrer é um acto benfazejo. Muito claramente sou um defensor da Eutanásia quando é a LIBERTAÇÂO do INFERNO, e, de igual modo, não critico os suicídios de Antero de Quental, Rousseau, Florbela Espanca, compreendo-os, embora lamente os seus fins trágicos.
Quanto ao suicídio não posso deixar de sublinhar quão parece ser mal visto, em alguns dicionários enciclopédicos nem se diz como Florbela morreu e no dicionário da literatura portuguesa José Correia do Souto, narra-se assim o episódio:
...em atitude última deseja a morte.
Considero que o pensamento da finitude não ensombra a vida, dá a este bem raro, sentidos diferentes um altruísta o de procurar ser feliz com os outros, e outro o de sacar tudo aos outros para ter acesso a todas as fantasias que a vida pode permitir, infelizmente esta é atitude predominante e dominante que o cheiro da morte parece exacerbar mais.
Enfim a morte mais do que nos conduzir a uma atitude de humanidade, pode conduzir a maioria à luxúria, à soberba, à loucura pela posse de bens e ao desejo de realização do céu na terra. Se alguém tem medo de um modo vincado do fim do bem bom, são os ricos e poderosos, para eles a morte é a perda do céu. Para mim é o abate de uma árvore que gosta do vento, da saraiva e do sol e muito da amizade, e dos tais pecados carnais. Mas tudo será em mim, nesta área da vida e da morte, quando centrada no meu eu´, sobretudo um poema branco, na concepção de António Sérgio, isto é, um poema no conteúdo vivido e sofrido e não na forma.
Digo-te isto, mas a minha alma está ali fora com o Sol deste dia, em Lisboa e não em nenhuma antecâmara.
Gostei de te ler, pela expressão dos teus sentimentos.
Abraço
asilva
Boa tarde, meu prezado Andrade da Silva!
Diversas contingências nos levam a amar ou a aborrecer a existência.
A vida, parece ser pacífico, é o período que decorre desde o nascimento à morte. Bem-viver ou mal-viver a vida depende de nós, mas, também, e principalmente, do meio onde estamos inseridos.
Não nego o egoismo, mas creio bem ser superior a influência que sobre nós exerce o atávico gregarismo.
Os mortos vivem na saudade que nos deixaram. Assim interpreto as romagens aos cemitérios.
O medo de envelhecer é a prova provada de que ainda não soubemos construir um mundo onde seja respeitada a dignidade de quem já não tem poder para enfrentar plenamente as adversidades da existência.
O suicídio entendo-o como a desistência de viver. E, quantas vezes, todos somos responsáveis por ele? Não aguentar a vida será uma das mais horríveis sensações que poderemos sofrer.
Entender a vida é lutar por uma vida de dignidade para todos.
Abraço.
José-Augusto
Viver a Vida cada dia no dia-a-dia.
Julgo que este é um caminho que podemos e deveremos seguir... Recordando os mortos - os nossos e os alheios - mas, como dizia o meu tio: «Os mortos com os mortos e os vivos com os vivos».
Amo a Vida tal qual ela é e como se me apresenta... Mesmo com dificuldades!
Um grande abraço, meu caro camarada
Caros Amigos José e Fraga e todos os demais amigos vivos.
Sim estou de acordo convosco. Vivos entre os vivos, e como vivos entre vivos celebremos a vida com os poemas dos poetas, acompanhados de um bom tinto de boa casta, uma febra de um porco preto alentejano, sem esquecer as azeitonas e uma modinha alentejana, seguida de uma morna e um fado, na companhia de queridas e boas amigas.
Valeu ouvir falar tanto da vida. Obrigado.
VIVA A VIDA. Com amizade abraços
andrade da silva
O comentario de Jose Augusto de Carvalho eh o que mais define exactamente os medos, para alguns ate terror, sobre a velhice. Que coisa certa e verdadeira que ele avivou!
“O medo de envelhecer é a prova provada de que ainda não soubemos construir um mundo onde seja respeitada a dignidade de quem já não tem poder para enfrentar plenamente as adversidades da existência.”
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