sábado, 17 de janeiro de 2009

A Defesa do Poeta






Natália Correia







A Defesa do Poeta




Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei

Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além

Senhores três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.


Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, Editora Nova Aguilar, 1999 - RJ, Brasil

1 comentário:

andrade da silva disse...

Cara Marilia caras amigas e amigos

Pouco mais nos resta de azul, liberdade e vida que sermos, aos nossos modos, poetas e ladradores contra tanta impostura,hipocrisia e crime, mas também sem nunca esquecer o doce laranja, cor do sol incandescente do sorriso de uma criança, do sol que nasce todos os dias e mesmo da merdosa desta chuva que me prende em casa, mas é bem-vinda, o mumdo continua e a voz dos poetas também.
abraço
asilva