Nasci numa ilha abençoada, nasci no Hospital do Monte, na zona alta da cidade do Funchal, entre árvores cheias de verde e flores repletas de cor. Vivi muitos anos na rua da Queimada de Baixo, à frente do nº 25 da rua de João Tavira, onde, habitavam as Sousa Teles, familiares do imponente General Sousa Teles. Fui visita desta casa, aquando das férias da Academia Militar apresentava-me fardado às duas irmãs Ana e Margarida, pela antiguidade primeiro será a segunda, mas gostávamos mais da primeira, e comia o melhor bolo de mel da ilha e bebia um vinho doce, divinal, como convinha a casa tão frequentada por padres .
Vivi, como os demais madeirenses a um passo do mar e da serra. Respirei o ar puro, bebi água do mar salgado, porque sempre nadei mal e nunca soube nem dar a braçada forte, nem sintonizar o respiração, enfim, nesta arte, como em muitas outras, fui, sou um nabo, mas honrado e esforçado, nunca me rendi.
Na minha infância, quando não ouvia o mar ao vivo, como os demais rapazes, raparigas e adultos, tínhamos sempre, na casa dos madeirenses de antanho havia sempre, sempre, uma ligação ao mar, nós tínhamos de ouvir o bom dia do mar para o dia ser dia, e, assim, quando fui viver para S. Martinho, deixei de ver o mar, depois para a Montanha, aqui, via-o muito bem , mas já não o ouvia, mas era preciso ouvi-lo, por isso nestas andanças de casa ás costas, ( havia muitas casas para arrendar, e a minha mãe andava sempre à procura de melhores ares) nunca ficou para trás o búzio, a grande herança de quem era pequeno, simples e amava o oceano.
Todos os dias, todos nós, a minha mãe, irmã e eu, segundo o saber da minha mãe, colocávamos o búzio no ouvido e ouvíamos o mar, longínquo mar, mas forte e soberano, mesmo quando não o víamos a sua voz era troante e de uma multidão de gotas e toneladas de sal. Sonhávamos com sereias e que de gota a gota se tinha formado o mar imenso, que julgávamos nosso, de todos, sim, nós éramos simples e bondosos.
Desses tempos guardei sempre a ideia elementar e essencial que o mar era infinito, formado de gotinhas, tinha nascido de uma que se juntou a outra, mais outra, depois a outra e no fim foram milhões. Sonhava, então, ou dizia a minha mãe, já não sei ao certo, que Deus tinha sido muito paciente, persistente para fazer a sua obra, e que todas as grandes obras exigem muito trabalho e humildade.
Quanto me recordo o búzio que nós escutávamos! Dizia que só os burgueses, que, então, se chamavam, na casa de minha mãe, de patacas, “brezuelanos”, ou simplesmente pançudos, ( desta não gosto muito, porque também a minha barriguinha cresceu) ou, ainda, de ricaços mandriões, é que sem fazerem nada tinham o mundo a seus pés, e que tinham uma inclinação especial para fazerem o papel de cavalos de Tróia, isto é, cavavam sempre, quando era preciso lutar, julgavam-se uns predestinados.
Hoje penso que o meu búzio tinha razão, os vaidosos pensam que só vale a pena fazer alguma coisa, quando o mundo dobra-se perante a sua omnipotência e os venera, não toleram a solidão do deserto, e muito menos o trabalho anónimo de quem crê ter algo para dizer, apesar de não ter a audiência dos Deuses. Mas também aqui o meu búzio dizia e diz-me parte, parte sempre e faz-te ao mar ignoto, chegarás ao porto das gentes, e é o que tenho feito….
O porto das gentes está sempre longe, mas demando-o, enquanto vejo muito vaidoso, petulante, burguês disfarçado, soçobrar, mas sempre dando um quê de grande solenidade a uma acto nem mais rico, nem mais pobre, do que defecar, mas para eles, numa alucinação do self, é preciso de tudo fazer uma tragédia, porque caso contrário sentir-se-iam pigmeus, o que não aceitam. Mas nada disto tem qualquer significado para o búzio, meu conselheiro, que me chama para o mar e para a aventura da vida, da luta, do sol e da liberdade, luz forte que muitos queriam lamparina e, assim, eis-me aqui, partilhando a voz do meu búzio de rapaz.
Obrigado Marília, por me ter recordado do meu búzio que fisicamente perdi em Lisboa, mas nunca no coração e na alma. De qualquer modo quando à Madeira regressar vou de lá trazer o búzio da minha infância, é um grande património para quem sabe que a seus pés só tem a honra, o amor, a humildade e a ideia de que a dignidade está mais em prosseguir pelos caminhos difíceis do que nos actos vaidosos do fugir, mesmo que sob o disfarce alucinado da pseuda pompa e circunstância.
andrade da silva
PS: Um búzio para todos os amantes, para ouvirem os gemidos do mar a fazer amor com as areias, na Madeira com os calhaus de basalto.
Vivi, como os demais madeirenses a um passo do mar e da serra. Respirei o ar puro, bebi água do mar salgado, porque sempre nadei mal e nunca soube nem dar a braçada forte, nem sintonizar o respiração, enfim, nesta arte, como em muitas outras, fui, sou um nabo, mas honrado e esforçado, nunca me rendi.
Na minha infância, quando não ouvia o mar ao vivo, como os demais rapazes, raparigas e adultos, tínhamos sempre, na casa dos madeirenses de antanho havia sempre, sempre, uma ligação ao mar, nós tínhamos de ouvir o bom dia do mar para o dia ser dia, e, assim, quando fui viver para S. Martinho, deixei de ver o mar, depois para a Montanha, aqui, via-o muito bem , mas já não o ouvia, mas era preciso ouvi-lo, por isso nestas andanças de casa ás costas, ( havia muitas casas para arrendar, e a minha mãe andava sempre à procura de melhores ares) nunca ficou para trás o búzio, a grande herança de quem era pequeno, simples e amava o oceano.
Todos os dias, todos nós, a minha mãe, irmã e eu, segundo o saber da minha mãe, colocávamos o búzio no ouvido e ouvíamos o mar, longínquo mar, mas forte e soberano, mesmo quando não o víamos a sua voz era troante e de uma multidão de gotas e toneladas de sal. Sonhávamos com sereias e que de gota a gota se tinha formado o mar imenso, que julgávamos nosso, de todos, sim, nós éramos simples e bondosos.
Desses tempos guardei sempre a ideia elementar e essencial que o mar era infinito, formado de gotinhas, tinha nascido de uma que se juntou a outra, mais outra, depois a outra e no fim foram milhões. Sonhava, então, ou dizia a minha mãe, já não sei ao certo, que Deus tinha sido muito paciente, persistente para fazer a sua obra, e que todas as grandes obras exigem muito trabalho e humildade.
Quanto me recordo o búzio que nós escutávamos! Dizia que só os burgueses, que, então, se chamavam, na casa de minha mãe, de patacas, “brezuelanos”, ou simplesmente pançudos, ( desta não gosto muito, porque também a minha barriguinha cresceu) ou, ainda, de ricaços mandriões, é que sem fazerem nada tinham o mundo a seus pés, e que tinham uma inclinação especial para fazerem o papel de cavalos de Tróia, isto é, cavavam sempre, quando era preciso lutar, julgavam-se uns predestinados.
Hoje penso que o meu búzio tinha razão, os vaidosos pensam que só vale a pena fazer alguma coisa, quando o mundo dobra-se perante a sua omnipotência e os venera, não toleram a solidão do deserto, e muito menos o trabalho anónimo de quem crê ter algo para dizer, apesar de não ter a audiência dos Deuses. Mas também aqui o meu búzio dizia e diz-me parte, parte sempre e faz-te ao mar ignoto, chegarás ao porto das gentes, e é o que tenho feito….
O porto das gentes está sempre longe, mas demando-o, enquanto vejo muito vaidoso, petulante, burguês disfarçado, soçobrar, mas sempre dando um quê de grande solenidade a uma acto nem mais rico, nem mais pobre, do que defecar, mas para eles, numa alucinação do self, é preciso de tudo fazer uma tragédia, porque caso contrário sentir-se-iam pigmeus, o que não aceitam. Mas nada disto tem qualquer significado para o búzio, meu conselheiro, que me chama para o mar e para a aventura da vida, da luta, do sol e da liberdade, luz forte que muitos queriam lamparina e, assim, eis-me aqui, partilhando a voz do meu búzio de rapaz.
Obrigado Marília, por me ter recordado do meu búzio que fisicamente perdi em Lisboa, mas nunca no coração e na alma. De qualquer modo quando à Madeira regressar vou de lá trazer o búzio da minha infância, é um grande património para quem sabe que a seus pés só tem a honra, o amor, a humildade e a ideia de que a dignidade está mais em prosseguir pelos caminhos difíceis do que nos actos vaidosos do fugir, mesmo que sob o disfarce alucinado da pseuda pompa e circunstância.
andrade da silva
PS: Um búzio para todos os amantes, para ouvirem os gemidos do mar a fazer amor com as areias, na Madeira com os calhaus de basalto.
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