Castro Alves A mãe do cativo
Ó mãe do cativo! que alegre balançasA rede que ataste nos galhos da selva!Melhor tu farias se à pobre criançaCavasses a cova por baixo da relva.Ó mãe do cativo! que fias à noiteAs roupas do filho na choça da palha!Melhor tu farias se ao pobre pequenoTecesses o pano da branca mortalha.Misérrima! E ensinas ao triste meninoQue existem virtudes e crimes no mundoE ensinas ao filho que seja brioso,Que evite dos vícios o abismo profundo ...E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,O raio da espr'ança... Cruel ironia!E ao pássaro mandas voar no infinito,Enquanto que o prende cadeia sombria! ...IIÓ Mãe! não despertes est'alma que dorme,Com o verbo sublime do Mártir da Cruz!O pobre que rola no abismo sem termoPra qu'há de sondá-lo... Que morra sem luz.Não vês no futuro seu negro fadário,Ó cega divina que cegas de amor?!Ensina a teu filho - desonra, misérias,A vida nos crimes - a morte na dor.Que seja covarde... que marche encurvado...Que de homem se torne sombrio reptíl.Nem core de pejo, nem trema de raivaSe a face lhe cortam com o látego vil.Arranca-o do leito... seu corpo habitue-seAo frio das noites, aos raios do sol.Na vida - só cabe-lhe a tanga rasgada!Na morte - só cabe-lhe o roto lençol.Ensina-o que morda... mas pérfido oculte-seBem como a serpente por baixo da chãQue impávido veja seus pais desonrados,Que veja sorrindo mancharem-lhe a irmã.Ensina-lhe as dores de um fero trabalho...Trabalho que pagam com pútrido pão.Depois que os amigos açoite no tronco...Depois que adormeça co'o sono de um cão.Criança - não trema dos transes de um mártir!Mancebo - não sonhe delírios de amor!Marido - que a esposa conduza sorrindoAo leito devasso do próprio senhor! ...São estes os cantos que deves na terraAo mísero escravo somente ensinar.Ó Mãe que balanças a rede selvagemQue ataste nos troncos do vasto palmar.IIIÓ Mãe do cativo, que fias à noiteÀ luz da candeia na choça de palha!Embala teu filho com essas cantigas...Ou tece-lhe o pano da branca mortalha. Castro AlvesA órfã na sepulturaMinha mãe, a noite é fria,Desce a neblina sombria,Geme o riacho no valE a bananeira farfalha,Como o som de uma mortalhaQue rasga o gênio do mal.Não vês que noite cerrada?Ouviste essa gargalhadaNa mata escura? ai de mim!Mãe, ó mãe, tremo de medo.Oh! quando enfim teu segredo,Teu segredo terá fim?Foi ontem que à Ave-MariaO sino da freguesia,Me fez tanto soluçar.Foi ontem que te calaste...Dormiste . . os olhos fechaste...Nem me fizeste rezar! ...Sentei-me junto ao teu leito,'Stava tão frio o teu peito,Que eu fui o fogo atiçar.Parece que então me vistePorque dormindo sorristeComo uma santa no altar.Depois o fogo apagou-se,Tudo no quarto calou-se,E eu também calei-me então.Somente acesa uma velaTriste, de cera amarela,Tremia na escuridão.Apenas nascera o dia,À voz do maridediaSaltei contente de pé.Cantavam os passarinhosQue fabricavam seus ninhosNo telhado de sapé.Porém tu, por que dormias,Por que já não me dizias"Filha do meu coração?"'Stavas aflita comigo?Mãe, abracei-me contigo,Pedi-te embalde perdão...Chorei muito! ai triste vida!Chorei muito, arrependidaDo que talvez fiz a ti.Depois rezei ajoelhadaA reza da madrugadaQue tantas vezes te ouvi:"Senhor Deus, que após a noite"Mandas a luz do arrebol,"Que vestes a esfarrapada"Com o manto rico do sol,"Tu que dás à flor o orvalho,"Às aves o céu e o ar,"Que dás as frutas ao galho,"Ao desgraçado o chorar;"Que desfias diamantes"Em cada raio de luz,"Que espalhas flores de estrelas"Do céu nos campos azuis;"Senhor Deus, tu que perdoas"A toda alma que chorou,"Como a clícia das lagoas,"Que a água da chuva lavou;"Faze da alma da inocente"O ninho do teu amor,"Verte o orvalho da virtude"Na minha pequena flor."Que minha filha algum dia"Eu veja livre e feliz! ..."Ó Santa Virgem Maria,"Sê mãe da pobre infeliz."Inda lembras-te! dizias,Sempre que a reza me ouviasEm prantos de a sufocar:"Ai! têm orvalhos as flores,"Tu, filha dos meus amores,"Tens o orvalho do chorar".Mas hoje sempre sisudaMe ouviste... ficaste muda,Sorrindo não sei pra quem.Quase então que eu tive medo...Parecia que um segredoDizias baixinho a alguém.Depois... depois... me arrastaram...Depois... sim... te carregaramP'ra vir te esconder aqui.Eu sozinha lá na sala...'Stava tão triste a senzala...Mãe, para ver-te eu fugi...E agora, ó Deus!... se te chamoNão me respondes!... se clamo,Respondem-me os ventos suis...No leito onde a rosa medraTu tens por lençol a pedra,Por travesseiro uma cruz.É muito estreito esse leito?Que importa? abre-me teu peito— Ninho infinito de amor.— Palmeira — quero-te a sombra.— Terra — dá-me a tua alfombra.— Santo fogo — o teu calor.Mãe, minha voz já me assusta...Alguém na floresta adustaRepete os soluços meus.Sacode a terra... desperta!...Ou dá-me a mesma coberta'Minha mãe... meu céu... meu Deus...
Castro Alves
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