sexta-feira, 26 de junho de 2009

EU, CIDADÃO-MILITAR, ME APRESENTO! TO ANGOLA 71/72 (IX). MUCABA: COMANDANTE DA COMPANHIA:A HONRA,O ORGULHO E O PRAZER DE SER COMANDANTE (2)


O - bolinha vermelha

Penso nos meus camaradas Major Passos Ramos e Pereira da Silva que morreram nas tristes aventuras do Sr. General Spínola, e que queriam o 25 de Abril. Também denunciavam vigorosamente algumas vigarices, o que sem nunca os ter lido farei mais tarde.

Não posso também deixar de pensar nas suas famílias e na alferes Passos Ramos sobrinha do meu camarada e filha do general Passos Ramos, que muito estimei, considerei e considero por ter sido uma psicóloga disponível que andou pelas terras da Bósnia.

Hoje já com muitos anos rendo a minha homenagem à generosidade dos jovens de todos os tempos, especialmente aos jovens de vinte e poucos anos que acabam os seus cursos, como é o caso do meu filho, ou os que serviram as Forças Armadas durante 6, 9 anos com muita dedicação e depois têm pela frente um país em crise, sem empregos. REVOLTNTE! 25 DE ABRIL TRAÍDO!” ....


O Jovem alferes que era sentia o maior prazer por ser o comandante, e toda a honra, e orgulho do mundo, porque me considerava competente. Tinha a vaidade de quem pensa que sabe bem o que faz, mas tinha a humildade que sempre me caracterizou, e que me levava a considerar que o mais importante no meu comando sempre foi a camaradagem e, o modo rigoroso de tratar os meus subordinados, associado à maior amizade e consideração por eles.


Sempre fui amigo dos que comandei, e sempre lhes falei claro, garantindo a defesa dos direitos de todos, mas nunca esquecendo os deveres que cada um tinha de cumprir, e quem não quisesse ser cooperador e violasse o pacto da relação harmoniosa seria sancionado, e perante a violação dos deveres não haveria nenhuma desculpa, encobrimento ou cumplicidade com os abusos de poder. Sempre foi assim.


Nesta companhia de cerca de 200 homens, 50% de continentais e 50% de cabo-verdianos, havia entre todos um comportamento de verdadeira camaradagem. Todavia quando tive de interrogar um negro acusado de ser terrorista, os soldados cabo-verdianos rondaram o gabinete, não sei, hoje, se como manifestação de rejúbilo ou de crítica e vigilância ao nosso comportamento.

Este suposto terrorista era acusado de ser da FNLA, foi-nos entregue pela população e era acusado de ter esquartejado uma adolescente à catanata, comportamento criminoso contra a população que parece que era a marca-de-água deste movimento de Holden Roberto. Comportamento, este, terrorista e criminoso. De facto odiei este suposto “turra” e irracionalmente aceitei, como boa a informação da população.


Toda esta convicção também tornara-se mais forte, pelo facto de ter estado na sanzala Banzatema, onde, as coisas se passaram, e tive de jantar à luz de uma vela na cubata do soba. A ementa foi fuba, frango com molho de soja e vinho de palma. De tudo isto só gostava do frango, o vinho de palma era um horror e a fuba só me colava no céu-da-boca. Acompanhava-me um furriel que comia com tanta à vontade como os negros. Ia ficar por lá. Neste aperto só me lembrava de uma história que o meu pai me contava. Tinha ido, em Macau, na década de 50, a uma festa chinesa, e como foi considerado a pessoa mais importante teve de se bater com a cabeça do pato que constituiu o repasto.

O suposto terrorista foi interrogado mas não disse nada, como era minha convicção de que ele era o assassino forcei-lhe a reposta, obrigando-o a fazer exercícios físicos. Todavia e não concordando muito não actuei contra um alferes que o agrediu.

Nesta unidade o sargento da companhia que miseravelmente depois do 25 de Abril me criticou por ter participado neste acto de libertação, e ostensivamente me deixou de falar propus-me que metesse o homem num jeep, depois o mandasse sair e o assassinasse pelas costas, alegando que ele estava a fugir, o que, segundo o mesmo, seria a prática de outros capitães. Recusei esta alternativa, e por causa do prisioneiro recebi a visita do oficial de operações do batalhão, tal era a “fome” de resultados.

Este suposto “ turra” depois foi entregue a outra companhia, onde, se dizia que se torturavam os prisioneiros com choques eléctricos nos testículos. Enfim quase todos, de um modo ou de outro, nem sempre fizemos tudo bem, mas, sem querer adiantar qualquer justificação, sempre direi que fazer exercícios físicos, quando não se fazia bem as coisas, era uma prática corrente no Exército até com tabelas negociadas democraticamente, a que também como comandante ficava sujeito. Por exemplo um minuto de atraso corresponderia a x flexões de braços, y de pernas, e de facto a coisa funcionava. Também apliquei a tabela a mim próprio, como me auto-.puni na Figueira da Foz, quando me atrasei a uma formatura, porque o despertador não tocou, o que nunca antes ou depois tinha, ou voltou a acontecer.

Em Mucaba fiz operações na Serra, muito montanhosa e com uma floresta virgem, onde, o Sol não entrava. Apanhei muita chuva perto da noite e trovoadas de fazer tremer quem estava debaixo de tanta árvore que corria o risco de ser lichado por um raio. Temíamos, ainda, umas formigas que se nos apanhassem as pernas, logo, nos tinhamos de despir, porque elas loucamente corriam para os testículos, diziam, e tendo saído dali nunca mais o confirmei, seja como for, a coisa assustava.

Também muito atrapalhava a espingarda, a famosa G3, era grande, o cano estava sempre a enterrar-se pela terra dentro, o que, tornava a arma inoperacional. Tinha-a de levar em bandoleira, para me poder agarrar e evitar as quedas, o que de facto não consegui de todo, apesar da minha experiência de montanhista. Os militares que comandava já tinham um ano de experiência daquela serra caíam muito menos que eu, mas nunca me deixaram de considerar o seu comandante, o que, em tais circunstâncias, não era coisa fácil.

Nesta operação encontramos vários acampamentos abandonados, e como era hábito nestas operações lá destruímos umas casotas que seriam reconstruídas em menos de nada, e também as plantações de mandioca.

Sem nenhum incidente terminei esta operação ao fim do 3º dia, e pedi ao Batalhão para regressar a quartéis. Recebi ordem do oficial de operações, major Alves de Sousa, para avançar para um morro dos diabos, repentinamente atmosfera se ionizou. Não dei como recebida a mensagem, ficamos ali 24 horas em silêncio rádio que só voltou a funcionar para nos recolherem na tarde do dia seguinte.


Como era fácil mandar das salas de operações subir morros, e descer aos infernos! Mas como era tão difícil dizer isso ao pessoal extenuado por ter andado mais depressa do que a velocidade calculada na sala de operações. Mas alferes não é milagreiro, é só alferes…


Também e a propósito desta operação vi quanto a libido é poderosa. O furriel de transmissões tinha relações sexuais com uma negra de uma sanzala, para o que se deslocava ao cair da noite por uma vereda rodeada de capim. Fazia-o com grande temeridade, por outro motivo não o faria, e mesmo por aquele muito poucos o fariam, mas ele, sim. Venceu todos os medos e não dava atenção nenhuma aos avisos. Estava enfeitiçado, o perigo e a cubata o atraíam para os abismos.

Na operação de que falo, como o comandante da companhia ia para o mato, conhecendo o seu medo e o seu comportamento temerário, mandei-lhe distribuir ração de combate, para participar naquela operação.

O furriel perante este facto teve um ataque de pânico, coisa que nunca tinha visto, e só muitos anos mais tarde vi coisa idêntica com a mãe do meu filho, quando na minha casa, vinda da madeira, desembarcou uma barata. O ataque de pânico por causa da fobia foi de tal ordem que influenciou o meu filho que entrou de imediato a fazer coro com a mãe. Uma coisa incrível.

(Ora queria matar a barata, mas com aquele alvoroço não o conseguia, pelo que perdi o meu auto-controle e dei no meu filho uma das três, e só três palmadas, que lhe apliquei na vida. Esta mal dada, as outras duas a propósito, tendo uma resolvido a questão de querer dormir entre a mãe e o pai, o que as técnicas psicológicas aplicadas não resolveram. Todavia os conhecimentos de psicologia foram importantes para tão baixa contabilidade punitiva)…

Mas graças à sua fobia o nosso furriel lá ia ficando no quartel e às noites ia ter com a sua "pretinha", talvez devesse ser proibido de o fazer, talvez!?... Mas não foi, e talvez assim é que esteja certo, não sabia, continuo a não saber.Os comandantes têm dúvidas, alguns medos e algumas vezes se enganam.

Mas o maior prazer e honra do comandante é servir o País, os seus subordinados e as pessoas da comunidade civil e, isto tudo, senti ao longo da minha vida com grande plenitude, apesar do alto preço que paguei.

Todavia foi uma honra ter comandado tão nobre e valorosa gente que também, por ser humana, tinha defeitos e medos, alguns até muito pequenos, como o das formigas que atacavam os testículos e de outros de que, ainda, falarei

(continua)


andrade da silva 26 Junho 09




6 comentários:

Estela disse...

Diga-nos meu Coronel, como que é que se sente ao reviver o passado?
Já pensou em escrever um livro a sério sobre essas memórias?
Não deve ser fácil, lembrar e narrar tudo o que viveu, sentiu pensou...pelo menos para mim não é, não consigo evitar este sentimento de nostalgia do passado...não por serem boas ou menos boas memórias...mas simplesmente... porque passou...e depois vem o receio do esquecimento...por isso, é sempre importante escrever...para que em datas de saudades possamos reviver tudo o que o passado nos traz no presente...
Boa continuação!
Estela

andrade da silva disse...

Cara Estela

Como verás mais lá para a frente quando os anos forem muitos que este exercicio dói.Da minha parte como procurei ser correcto não dói muito,sobretudo amei e servi o meu próximo e, por isso, paguei,paguei com dor fisica e profissional,mas com orgulho e uma consciência forte de estar a fazer o que era morlmente certo defender os interesses de quem comandava e dos militares em geral,nunca pedi nada para mim, nunca passei rasteiras a ninguém, nunca me servi do trabalho dos outora para me promover e sempre defendi quando era justo quem comandei nos seus momentos de fracasso.

Da guerra só tenho o espinho de ter posto o suposto "turra" a fazer exercicios,como aliás era pratica corrente entre nós na instrução e isso era aceite acriticamente e no fundo era melhor ser o corpo a pagar do que um individuo ficar detido ou com corte de fim-de-semana,o que nunca fiz como comandante de pelotão.

Nem sempre fui justo, mais nas palavras que nos actos, mas tenho centenas de depoimentos anónimos dos soldados a dizer que sempre foi amigo e que nunca lhes faltei com todo o apoio quando estavam doentes ou em baixo, também é verdade que falam da minha pressa que sempre foi a do bombeiro, por isso ao longo de 40 anos de vida militar usei 5 vezes o RDM uma em angola porque um soldado quis bater num furriel, uma na EPST Figueira,porque um individuo perdeu a recruta, esta punição foi errada,porque ele nunca devia ser seleccionado e as outras 3 vezes foi no CPAE,mas do CPAE conheces o suficiente.

Nunca persegui ou odiei um meu subordinado,aliás os meus problemas foram sempre com os que mandam.

Na minha vida particular também errei, mas o padrão de comportamento é idêntico.

Obviamente que escrevo aqui para o blogue, porque é um blogue e muitos amigos pediram-me para fazê-lo, hoje já nem sei se o lêem. Publicar não é um objectivo,nem sequer uma intenção.

Mas posso dizer-te que embora não pretenda fazer balanços só sei que tudo aconteceu muito rápido. A vida não me cansou e enfim passou, e sobtetudo tudo foi tão rápido que nunca conheci a rotina, a sensação que tenho é que nasci ontem e já estou de malas aviadas,isto não me angustia,mas é o que sinto, precisava de mil anos talvez para me cansar, claro se a doença não me atacasse, e o diabo é que gostei de viver este tempo,como sinto que gostaria de ter vivido na idade média,como no futuro e, neste, porque os computadore serão muito mais ammigos dita-se o texto e eles escrevem.

Aonde cheguei com a tua questão.

Foi importante escrever,porque nestas matérias também se vê tanta gente a falar do hoje para o ontem,mas deste para o hoje é o falas.
Obrigado.
bjnho
a silva

José Duarte disse...

Mensagem


Sou portador d'uma mensagem de Paz e Amor

Parái! Para me escutardes.



Como loucos correis para a morte,

dignificais o sangue

que se desfaz em espumas de dor.

De espingarda e balas na mão

espalhais terror.

O sabre mata com dignidade e silêncio,

a bala como o relâmpago.

Ei-los, em ímpetos e regozijos de morte,

ei-los gritando...

Profanam o silêncio à noite,

matando sempre.

Defendem pátrias e não me ouvem.



Sou portador d'uma mensagem de Paz e Amor

Parái! Para me escutardes.



O meu grito é já feroz,

com força, quero que me ouçam,

mas não me escutam.

Saltam em bandos

como vampiros,

ambiciosos por semearem medo e terror.



Párem! Sou eu que mando!

Matem-me ao menos a mim também

e sirva o meu sangue para o extremo bem.



Quero sentir nas minhas entranhas ,

o ardor do sabre, a brasa da bala,

já que agora não vos dignais queimar-me.



Falam em pólvoras e napalm,

falam num mundo novo, após a morte,

falam em Deus! No salvador,

no Cristo, no Buda,

Até no Amor!

Mas só destróem.


Párem porque trago

uma mensagem de amor



O meu grito é mais alto – infinito!

Mas não me ouvem.

É como gritar aos surdos,

e mostrar a paz a cegos.

Eles já não acreditam no amor,

antes, redobram o seu furor.



“À guerra! À guerra!

Vinguemos o derramado sangue!

Cristo está do nosso lado.”



É um grito medonho,

como medonha é a trovoada

de bombas e napalm desencadeada.



E eu tenho medo,

eu fico tão pequeno,

vacilo!

E numa réstea de esperança

consigo ainda balbuciar:

Párem!

Sou portador d'uma mensagem de Paz e Amor

Parái! Para me escutardes.



Mas eis que me atropelam os soldados

e eu...calcado sob tantos pés,

não passo d'um moribundo

em sangue enxarcado,

as moscas poisam-me nas feridas,

alimentam-se do meu sangue,

mais pés me pisam

e as lagartas dos tanques

dilaceram a minha carne,

comida já pelo napalm,

dilacerada pela granada...

O meu corpo é um montão

de chagas e morte...

Oferecido ao furor

para gritar que trazia

uma mensagem de paz e amor.


Mucondo, 7 de Julho de 1971

José Tavares

Isabel Pestana disse...

João

Eu também acho que devias escrever um livro de memórias sobre a tua participação na "guerra colonial". É um prazer ler-te e em livro isto saberia muito mais!
Asim também tem uma vantagem que é a de manter-nos presos aqui ao blog para podermos continuar a ler e saber o fim de cada episódio que relatas, mas... num livro era um nunca mais parar de ler!
bjinhos
Isabel

andrade da silva disse...

TAVARES OBRIGADO PEla sua memória
abraço

Isabel

pois tu és uma grande amiga, veremos,veremos,mas um nemsequer sou um escritor,sou um contador de estórias da minha pequena história.
veremos,veremos
bjnho
joão

Isabel Pestana disse...

João

Mas que interessa isso de não seres escritor? a mim não me interessa nada se eu sinto prazer a ler-te!
Confia em nós, os teus amigos! Se te incitamos a escrever um livro de estórias da tua história é porque achamos mesmo que o devias fazer,nem que seja só para nosso deleite!
bjinhos
Isabel