O - bolinha vermelha
Nas viagens, como é hábito, enviamos postais, cá vai um:
Nas viagens, como é hábito, enviamos postais, cá vai um:
Ao ter-me decidido editar algumas memórias de guerra e dos meandros do 25 de Abril, ao nível do alferes/tenente e não dos doutos e consagrados porta-vozes de todos os regimes, estou quase a fazer um novo 25 de Abril, nesta área, porque isto, no mundo dos interditos elitistas em todos os domínios que nos cercam, é uma quase-blasfémia saltar a cerca, mas quem participou no 25 de Abril, não pode temer os crimes de opinião, punidos explicitamente pelo fascismo, e dissimuladamente, e não menos gravemente sancionados pelo actual regime, com a morte civil e profissional e, obviamente, com o gueto.
A história que venho contando será também comum a muitos alferes, tenentes e capitães da guerra de África, porque como se verá passei por 5 unidades: Lumbala Velha, Cavungo (leste de Angola), Mucaba, Negage, Damba (norte Angola), o que me permitiu fazer uma radiografia daquela guerra que nem sempre será consentânea com alguns mitos de “super-stars”.
As “coisas” seriam mais comuns, embora muitos, e eu próprio, nos sentissimos uns aprendizes da Raposa do Deserto, o muito apreciado general Rommel que também pagou com a vida a sua oposição ao tresloucado e cabalístico Hitler.
Mas porque penso que a alma dos que nos acompanham é grande, lá irei contando esta pequena história, porque, isto, é um dever de cidadania que numa comunidade de cidadãos livres, hoje, ou amanhã, poderá ter o seu eco.
A Terra embora cercada e ameaçada pelos desertos, ainda, é o Planeta Azul e resiste, consequentemente, seguindo o exemplo da Terra-Madre continuemos o caminho, agora, do Cazombo até à simpática cidade do Luso.
CIDADE DO LUSO
Burgo simpático, onde, comprei alguns livros, jantei por 60 paus, vi filmes e tomei na Messe de oficiais um interminável banho de imersão. Só voltaria a estes banhos no regime Democrático, em 1976, quando injustamente prenderam um inocente, com abundante prova jurídica e factual da sua inocência.
( Estive detido na prisão da Trafaria, onde, em 74 fiz parte da equipa que libertou os, então, Tenente coronel Almeida Bruno, major Monge e capitão Varela, este, meu conterrâneo.
Durante a detenção fui visitado por muita gente general Fabião, general Vasco Gonçalves, Otelo, Duran Clemente, Dinis de Almeida, capitão Miranda, já falecido, bastante por força destas contracurvas, capitão Lameirinhas e muitos civis, entre os quais, Isabel Pestana, filha do capitão Pestana do assalto a Beja.
Foi-me revelado por alguém que depois de me porem o rótulo de comunista e mandarem-me para a Madeira pretendiam que A FLAMA- movimento independentista - cumprisse a sua missão, ou seja, fizesse com que o meu estado de vida entre vivo e morto se alterasse, tal não aconteceu, mas logo fui ameaçado pelo chefe dos bombistas, um meu antigo colega de nome Firmino, de que não me queriam por aquelas paragens, do que dei conhecimento, em exposição escrita, em 27 Março 76, ao Governador Militar, então, Brigadeiro Carlos Azeredo.
Mas para pouco valeu, porque tendo de me defender do bando diabo à solta, para não ser morto fui preso por dois anos, apesar de inocente, o que, foi mesmo reconhecido pelo Presidente do 3º Tribunal Territorial de Lisboa, Coronel da Força Aérea Cruz Novo, aos meus dois grandes advogados Dr. Xencora Camotim e Goucha Soares que dispensaram os seus honorários para me defenderem, após a escusa do Dr. Luso Soares – rendo-lhes a minha homenagem e a todos os bons e grandes advogados de Portugal que não são aqueles que o Dr. Marinho denuncia, e toda a gente sabe bem que os há -. O Dr. Xencora, muito nobre advogado, ainda tem presente este espinho da sua longa carreira.
Todavia nem tudo na prisão foi mau, porque sem que os meus carcereiros se tenham apercebido pelas 5h da manhã tomava uns grandes banhos de imersão, numa enorme banheira.
Se o coronel que chefiava aquela prisão, conhecido pelo B…. M…., por toda a gente assim tratar, soubesse teria feito sei lá o quê. Também na prisão me chamou de berda m….. Queixei-me ao, então, governador militar de Lisboa Brigadeiro Vasco Lourenço. Pela ousadia fui punido pelo coronel com 15 dias de isolamento, punição ilegal, mas nada aconteceu ao Sr. Comandante que também permitia que os tenentes e outros dissessem, nas formaturas, que o Brigadeiro Vasco Lourenço era um general Politico, e que tudo ficaria entre amigos com ele, com um prato de costeletas de porco, porque ali se julgava que era o prato preferido do Sr. general"
A BAGAGEM DO COMBATENTE
“Dedicatória: ao falar de viagens não posso esquecer-me desse grande alferes que comandei nos últimos anos, o João Rodrigues, que é um viajante por excelência. Desembarcado em Timor, sem ninguém à sua espera lá conseguiu ir de boleia até ao Batalhão Português. Também a este alferes psicólogo se deveu em grande parte a recuperação de um soldado quase condenado, com uma pneumonia atípica. Evacuado para um hospital da retaguarda australiano foi por aquele alferes acompanhado, o que lhe valeu muito e à sua família.
Sabe este Alferes irreverente e desenrascado, como o tenente Luís Carvalho e os demais quanto os estimava, porque talvez não pudessem adivinhar, mas eu revia-me muito neles, e também tinha como referência maior, o general Trindade que como Director da Arma de Infantaria nunca deixou morrer em si a chama do Alferes que vi brilhar, quando fui fazer um curso de Instrução Colectiva e de gestão por Objectivos à Direcção da Arma de Infantaria”
Nas viagens trazemos sempre uma dada bagagem. Nestas andanças para além da pobre bagagem do “ guerreiro” trazia uma rica bagagem de recordações, abrindo-a vejo, logo, aquelas palavras do alf. Mateus:
“Despedi-me dele, e, então, disse-me ter sido o “Chico” mais porreiro que tinha encontrado. Enfim mais uma opinião que respeito, e guardo com amizade, por julgar ser sincera”.
Vale sempre a pena trabalhar muito para quem comandamos.
O ESPINHO QUE DÓI
Mas também lá está aquele espinho que dói, ou seja, o acto que considerei menos correcto do meu capitão e de que já dei notícia, então, como hoje, verifica-se que acima das pessoas estão os interesses da política real. Nunca aceitei de bom grado estes comportamentos que são contraditórios com a formação cívica e militar que recebi, mas há, a tal coisa, chamada sumptuosamente de diplomacia. Enfim…
(Soube que este capitão, depois do 25 de Abril verberou o meu comportamento de militar da liberdade. Só uma razão poderá ter, é que de facto o alferes que ele conheceu era o tal aprendiz a Rommel, e, por isso, talvez não fosse muito esperado que tão cedo, dois anos depois, andasse numa revolução contra o ditador. Só que, até Novembro do ano 72, muita coisa na minha visão desta guerra se vai alterar).
O STRESSE DE GUERRA
Pelo Cavungo e Lumbala Velha havia uns militares com essa coisa tenebrosa e dolorosa que era o STRESSE DE GUERRA, mas na nossa ignorância lá olhávamos para o militar que passeava na parada galinhas imaginárias, como um golpista ou um pobre louco, cheio de piada, mas, afinal o que teria este militar a mais ou a menos que outros que entre velharias, de que só se safavam o velho jeep wills e o unimog 404 pelo roncar dos seus motores, se julgavam tão grandes como o Rommel, que dispunha daqueles potentes e majestosos carros de combate?
O nosso mundo era estranho, muito estranho, talvez a magia africana tivesse algo a ver com tudo isto. Talvez!?...
UM HOMEM QUE O ALFERES DESCONHECIA
Ainda no Cazombo e antes de partir almocei com o meu comandante, o tenente coronel Borda de Água, discutimos o valor intrínseco da artilharia e da sua aplicação naquela guerra, discussão que se eterniza.
O meu comandante era um Homem simpático, mas para um aprendiz a Rommel, de facto, do ponto de vista militar, não correspondia ao paradigma do comandante vitorioso que me tinham desenhado na Academia Militar.
Não sabia então que este meu comandante tinha passado já pelas agruras da derrota da Índia. Mas não seria, ou não será suposto que os alferes conheçam a biografia dos seus comandantes?
Da minha sempre dei conhecimento como um militar que andou na guerra colonial e no 25 de Abril, duas coisas que parecem constituir uma sopa maldita, enfim…
Mas também como sou um indivíduo de muita sorte, devo referir que fiz a viagem do Cazombo para o Luso num avião, tipo caranguejola, ao lado do tal administrador, todavia esta travessia área foi óptima. Vi toda a paisagem e o piloto a contornar as tempestades, não será possível fazer-se isto com os grandes aviões?
Voltando outra vez ao Luso, onde, estive só à espera de transporte, depois de cumpridas as tarefas a que já aludi, rumei a Luanda, e, aqui, no Quartel dos adidos contactarei com os náufragos desta guerra de que falarei, quando lá chegar.
Até Luanda.
Andrade da silva 5 Junho de 09
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