segunda-feira, 6 de julho de 2009




"A Cabra o Carneiro e o Cevado"

Uma vez
Uma cabra, um carneiro e um cevado
Iam numa carroça todos três,
Caminho do mercado...
Não iam passear, é manifesto;
Mas vamos nós ao resto.
Ia o cevado numa gritaria,
Que a cabra e o carneiro
Não podendo na sua boa fé
Acertar com a causa do berreiro,
Diziam lá consigo:
Que mania!
Cá este nosso amigo
E companheiro
Por força gosta mais de andar a pé!...

o caso é
que o cevado gritou tanto
ou tão pouco
que o carroceiro
perde a cabeça
vai como louco
saca o foeiro
e diz:
homessa !
eu inferneiras tais não as aturo
ouvir berrar há tanto tempo é duro
o senhor não vê que esta em chora
nem ao menos
as lágrimas lhe saltam
o que é tão natural
numa senhora
goelas não lhe faltam
e de ferro
o ponto é que ela as abra
mas é cabra;;
teve outra criação
não dá alguma sem alguma razão
e julga que este cavalheiro é mudo?
tem propósito é sério é sisudo!
às vezes, dá um berro que estremece tudo
mas é só quando é preciso
tem juízo
miolo!
miolo... exclama o outro!
pobre tolo!
ele supõe que o levam à tosquia
e por isso nem pia!
e esta,$pensa que vai de carro ao tarro
vazar a teta
pobre pateta
mas porcos não se ordenham
cevados não se ordenham
nem tosquiam
demais sei eu
demais sei eu
o fim com que se criam
por isso grito e gritarei
do fundo da minha alma
até à morte
aqui d'el-rei aqui d'el-rei
gritava como um homem muita gente
não discorre com tanta discrição
infelizmente
quando o mal é fatal
a lamuria que vale
que vale a prevenção
mais vale ser insensato
que prudente
o insensato
ao menos
menos sente
não vê um palmo adiante do nariz

vê o presente!
está contente!
é mais feliz!!


João de Deus



2 comentários:

Marília Gonçalves disse...

Nasceu em S.Bartolomeu de Messines-Algarve
Em 1895, foi organizada uma grande homenagem ao poeta à qual se associou o Rei D. Carlos. Foi-lhe proposto um título nobiliárquico, que recusou. A Academia Real das Ciências proclamou-o Sócio de Honra.

Em resposta à homenagem de estudantes de todo o país que se dirigiram a sua casa em grande cortejo, João de Deus assomou à varanda e declamou de improviso:

Estas honras e este culto

Bem se podiam prestar

A homens de grande vulto.

Mas a mim, poeta inculto,

Espontâneo, popular...

É deveras singular



oão de Deus morreu em 1896, tendo sido sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, honra reservada a um punhado dos mais notáveis portugueses.

Meses depois, quando o seu filho João de Deus Ramos ingressou na Universidade de Coimbra, ao contrário dos hábitos impostos aos caloiros, foi-lhe reservada uma recepção apoteótica com capas pelo chão, só por ser filho do poeta e pedagogo João de Deus.

Deixo-vos com o poema que marcou a minha infância e juventude:



A VIDA

Foi-se-me pouco a pouco amortecendo

a luz que nesta vida me guiava,

olhos fitos na qual até contava

ir os degraus do túmulo descendo.



Em se ela anuviando, em a não vendo,

já se me a luz de tudo anuviava;

despontava ela apenas, despontava

logo em minha alma a luz que ia perdendo.



Alma gémea da minha, e ingénua e pura

como os anjos do céu (se o não sonharam...)

quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!



Não sei se me voou, se ma levaram;

nem saiba eu nunca a minha desventura

contar aos que inda em vida não choraram ...



A vida é o dia de hoje,

a vida é ai que mal soa,

a vida é sombra que foge,

a vida é nuvem que voa;

a vida é sonho tão leve

que se desfaz como a neve

e como o fumo se esvai:

A vida dura um momento,

mais leve que o pensamento,

a vida leva-a o vento,

a vida é folha que cai!



A vida é flor na corrente,

a vida é sopro suave,

a vida é estrela cadente,

voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,

onda que o vento nos mares

uma após outra lançou,

a vida – pena caída

da asa de ave ferida –

de vale em vale impelida,

a vida o vento a levou!



bre João de Deus, a sua lírica e a sua vida. há outras referências.

Como início de procura, sugiro a visita à Associação de Jardins Escolas João de Deus que mantém a sua Casa-Museu em Lisboa junto ao Jardim da Estrela e ao projecto Vercial que editou um CD-ROM que inclui uma versão completa do "Campo de Flores".

Luís Monteiro disse...

Com o devido respeito e consideração por este tão meritório trabalho, sugiro à Autora que confronte a sua versão com o original. Verá que vai encontrar vários erros e omissões que, não prejudicando o andar geral da peça, a desfeiam e, sobretudo, a afastam do que o Poeta escreveu.
Desejos de continuação do excelente trabalho.
Luís Monteiro
Sintra