"A Cabra o Carneiro e o Cevado"
Uma vez
Uma cabra, um carneiro e um cevado
Iam numa carroça todos três,
Caminho do mercado...
Não iam passear, é manifesto;
Mas vamos nós ao resto.
Ia o cevado numa gritaria,
Que a cabra e o carneiro
Não podendo na sua boa fé
Acertar com a causa do berreiro,
Diziam lá consigo:
Que mania!
Cá este nosso amigo
E companheiro
Por força gosta mais de andar a pé!...
o caso é
que o cevado gritou tanto
ou tão pouco
que o carroceiro
perde a cabeça
vai como louco
saca o foeiro
e diz:
homessa !
eu inferneiras tais não as aturo
ouvir berrar há tanto tempo é duro
o senhor não vê que esta em chora
nem ao menos
as lágrimas lhe saltam
o que é tão natural
numa senhora
goelas não lhe faltam
e de ferro
o ponto é que ela as abra
mas é cabra;;
teve outra criação
não dá alguma sem alguma razão
e julga que este cavalheiro é mudo?
tem propósito é sério é sisudo!
às vezes, dá um berro que estremece tudo
mas é só quando é preciso
tem juízo
miolo!
miolo... exclama o outro!
pobre tolo!
ele supõe que o levam à tosquia
e por isso nem pia!
e esta,$pensa que vai de carro ao tarro
vazar a teta
pobre pateta
mas porcos não se ordenham
cevados não se ordenham
nem tosquiam
demais sei eu
demais sei eu
o fim com que se criam
por isso grito e gritarei
do fundo da minha alma
até à morte
aqui d'el-rei aqui d'el-rei
gritava como um homem muita gente
não discorre com tanta discrição
infelizmente
quando o mal é fatal
a lamuria que vale
que vale a prevenção
mais vale ser insensato
que prudente
o insensato
ao menos
menos sente
não vê um palmo adiante do nariz
vê o presente!
está contente!
é mais feliz!!
João de Deus
2 comentários:
Nasceu em S.Bartolomeu de Messines-Algarve
Em 1895, foi organizada uma grande homenagem ao poeta à qual se associou o Rei D. Carlos. Foi-lhe proposto um título nobiliárquico, que recusou. A Academia Real das Ciências proclamou-o Sócio de Honra.
Em resposta à homenagem de estudantes de todo o país que se dirigiram a sua casa em grande cortejo, João de Deus assomou à varanda e declamou de improviso:
Estas honras e este culto
Bem se podiam prestar
A homens de grande vulto.
Mas a mim, poeta inculto,
Espontâneo, popular...
É deveras singular
oão de Deus morreu em 1896, tendo sido sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, honra reservada a um punhado dos mais notáveis portugueses.
Meses depois, quando o seu filho João de Deus Ramos ingressou na Universidade de Coimbra, ao contrário dos hábitos impostos aos caloiros, foi-lhe reservada uma recepção apoteótica com capas pelo chão, só por ser filho do poeta e pedagogo João de Deus.
Deixo-vos com o poema que marcou a minha infância e juventude:
A VIDA
Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
a luz que nesta vida me guiava,
olhos fitos na qual até contava
ir os degraus do túmulo descendo.
Em se ela anuviando, em a não vendo,
já se me a luz de tudo anuviava;
despontava ela apenas, despontava
logo em minha alma a luz que ia perdendo.
Alma gémea da minha, e ingénua e pura
como os anjos do céu (se o não sonharam...)
quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!
Não sei se me voou, se ma levaram;
nem saiba eu nunca a minha desventura
contar aos que inda em vida não choraram ...
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida –
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
bre João de Deus, a sua lírica e a sua vida. há outras referências.
Como início de procura, sugiro a visita à Associação de Jardins Escolas João de Deus que mantém a sua Casa-Museu em Lisboa junto ao Jardim da Estrela e ao projecto Vercial que editou um CD-ROM que inclui uma versão completa do "Campo de Flores".
Com o devido respeito e consideração por este tão meritório trabalho, sugiro à Autora que confronte a sua versão com o original. Verá que vai encontrar vários erros e omissões que, não prejudicando o andar geral da peça, a desfeiam e, sobretudo, a afastam do que o Poeta escreveu.
Desejos de continuação do excelente trabalho.
Luís Monteiro
Sintra
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