O - bolinha vermelha
“Aos verdadeiros e únicos capitães, capitães-generais, que sempre foram iguais a si próprios com consciência e auto-consciência dos seus deveres e da missão, face aos que comandaram e ao País”.
A vida de um comandante nunca foi fácil, já o dizia Afonso de Albuquerque “bem com o Povo, mal com El-Rei, bem com El-Rei, mal com o povo”, na arte de comandar também é bastante assim. Há muitos interesses pessoais em jogo, e tanto mais tudo isto se torna evidente, quando um desses interesses é a própria vida. Quando a vida está sob ameaça muitos dos comportamentos dos homens se tornam irracionais, como Napoleão dizia, e só com o comando de quem comanda se podem evitar verdadeiros desastres.
“Aos verdadeiros e únicos capitães, capitães-generais, que sempre foram iguais a si próprios com consciência e auto-consciência dos seus deveres e da missão, face aos que comandaram e ao País”.
A vida de um comandante nunca foi fácil, já o dizia Afonso de Albuquerque “bem com o Povo, mal com El-Rei, bem com El-Rei, mal com o povo”, na arte de comandar também é bastante assim. Há muitos interesses pessoais em jogo, e tanto mais tudo isto se torna evidente, quando um desses interesses é a própria vida. Quando a vida está sob ameaça muitos dos comportamentos dos homens se tornam irracionais, como Napoleão dizia, e só com o comando de quem comanda se podem evitar verdadeiros desastres.
Na guerra é preciso tomar decisões cruciais em fracções de segundo, sem puder consultar ninguém, e , por vezes de um modo irreversível, porque a reversibilidade pode gerar o caos, o que, nestes casos, geralmente, significa mortes, muitas mortes.
Nesta companhia havia, como já referi, um alferes com um grande ascendente e, que, por isso, estando um outro alferes a comandar, ele sentia-se o segundo, se não mesmo o 1º comandante. Nada mais errado e mesmo impensável comigo, porque se ele quisesse ser o 2º comandante teria de repartir comigo as agruras do comando e não o que julgava puder ser as regalias do cargo, ou seja, “baldar-se” às operações militares por morros, matas e savanas, e, assim logo que ele intentou o 1º golpe tive de reunir os alferes e instrui-los que só a mim competiria dispensar qualquer comandante de pelotão de participar numa operação.
Se essa capacidade fosse sendo descentralizada ao longo da cadeia hierárquica todos teriam o mesmo direito de delegar, acabando as operações por serem feitas pelos guias e carregadores negros que não tinham de facto outros direitos que não os de carregarem as coisas a troco de nadas. Sobre esta matéria ficamos entendidos, mas não sobre todas.
Até uma dada operação não conhecia o comportamento deste alferes que percorria uma zona e depois já no fim das operações costumava avistar algo mais para a frente. Disseram-me depois que para zonas mais complicadas, o que, obrigava a operações inopinadas. Não sabendo disto estava no quartel, quando este alferes disse que tinha avistado inimigos para além dos limites da zona que lhe fora atribuída, assim determinei que mantivesse a pressão e que com o meu pelotão iria substitui-lo, o que fiz na tarde desse mesmo dia.
Até uma dada operação não conhecia o comportamento deste alferes que percorria uma zona e depois já no fim das operações costumava avistar algo mais para a frente. Disseram-me depois que para zonas mais complicadas, o que, obrigava a operações inopinadas. Não sabendo disto estava no quartel, quando este alferes disse que tinha avistado inimigos para além dos limites da zona que lhe fora atribuída, assim determinei que mantivesse a pressão e que com o meu pelotão iria substitui-lo, o que fiz na tarde desse mesmo dia.
Na base onde ele estava fizemos a rendição, como já era um pouco tarde, sugeri que ficasse na base temporária e arrancasse para o quartel na manhã do dia seguinte. O alferes não aceitou a sugestão e dali arrancou. Passados alguns minutos começa uma “fogachada” por tudo quanto era sitio, tiros, granadas. De imediato arranco com o meu pelotão e quando chego à zona em que a força supostamente fora emboscada o alferes apontando para um morro diz-me que está a ver “turras” a se mostrarem, facto que achei estranho, até porque não via nada, mas se ele tivesse razão, sendo quase noite, era poderia ser uma armadilha, pelo que decidi não persegui-los e regressar com os 2 pelotões à base.
Chegados à base queria outra vez o Alf. regressar ao quartel. Decidi, então, que só regressaria com os que fossem voluntários e que o meu pelotão não voltaria a sair para protegê-los. Não houve nenhum voluntário, e o desarmado alferes pernoitou nesta base.
Nesta operação apercebi-me que o soldado que andava com o morteireto não o sabia utilizar, e que quem o distribuiu também nunca se preocupou em saber se alguma vez tinha feito fogo. Outro grande perigo eram as granadas atiradas com dilagrama, porque se isso fosse feito com munição real, lá ia o imprudente ou incompetente militar para os anjinhos e os instrutores e comandantes responsáveis por tamanha incompetência talvez chorassem a morte do infeliz. Tive de dar instrução com tiro real de morteiro em Mucaba, porque o pessoal que o transportava nunca tinha feito.
Todavia chegando de manhã ao morro dos incidentes da véspera nada vi, o capim estava intacto e o guia negro batido nestas andanças lá me deu uma justificação plausível. Como estavam perto do lusco –fusco o que o alferes viu foram alguns troncos de árvores queimados que com o ondular do capim parecia gente e os tais brilhos seriam reflexo do próprio capim. Não tendo qualquer rasto dei por boa esta explicação e por finda a busca tendo regressado a quartéis.
Para mim o caso estava encerrado quando o alferes vem pedir-me o resultado da minha acção ao que em linguagem estritamente militar, disse-lhe aos costumes nada, que tudo tinha sido uma ilusão de óptica. Ele que não, que eu é que tinha batido mal a zona, porque tinha sido realmente emboscado e que confirmava que tinha atingido dois supostos “turras” com os dilagramas, e que considerava confirmada a existência destas duas baixas. Disse-lhe que poderia pôr isso no relatório, mas que eu diria o que me parecia e que acima deixei descrito. Até ao fim do meu rápido comando este alferes não fez este relatório, nem nunca mais falou desta operação. Contam que houve muitas coisas do género, não sei, contam-se histórias…
O comandante comanda estava a 200Km da sede do Batalhão muito longe, Mucaba era uma zona de café, bastantes fazendas e muito movimento, por causa dos mercados tradicionais, havia sempre gente nas picadas com riscos acrescidos para a sua segurança e para os militares que comandava. Mesmo nos dias que fornecia escolta, às terças e quintas, dias semanais dos mercados, alguns faziam-se ao caminho antes da hora marcada, a situação era uma verdadeira “balda”, logo, como comandante militar da zona, interditei os itinerários, isto é, nenhuma viatura for dos dias e horas em que dava escolta podia circular naqueles itinerários, e se o fizessem, faziam por sua conta e risco, A minha força militar só iria confirmar os óbitos se houvesse algum azar. Determinado foi, mas não tardou muito que do batalhão me dissessem que estava a exorbitar das minha funções, porque aquela competência era de um superintendente que residia em Carmona. Deixaram de haver itinerários interditos, mas o conteúdo da ordem manteve-se.
Naturalmente que esta limitação não era respeitada por alguns e, assim, num dia que me deslocava ao Batalhão e levava comigo o capelão encontrei uma viatura atascada e dei ordem de sempre andar, sempre a andar, só que o agoirento do sacerdote não me deixava de seringar aos ouvidos, acabei por o escutar e fiz meia volta para ajudá-los a desatascarem a viatura, mas sempre lhes referi que isso deviam ao padre que nunca mais andaria comigo. Compreendi depois que o sacerdote tinha razão, mas a minha decisão tinha a ver sempre com o mesmo, poupar a vida dos soldados e a dos mais gananciosos. Mas depois de cometida a violação da regra de bom senso, só me competia ajudá-los.
Mas na guerra nem tudo são desgraças, ou melhor, há desgraças que nem parecem sê-lo, falo de uma estando numa operação apareceu pela companhia um alferes para ali ser colocado, era um daqueles que já lá andavam há tantos anos, quantos os processos disciplinares que tinha, e eram muitos.. Nesta zona havia um português. um daqueles grandes silvas que fazia negócios da treta com a companhia e de quem todos gostávamos. Era o John Smitch, aldrabão até dizer chega, mas muito simpático. Comi na sua casa o mais picante ( não gosto de picante) e saboroso ensopado de cabrito, os termómetros marcavam 40º, o vinho era o verde gatão, fresco, divino. Não comemos a panela porque era de ferro. Hoje adoro por um processo de condicionamento clássico o vinho gatão, é, será sempre o melhor, nem alvarinos, nem nada, venham ou não da confraria dos modestos a que pertenço.
O nosso alferes lá foi parar a casa do John, e depois colocou-o no jeep, bem como a uma das suas filhas, deram uma volta turística, mas no momento das despedidas o alferes deixa o pai apeado, e foge com a rapariga. É acusado de rapto, já era louco, logo a ordem para, sob prisão, marchar para Carmona, aonde, quando chega já tem outra escolta para o levar para Luanda, com a ordem clara para nem por um minuto parar em Carmona. Era sempre a andar. Estes pobres de Cristo ou eram odiados, ou eram temidos, não sei bem!
Confesso que sentia por eles uma grande ternura, talvez porque… Onde terá ido parar este alferes, talvez já tenho morrido, talvez se tenha suicidado, talvez esteja no Júlio de Matos, talvez tenha gozado com o pessoal à brava, quem sabe? Quem dá notícia deste pobres de cristo, simpáticos? Meus irmãos!
Nesta companhia usei a minha competência disciplinar e quase por ofensa puni um cabo com 10 dias de detenção porque tentou agredir um furriel, quando este lhe deu uma ordem ilegítima para ir levar pão à sua casa, o que o cabo não aceitou e voltou-se contra o sargento. Obviamente que esta ordem era ilegítima, mas o 1ºcabo não podia agredir o seu superior hierárquico, mas também ao fazê-lo ponha em causa a minha filosofia de comando de combater com rigor todos os abusos de autoridade. Tinha ali a oportunidade de praticar o que dizia e ele roubava-me a possibilidade da demonstração, pior que a falta, para mim, foi esta atitude de não ter confiado no que disse. Puniu-o com raiva e expliquei-lhe o porquê, ele compreendeu, mas de tanta raiva esqueci-me de punir o sargento.
Estava a substituir o capitão e artilharia Figueiras, um capitão quase major que depois no seu regresso lá anulou estas punições ,porque no texto constava que o cabo se tinha voltado ao sargento, o que, já não era do foro disciplinar mas criminal e que naqueles termos o homem tinha de ser julgado em tribunal, arriscando-se no mínimo a 2 anos de prisão, e que mais isto e aquilo, e que como comandante interino não podia alterar o modelo de comando. Mas alterei e gostei imenso de o ter feito, valeu bem a seca de mais de duas horas e talvez o facto de não ter ficado na lista dos preferidos do capitão, ao longo de toda a sua vida. Mas sempre o considerei um bom capitão e um bom Homem, embora vaidoso.
Vou deixar esta companhia e vou para o Negage, mas antes de partir gostaria de dizer que os alferes desta companhia eram todos gente de boas famílias, nobres, gostei de conviver com eles, mas muito mais com os sargentos e soldados, e dos sargentos refiro o Frade, bastante competente e que também abraçou o 25 de Abril, enquanto o 1º sargento que respondia pela companhia me fazia alguma pena, porque não se entendia com os papeis, o que me obrigava a despachos pelas 23 horas nas véspera do correio. Papelada que indo escrita a azul, voltava do QG toda vermelha por força das emendas. Este sargento tinha medo, por ser sensato de andar no jeep que eu conduzia mal e sem carta. Todavia julgando que me aborrecia só pediu para sair do jeep numa situação extrema pedindo-me que não levasse a mal. Ele tinha mulher e filhos, dizia. Ficou descansado quando lhe disse que se fosse ele nunca me tinha sentado no lugar do morto. De qualquer modo era amigo deste Homem que por causa do 25 de Abril deixou-me de reconhecer, mas porquê?
Estava a substituir o capitão e artilharia Figueiras, um capitão quase major que depois no seu regresso lá anulou estas punições ,porque no texto constava que o cabo se tinha voltado ao sargento, o que, já não era do foro disciplinar mas criminal e que naqueles termos o homem tinha de ser julgado em tribunal, arriscando-se no mínimo a 2 anos de prisão, e que mais isto e aquilo, e que como comandante interino não podia alterar o modelo de comando. Mas alterei e gostei imenso de o ter feito, valeu bem a seca de mais de duas horas e talvez o facto de não ter ficado na lista dos preferidos do capitão, ao longo de toda a sua vida. Mas sempre o considerei um bom capitão e um bom Homem, embora vaidoso.
Vou deixar esta companhia e vou para o Negage, mas antes de partir gostaria de dizer que os alferes desta companhia eram todos gente de boas famílias, nobres, gostei de conviver com eles, mas muito mais com os sargentos e soldados, e dos sargentos refiro o Frade, bastante competente e que também abraçou o 25 de Abril, enquanto o 1º sargento que respondia pela companhia me fazia alguma pena, porque não se entendia com os papeis, o que me obrigava a despachos pelas 23 horas nas véspera do correio. Papelada que indo escrita a azul, voltava do QG toda vermelha por força das emendas. Este sargento tinha medo, por ser sensato de andar no jeep que eu conduzia mal e sem carta. Todavia julgando que me aborrecia só pediu para sair do jeep numa situação extrema pedindo-me que não levasse a mal. Ele tinha mulher e filhos, dizia. Ficou descansado quando lhe disse que se fosse ele nunca me tinha sentado no lugar do morto. De qualquer modo era amigo deste Homem que por causa do 25 de Abril deixou-me de reconhecer, mas porquê?
Mas ainda gostei de comandar aquela companhia à general Spínola. Sempre que não tinha viaturas, ou equipamento rádio suspendia a actividade operacional, e logo me mandavam o que precisava. Julgo que não notaram que o comandante não era o muito competente e veterano capitão, mas o jovem e pouco competente alferes. Numa das vezes veio entregar as viaturas do PAD (pelotão de apoio directo) do Negage um já muito idoso tenente-coronel fiquei espantado. O nosso ten-cor não estava lá muito habituado às nossas saladas de frutas que o pessoal fazia especialmente para mim, porque sabiam quão guloso era e sou por tal iguaria. O nosso tenente-coronel não resistiu, e durante a noite em vez de ter uma conversa sossegada com o travesseiro visitou com muita frequência o sitio das necessidades que se resolvem de cócoras.
Em Mucaba comandei, senti-me bem, fui muito feliz, adorei esta experiência. Como sempre o mais gratificante foi a camaradagem e a amizade. Também me custou muita cerveja manter todos os dias o jeep do comandante da companhia operacional, mas foi uma boa despesa, pelo prazer de conduzir aquele velho jeep. Que prazer! Também foi um prazer ver o “cagaço” – maldade minha, sem maldade, mas só juventude, 23 anos – do 1º sargento .
De Mucaba partirei para a bateria de arilharia situada no Negage, para fazer trabalho de artilheiro.
asilva
2 comentários:
Ora então vamos para o Negage!!
Fico à espera da nossa partida!
bjinhos
Isabel
Negage cidade com cinema, restaurantes e todo poderoso Costa, grande Latifundiário e com muito pouco carinho pelos Militares,mas lá chegaremos.
bjhno
joão
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