quarta-feira, 25 de novembro de 2009

25 NOVEMBRO 1975: TRÁGICO,COBARDE E SOMBRIO DIA.




Nos idos do Verão quente de 1975, o meu camarada e amigo, major-comando Gil, que antes me confidenciara que tinha sido posto na minha secção pelo brigadeiro Pezarat Correia, para me controlar, mas que, muitas vezes, eu é que tive de controlar, perante os ataques miseráveis do gasolineiro de Reguengos de Monsaraz, à altura dirigente do PS local, que lhe faziam perder a cabeça, dizia-me: “Estás tramado! A hierarquia vai dar cabo de ti!”. Retorquia-lhe que sabia isso mas que nada poderia fazer porque me tinha hipotecado na defesa dos interesses dos mais desfavorecidos e, consequentemente, não podia cavar. E esse grande camarada retorquia-me: “Concordo contigo, como cidadão! Discordo, como oficial”! E eu replicava: “E então?!” Mas nunca obtive resposta.


Fui avisado, bastante tempo antes do 25 de Novembro, por este meu camarada que a casca de noz em que navegava se ia afundar mas o meu profundo sentido de lealdade ao 25 de Abril e a minha grande ligação ao povo alentejano não me permitiam abandonar o barco e, assim, sabendo o que me esperava, continuei.
Os sinais não faltaram. Na Assembleia de Tancos tudo correu muito mal, e, para mim pior, ainda, porque, depois dessa reunião baixei ao Hospital de Évora, onde fui assistido por um médico que conhecia desde a Academia Militar, o Dr. Pancada da Fonseca, com quem me dava bem. Hoje penso que nem tudo nesta hospitalização foi tão normal como parecia.


Fui colocado de quarentena, num espaço desabitado do hospital, onde não fui assistido durante um ou mais dias, o que me levou a sair daquele espaço para saber o que se passava. Não sei se é assim que se procede quando há diarreia, cuja causa mais provável foi uma simples intoxicação alimentar, devido a algo que não estaria em condições, na refeição fornecida pela Escola Prática de Engenharia.



Seja com o for, no hospital as coisas melhoraram, quando pude começar a receber visitas, logo depois de ter patrulhado o terreno. Tive algumas visitas, entre as quais o então furriel Sequeira e a sua companheira, que foram autorizados a trazerem-me bananas. Tudo isto foi um mau sinal… Ainda hoje não sei se só estive doente! Irei procurar nos meus documentos de matrícula, para ver o que lá consta.Nos dias perturbados de Novembro, ouvi a notícia da tomada das bases aéreas pelos pára-quedistas e considerei que seria uma questão de disciplina e que tudo se resolveria, muito embora, a partir da reunião de Tancos, um grupo de militares mais identificados com a linha progressista, seguissem a evolução da situação e as manobras do chamado “grupo dos nove”. Reuníamos em casa de vários camaradas e recebíamos informações do Major Emílio mas nunca neste grupo se falou de qualquer iniciativa para a tomada do poder! Apenas se estudava a possibilidade de haver um golpe da extrema-direita, com ou sem o apoio do “grupo dos nove” mas considerando como mais provável que estes se coligariam com a extrema-direita para dar um golpe e que, naturalmente, seriam submetidos por essa gente.



A hipótese de assim vir a acontecer tinha uma clara confirmação pelo modo clandestino como o documento dos nove foi divulgado nas unidades e, concretamente, por quem o exibia com toda a arrogância. Muitos destes, no Quartel General de Évora, eram gente do 24 de Abril, mas medrosos e sem qualquer garbo militar; muitos outros eram mesmo maus militares.


Porque assim julguei, propunha-me iniciar um novo dia de trabalho. Assim, ia para uma Unidade Colectiva de Produção, quando o Pinto de Sá, de Montemor-o-Novo, me abordou à saída do Regimento de Artilharia de Évora, dizendo-me que dois camaradas meus tinham sido presos na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, e que, a seguir, seria eu, razão pela qual, de imediato e sem autorização, de que não necessitava, para lá me desloquei, como delegado do MFA da Região de Évora para a dinamização externa, por nomeação do brigadeiro Pezarat, para falar com aqueles camaradas que nada sabiam sobre a notícia e que, afinal, estavam em liberdade.



Durante esta minha visita é declarado o estado de sítio e as Unidades Militares entram de prevenção. Desloco-me para o Quartel General de Évora, de onde passo a seguir os acontecimentos e a dar informações para o Copcon sobre o deslocamento das forças de Estremoz, mediante informações que me eram transmitidas pela população. Como os telefones estavam sob escuta (as escutas são tão antigas!), serei acusado de fazer parte de uma sublevação, conquanto naquela altura ainda o canal de comando legal fosse o Copcon e o General CEME, que era o canal em que eu me encontrava.



O canal de comando ilegal era o dos “nove”, até o general Costa Gomes ter assumido o comando das Operações, e, mesmo quanto ao comando pelo General Costa Gomes, nem todos estão de acordo sobre o seu grau de liberdade ou em que situação esteve o General Costa Gomes, no palácio de Belém. Há dúvidas sobre se assumiu ou não o comando das forças, livremente, e se realmente comandou ou se limitou a concordar com ordens elaborados no posto de comandos da Amadora. Nem todos os participantes que estiveram em Belém têm dos factos a mesma versão.Foram horas de grande angústia. Nesta tragédia, as únicas informações que recebi foram as do furriel Sequeira, informando-me que, da sede do PCP de Évora, lhe tinham dito que o PCP considerava que o desfecho daquele dia seria uma derrota da esquerda militar e que o PCP nada faria, mantendo-se fora da disputa.


Já com a derrota militar da ala esquerda do MFA consolidada, sou novamente contactado por Pinto de Sá, a solicitar-me que fosse comandar centenas de trabalhadores armados com caçadeiras, tractores, viaturas, etc. e para marcharmos sobre Lisboa, e defender a Revolução e que, à partida, seriam umas centenas mas chegariam aos milhares. Tinha razões e tenho para acreditar que, se assumisse o comando destas eventuais forças, seríamos centenas ou milhares para defender a Revolução. Não tinha nem tenho dúvidas sobre isso. Entre esta massa humana estariam, certamente, muitos comunistas mas também muitos militantes socialistas das bases.



Para levar a cabo esta acção, para além das pessoas, era-me garantido que no caso de fracasso, me passariam à clandestinidade! Em primeiro lugar, seria escondido nas grutas do Escoural e, daí, partiria para o estrangeiro. Tudo isto foi falado com líderes populares. Não tive qualquer contacto com nenhuma figura de qualquer partido, sendo Pinto de Sá a pessoa que melhor identificava, pela amizade e pelo seu passado antifascista e revolucionário. Os demais eram cidadãos comuns, os mais valorosos, os que nunca deixam de responder à chamada.



Apesar de todo este fim do mundo, estar só, ter 25 anos, saber que a seguir ia ser perseguido, disse-lhes que não os acompanhava:

Em primeiro lugar, porque sempre pertenci ao exército regular e agi no quadro legal, dentro do canal de comando existente: fui eleito delegado do MFA pelos meus camaradas, era o elemento de ligação com a comissão coordenadora do MFA, então, através do capitão Sousa e Castro que me confiou missões de controlo da Escola Prática de Artilharia para a defender de acções contra-revolucionárias do capitão Mira Monteiro que, segundo aquele capitão, fazia pare da maioria silenciosa e das forças reaccionárias, pelo que coloquei sob vigilância a sua arrecadação de material de guerra, facto que o quarteleiro denunciou e, por isso, o major Reis me quis expulsar da Escola Prática. Todavia, apesar desta ameaça, para não pôr em causa a unidade do MFA, já bastante combalida na EPA, por causa da descolonização, não disse que tinha recebido esta missão e só a expliquei ao comandante.



Mais adiante e durante a campanha de Lurdes Pintassilgo para presidência, Sousa e Castro pediu-me para a apoiar, o que recusei, porque a considero responsável pela morte de dois alentejanos do Escoural: o Casquinha e o Caravela. Todavia, Sousa e Castro, já nos anos mais recentes, numa discussão com o major Mário Tomé, “garbosamente” me chamou de “rapaziada do costume” mas do costume não seria o meu caso, pois era muito novo;



Em segundo lugar, nunca sacrificaria uma pessoa sem ter a plena consciência da necessidade ética e moral desse sacrifício. Tinha passado pela guerra, conhecia o valor da vida e a desgraça da guerra, logo não lançaria ninguém nessa tragédia, até porque o “grupo dos nove” eram militares de Abril e, na altura em que se quis fazer este levantamento popular, nada estava clarificado e, obviamente, que qualquer acção, neste domínio, teria de contar com o apoio dos partidos de massas, revolucionários, sendo, no Alentejo, exclusivamente o PCP. E este é um facto empírico, observado, por quem palmilhou o Alentejo, de Alcácer do Sal, a Beja, passando por Elvas e Portalegre.



O resto já todos sabem mas, mesmo assim, participei, em 27 de Novembro, na reunião da vitória, no quartel-general de Évora. Logo aí, o regimento de Estremoz, de um modo furioso, pela voz do capitão Moura, que tanto custou a convencer para o 25 de Abril ( sei-o bem porque eu era um dos elementos de contacto com aquele regimento, como com a Escola Prática de Cavalaria - EPC- para o que me reuni várias vezes, na casa do Capitão Salgueiro Maia, com os pára-quedistas, o CIAAC, etc., as chamadas unidades do tipo A, as mais poderosas da área de Lisboa e que estão relatadas nos livros já esquecidos de Dinis de Almeida). Pediram a imediata prisão dos generais Fabião e Otelo, ao que se opôs, de um modo firme e determinante, sem hesitações, o Brigadeiro Pezarat Correia e o coronel Sousa Teles, comandante da EPA, sendo firmes e heróicos nessa defesa.


Depois desta reunião, fui corrido pelo brigadeiro Pezarat, que me deu escassos minutos para sair da Região. Vim à boleia com um tenente-coronel madeirense, o tenente-coronel Ramos, amigo do meu pai e meu conhecido. Na arrumação das parcas coisas de um capitão ao serviço da Pátria, contei com a colaboração amiga do major de artilharia Abreu e do major-comando Gil, dois grandes camaradas. Infelizmente, o Gil já faleceu. Vi-o, pela última vez, na recepção do Presidente Mário Soares aos militares de Abril e, aí, traçamos aquele abraço.



25 de Novembro de 1975: um dia de ódio, mentira, escuridão e soberba que ninguém quer clarificar. Por que perseguiram e prenderam militares que nada tinham a ver com aquela acção e, ao que parece, faziam parte de uma lista elaborada pelo major Aventino Teixeira?



Eu fui poupado à prisão, ao que parece por dois motivos cruzados: o brigadeiro Pezarat Correia terá defendido que não aceitava que nenhum oficial sob o seu comando fosse preso e, pelo que me disse o tenente-coronel Galamba de Castro, que me recebeu em Lisboa, por ordem do general CEME, então o general Ramalho Eanes, que não permitiu que eu fosse preso até se comprovar a minha intervenção naquela acção militar.



Se em Évora fui tratado com a mais absoluta indignidade e barbaramente pelo brigadeiro Pezarat Correia, em Lisboa fui recebido com excepcional e invulgar deferência pelo tenente-coronel Galamba de Castro. Eu era um jovem capitão promovido, há menos de um ano, em Dezembro de 1974. Neste passo, foram nobres e estou reconhecido por isso, ao general Eanes e ao tenente-coronel de Artilharia, Galamba de Castro.


De tudo isto, recordo que a maior tragédia foi a morte dos militares dos Comandos e da Polícia Militar. Porque morreram e para que perderam a vida estes militares, se o regimento da polícia militar já se tinha integrado no canal de comando do general Costa Gomes?

andrade da silva

PS: Há sempre alguns a dizerem-me para dar contributos para a história, mas não é isto que faço, há tanto? Estranho país!

6 comentários:

Marília Gonçalves disse...

O Tempo fará Luz sobre a História
e sobre os primeiros passos que nos vão levando às perdas das Conquistas de Abril!
Quanto mais tempo for passando, maior serà a vergonha à descoberta da verdade das responsabilidades e dos nomes implicados.
Abril foi o Futuro que se abriu à concretização da Esperança, às legitimas necessidades de um Povo, à liberdade e a uma vida digna.
A História é implacável com tiranos e traidores, quando se calam os pruridos, irrompe límpida a Verdade!

Em frente sempre por Abril de 1974

25 de Abril sempre!

hipocrisia fascista nunca mais!

Marília Gonçalves

Marília Gonçalves disse...

Entretanto o Povo sofre

Marília

andrade da silva disse...

Cara Marilia

Infelizmente a história é um repositório de mentiras e branqueamentos de todos os poderosos. As verdades são marginais. As mentiras têm força, a mentira é a alavanva do poder, compete-nos lutar contra isto,mas é a luta de David contra os Golias.

abraço
asilva

Mendes disse...

J'ai peur que nous ne devions rendre le monde honnête avant de pouvoir dire honnêtement à nos enfants que l'honnêteté est la meilleure politique.
George Bernard Shaw]

andrade da silva disse...

Mendes
Merci.
Je suis d'accord, nous devons être un monde honnête, mais un des Insrument car telle est la politique avec des politiciens honnêtes. Je pense que c'est une façon dy arriver.
A hug.
asilva

Marília Gonçalves disse...

O erro não se torna verdade por se difundir e multiplicar facilmente. Do mesmo modo a verdade não se torna erro pelo fato de ninguém a ver.

Gandhi