A cal escorria-me dos olhos azuis de tanto céu e transformava-se em manchas doiradas ao poisar no chão. O verde dos vinhedos coloria-me o vestido e mesmo as mãos lembravam acenos da paisagem. A terra tisnada num reflexo de tempo, de sol, abria-se à procura de ar ou de água que mais abaixo murmurava suave. Ribeiro, não,não era. Antes uma fita ondulante e musical a refrescar a tarde, rasgada apenas pelo som das cigarras. Pássaros não os havia àquela hora de calor. Perto da pequena nascente o zumbido atordoante das abelhas, numa reminiscência de mel.
Foi há muitos anos, tão longe daqui. Quase duvido ter sido eu a presenciar tal imagem da vida.
Não uso vestido rodado nem rodopio a cantar, mas sei que dentro de mim existe ainda, embora não saiba bem onde, essa que nos dias meninos olhou e viu.
Marília Gonçalves
2 comentários:
ALBANO MARTINS
FESTIVAL
Sobre os álamos, sobre
o tempo desfolhado
sobre a mesa, num livro
aberto, violado;
sobre o amor e a morte
deitados no nosso
leito diurno, sobre
o nosso pescoço;
nos nossos ombros, sobre
a noite e o dia
livre sopra, circula
o vento da alegria.
(De «Os Remos Escaldantes»,
1983;
in «Assim São as Algas»,
Poesia 1950-2000,
Campo das Letras, 2000)
Albano Martins
(1930)
Cara MARILIA
Os olhos da menina que viram, continuam a ser os mesmos que de um outro modo contiuam a ver o que a menina viu, e esse dom continua no seu querer e também crer.
abraço
asilva
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