A CORUJA, A BELA E A MÁ NOTÍCIA.

Linha Azul do Metro. Chuva, Inverno, frio no corpo e na alma. Leio nas caras dos outros o que nos livros não consta. Gosto mais de ler nos olhos que nos livros, quando me desloco nos transportes, nesta linha azul do metro.

Azul, porquê? Sobretudo neste dia de Inverno não é nada azul, mesmo nada.

Azul, como? Se a três passos de mim, vai um rapariga toda encapotada, branca de neve, com roupas negras e com aquela cara toda encafuada numa leitura obsessivo-compulsiva, quiçá de um romance da mer..! Irrita-me, mas ela também é feia, como o feio. Não se perde nada. Que mantenha aquela cabeça de coruja, sim era isso, pareceu-me um coruja, sim uma coruja, logo que mantenha aquela cabeça metida por aquelas folhas dentro de um romance que pode não valer as árvores que foram abatidas, para que exista. Mas como sei isto? Talvez não seja um romance da ou do, qualquer coisa, pode mesmo ser um tratado de filosofia de Kant, também bastante apropriado para aquela coruja, quando se deslocar na linha azul. Sou mesmo reles, injusto, enfim…

Mas numa daquelas paragens, eis, se não quando, o luar aconteceu, sim, porque na linha azul há muita cor,bela e formosa, e entrou uma Vénus frágil - não tenho a culpa, os genes são assim, sentem-se mais atraídos pelo belo, está cientificamente provado, e também por experiência o sei-. Era linda, vinha de vermelho vestida, com umas faixas negras, as cores que me são queridas. São as cores da artilharia, fui artilheiro; do sangue ardente – Camões – do comunismo – esses malditos, mesmo em Portugal, para o bondoso e beato Salazar – e do anarquismo – ainda pior, os anarquistas são uma praga maior, lá deram cabo da mui gloriosa e burguesa 1º Republica - enfim, só coisas trágico cómicas. Mas ela era linda, e sentou-se à minha frente.

Falava ao Telemóvel, o que, aliás, toda a gente faz, não sei que taxas pagam, infelizmente falo pouco e pago um dinheirão, devo ter uma taxa da TMN hostil, ou então, nada sei….mas sei que a conversa trazia preocupada aquela doce menina, que terminou a sua conversa com um desgostoso "logo se vê!"

Desligou o TM, mas continuou a falar para o infinito, com desalento, e desalentadamente deixou a cabeça cair sobre ombro, e com expressão de preocupada recostou-se contra as paredes do metro, da linha azul, mas podia ser da amarela. Em Lisboa são todos iguais, como não acontece na intrincada rede de Paris, abundantemente frequentada por muitas etnias. Mas aqui somos só brancos e alguns negros entre as 9 e as 21, depois das 21 é só negros, gente de má porte e eu, que também sou madeirense, não devo ser lá um cidadão, por aí além, pudera!...

A menina de casaco vermelho, frágil e de óculos com lentes castanhas para impedir a leitura daquele ledo ou triste olhar, lá ia disfarçando o seu nervosismo, remexendo na mala, e eu com um desejo imenso de a amar, naturalmente, como é da natureza que nos congeminou, mas o Absoluto interditou. Na impossibilidade conjecturava, será que “o logo se vê”, teria a ver com:

- O namorado, marido que partiu. Bem, neste caso, então, ficaria mais livre, ou não?

-Uma chantagem?

-Uma divida?

- Um negócio etc?

Não sei, só me pareceu ser uma má noticia, e impotentemente comecei a pensar, mas que maldita hora para receber uma má notícia. Era meio-dia, iria a sofredora menina para o almoço, se fosse, não lhe saberia a azedas?

Iria para o trabalho? Se fosse, poderia baixar a produtividade, cometer mais erros e ainda ser mais chateada, e ficar pior. Nos empregos não há psicólogos, nem sequer chefes atentos, também ganham pouco, etc, ponto….

Mas porque diabo me preocupo com a menina de casaco vermelho e com as suas boas ou más notícias, se ela nem deu que estava ali? Apetece-me mesmo dizer, não sei se pensei, ou penso assim, mas apetecer-me, apetece-me dizer: que vá para o Olimpo.

Tudo isto me espanta, mas sou assim, perante o belo sou ridículo, invejoso, o pior entre os piores, mas amanhã pego na cruz, no terço e vou descalço a Fátima falar à minha madrinha, e pedir-lhe para que não me abandone.

Oh menina do casaco vermelho: muito bons dias! Oh menina coruja, da leitura obsessivo-ompulsiva, deixe-se disso! Oh João e se fosses ver a esquadra de papelão, ponto. Deus, perdoai-me… já não há pachorra, ponto!....

Mando um beijo às mulheres que saibam compreender o vento bonançoso, porque são divinas.

andrade da silva

PS: a quem se sentir órfão de belo, faça como eu, que por dentro de mim, sem falsa modéstia, coisa a que não sou muito dado, julgo que sou um mundo de luminosidade e belo, but… não tenho mesmo emenda. Amigas (os) gozem o momento. Vem aí a Primavera.

Oh menina branco e negra um beijinho, perdoa-me, sou assim, mas no fundo não sou assim, mauzão, dizem...