quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Original é o poeta


Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Ary dos Santos

9 comentários:

Marília Gonçalves disse...

Carlos Domingos
- Alguns dados biográficos –

CARLOS DOMINGOS (de seu nome completo Carlos Domingos Soares da Costa) nasceu em Lisboa a 11 de Maio de 1933. É originário do bairro da Graça onde, em jovem, devido a influências familiares, passou a desenvolver uma actividade política contra o regime salazarista, que continuou a exercer pela vida fora..
Aos 9 anos começou a escrever quadras para serem cantadas nas excursões e passeios duma colectividade do Bairro.
Durante a adolescência colaborou na fundação duma biblioteca juvenil na Sociedade Promotora de Escolas. Esta Sociedade já possuía uma Biblioteca de índole científica, onde adquiriu uma formação cientifico-filosófica.
Na Biblioteca Juvenil tomou contacto com a literatura mundial e com o essencial da poesia portuguesa. Frequentou também aí um curso de técnica teatral, desde os gregos a Stanislavski.
Nesse ambiente fundou um jornal de parede de carácter literário e científico, que era lido por mais de uma centena de jovens do Bairro.
Em várias colectividades fez teatro amador, como actor e como encenador, dirigiu um teatro de marionetas, organizou recitais de poesia e alguns concertos musicais.
Foi o seu vizinho Alfredo Guisado, um dos poetas do Orfeu, que o encorajou a continuar a escrever poesia.
Nessa época privou com personalidades como António Sérgio, Castelo-
-Branco Chaves e Álvaro Salema. A este último, notável crítico literário e ensaísta, ligou-o uma forte e duradoura amizade até à sua morte prematura.
Tinha 16 anos quando publicou o seu primeiro poema no Diário Popular.
Em 1954 foi colaborador da revista Vértice, onde alguns poemas seus foram cortados pela censura..
Participou em vários recitais de poesia levados a efeito em várias colectividades populares de Lisboa por um grupo de poetas ligados ao movimento neo-realista (José Ferreira Monte, José Prudêncio, Manuel da Fonseca, Mendes de Carvalho, Sidónio Muralha e outros).
(continua)

Marília Gonçalves disse...

Carlos Domingos
(continuação) - Alguns dados biográficos –

Devido às sua notória actividade contra o regime salazarista, começou a ser perseguido pela PIDE, que o procurou prender, tendo por isso continuado a sua acção na clandestinidade a partir de 1958. Até à sua prisão em 1972, lutou na clandestinidade, dentro do país, contra o fascismo salazarista durante 14 anos consecutivos.
A sua redobrada actividade política não o impediu, no entanto, de continuar a escrever poesia. Vários poemas seus circularam em folhas volantes e alguns foram transmitidos pela Rádio Portugal Livre.
Em 1959 conheceu a militante clandestina Francisca Caeiro, alentejana recentemente regressada de terras algarvias, que mais tarde passou a ser a sua companheira. Foi este contacto que lhe abriu as portas para um mais profundo conhecimento do Alentejo e do Algarve.
Por alturas de 1960 foi encarregado da redacção do jornal clandestino
O Corticeiro, destinado a todos os operários corticeiros do País.
A partir de 1963 colaborou com regularidade no Suplemento Literário do Diário de Lisboa acobertado com o nome de Luís Gameiro, pseudónimo que só era conhecido do seu amigo Álvaro Salema, que dirigia o Suplemento..
A partir de 1968 dirigiu a luta de todos os ferroviários portugueses por melhores condições de vida e de trabalho, que teve o seu ponto alto na paralisação nacional de toda a actividade ferroviária no dia 20 de Outubro de 1969.
Em 1972, denunciado por um “informador” infiltrado, foi preso e barbaramente torturado pela PIDE, tendo sido julgado pelo famigerado Tribunal Plenário. A defesa que então apresentou é um verdadeiro documento político, que foi amplamente difundido nos meios anti-fascistas. Condenado a 3 anos e meio de prisão, não chegou a cumprir a pena completa porque entretanto foi libertado pela revolução do 25 de Abril de 1974.
Durante os 2 anos que passou nas prisões de Caxias e Peniche escreveu alguns dos seus poemas que considera mais emotivos.
.
(continua)

Marília Gonçalves disse...

Carlos Domingos
(continuação) - Alguns dados biográficos –

no período em que permaneceu preso em Caxias elaborou também, com a colaboração de outros dois companheiros, um trabalho intitulado “A Repressão Fascista e a situação dos presos políticos em Caxias”, que foi lido no 3º Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro em 1973, onde foi acolhido com uma enorme ovação. Esse trabalho encontra-se publicado num dos volumes das Teses do referido Congresso (7ª Secção).
Entretanto, todos os seus originais foram apreendidos pela PIDE, tendo-se salvo apenas os que já tinham sido publicados e aqueles que estavam na posse de familiares e amigos, além dos que conseguiu reconstituir de memória.
De regresso à liberdade, colaborou no jornal O Diário e em vários jornais regionais com destaque para o Notícias da Amadora.
Foi fundador e dirigiu o semanário Margem Sul, de Setúbal.
Foi mais tarde jornalista sindical, restaurando o jornal do antigo Sindicato do Pessoal das Garagens intitulado O Pneu, de que foi simultaneamente redactor, repórter, repórter fotográfico, paginador e revisor.
Por esta altura, já tinha fomentado, organizado e dirigido uma cooperativa cultural de nome PLATAFORMA, a qual, além de ter editado alguns livros, promoveu várias excursões de índole cultural, com o apoio de várias câmaras municipais, promovendo visitas a diversos concelhos, que incluíam sempre recitais de poesia, alguns até ao ar livre. Os poemas ditos em cada uma dessas iniciativas foram sendo editados numa colecção de cadernos intitulada “Poemas Ditos”.
Foi igualmente membro duma outra Associação Cultural, em cujas iniciativas participou e cuja revista literária (a revista SOL XXI, dirigida pelo falecido poeta Orlando Neves) contou também com a sua colaboração, tendo também participado em recitais promovidos pela dita associação em Albufeira, Condeixa, Coimbra, Tondela, etc..
Está ainda presente numa antologia de poemas em homenagem a Garcia Lorca editada pela Universitária Editora, integrando, mais tarde, uma outra, “Neruda, Cem Anos Depois”, organizada por Cristino Cortes e publicada pela mesma editora.
Tem também colaborado nos cadernos de poesia “Viola Delta” coordenados pelo poeta Fernando Grade.
(continua)

Marília Gonçalves disse...

Carlos Domingos
(continuação) - Alguns dados biográficos –

Em 2003, na Biblioteca da Câmara Municipal de Lisboa, no Palácio Galveias, pronuncia a palestra “O Soneto, esse desconhecido”. A alguns que contestaram a validade do soneto, respondeu com o artigo “Sobre a actualidade do Soneto”.
Em Março de 2007 publica nos cadernos culturais da “Tertúlia do Moínho” um artigo de homenagem ao cantor José Afonso com o título “José Afonso deixou-nos há 20 anos”. No mês seguinte pronuncia na Casa do Sabugal a palestra “José Afonso – No vigésimo aniversário da sua morte”.
Ainda em 2007, em Novembro, participa em Pavia numa comemoração do centenário do nascimento do pintor Manuel Ribeiro de Pavia, abrindo a sessão com o texto “Homenagem à memória de Manuel Ribeiro de Pavia”.
Em 2008, a convite do Gabinete de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, pronuncia a palestra “A Poesia na luta pela Paz”.
É membro do Conselho Português para a Paz e a Cooperação (C.P.P.C.) e, nessa qualidade, tem participado em variadíssimas acções pela Paz, nas quais se incluem a difusão de poemas em favor da Paz, uns publicados em vários jornais e revistas, outros distribuídos através de várias organizações, promovendo mesmo a sua circulação pela Internet (a nível nacional e internacional).

É colaborador da revista de poesia “Isla Negra”, dirigida pelo poeta argentino Gabriel Impaglione.
Integrado num grupo de poetas, está a trabalhar na elaboração e futura publicação duma colectânea de poemas de luta pela Paz e pelos direitos humanos.

Actualmente está a tentar compilar todos os seus escritos, em prosa e em verso, tanto os que se encontram dispersos por jornais e revistas como os inéditos, estando já prontos para publicação dois livros de poemas: “TEMPOS DE BRUMA ou Poemas para memória futura” e “Seis Sonetos Eróticos e Outros Poemas de Amor”.
Além de muitos outros poemas, dormem ainda na sua gaveta diversos discursos políticos pronunciados no distrito de Setúbal em 1974 e 1975 e o esboço duma peça de teatro.
Tem ainda em preparação um livro de contos.

Marília Gonçalves disse...

QUEM VEM LÁ ?


Quem vem lá? – Inquiriram com voz rouca,
vendo na nossa sombra uma ameaça,
com suspeitas do vento que perpassa
e vigorosamente nos desloca.

Quem vem lá? – É um tremor que vem da boca
de quem se arregimenta na desgraça.
Daí o toque a reunir na praça,
de armas em riste, numa fúria louca.

Acalmai vossos ânimos! Lançai
o vosso medo ao mar! E pendurai
de novo a adaga, a cimitarra, a lança.

Somos gente de paz. Por essa estrada
carregamos connosco a madrugada
e trazemos o Sol, a Paz, a Esperança.



CARLOS DOMINGOS

Marília Gonçalves disse...

O MEU PAI

Lembro-me do meu pai
como um cultivador de virtudes
e dignidade antiga plantada no rosto.
A teoria, os princípios, a honra da família,
a humanidade e a pátria
eram os seus amigos de domingo à tarde.
Mas a pátria escondia-se dentro de cada um
tiritando à passagem duma brigada de polícia.
E a humanidade começou a arder
com fogo posto
por fantasmas produzidos em série
nas casas Farben, Krupp e outras firmas
fabricantes de monstros.

Lembro-me do meu pai
angustiado sobre o mapa.
Lembro-me do meu pai
agasalhado com a voz do Fernando Pessa
[BBC - «A Voz de Londres»].
Lembro-me dele
descendo baixinho ao fundo das horas mortas
para conversas hertzianas com Rádio Moscovo
que lhe segredava as últimas
sobre a vida e a morte dos homens.

Nós, os meninos,
tínhamos então pressa de crescer
para não ser apanhados desprevenidos.

Lembro-me do meu pai esquecido de si próprio
ensinando-nos a esquecer as dores semeadas no nosso chão,
os nossos mortos,
as nossas grilhetas, as mordaças, a fome, o silêncio,
a noite profunda dos nossos olhos,
porque uma morte mais morte asfixiava o Homem.

Lembro-me do meu pai imóvel de pé
de olhos perfurando a distância
quando uma esperança mil vezes assassinada
se levantou envolta em sangue,
disposta a morrer por nós como uma mãe,
escorrendo angústias e desespero, mas esperança!
chamada Stalinegrado.
Aqui resistimos, de unhas desfeitas nas rochas,
aqui estremecemos por cada casa derruída,
por cada tijolo esfacelado,
por cada punhado de terra abandonado.
Aqui todos fomos Stalinegrado, mil vezes morremos
e mil vezes nos sublevámos à morte.
Semeámos alvoradas em regadios de sangue,
forjámos músculos e certezas,
pendurámos olhos na noite.

E nós, os meninos,
demos um sentido oculto aos nossos jogos.

É assim que eu relembro o meu pai
e não quero outra forma de o amar.

Porém, os meninos vão crescendo e tomando consciência da realidade que os cerca

Eu estava a cumprir o serviço militar quando Salazar começou a mobilizar tropas para a Índia e foi uma sorte incrível eu não ter sido mobilizado. O poema seguinte não foi publicado na revista Vértice por ter sido cortado pela Censura salazarista.

Carlos Domingos

andrade da silva disse...

Há vidas que pela sua exemplaridade evem ser de todo conhecidas estimadas, conideradas e sobretudo amadas.
Vou ler durante o fim-de- semana estes textos.
obrigado Marilia.
abraço
asilva

Manuel Jorge Castro Paula disse...

CARLOS DOMINGOS, a prisão de um homem de enorme dimensão:política, humana e social
pela pide, em Fevereiro de 1972,

CAXIAS CELA 24
De onde veio o preso da cela 24? Quem é esse Homem, que galopa a toda a liberdade? Quem é este homem, este preso e livre-pensador, que “tortura” os seus carrascos, com a sua superioridade moral e ética. Quem é esse homem destemido e de incomensurável coragem,? Pobres carrascos, pobres guardas, pobre prisão, pobre cela 24, cuidado, ele personifica a alegria, o amor, a lealdade a fraternidade a amizade...Ele defende aquilo que vocês esbirros da maldade e do ódio mais temem: a liberdade! Fujam, cambada de patifes! Fujam malditas almas de todos os tempos inquisicionais, Fujam malditos, fujam. ..
Deixo aqui, um abraço muito sentido ao Carlos Domingos

Manuel Jorge Paula

Manuel Jorge Paula disse...

Adeus Carlos Domingos! pela sua vida de dignidade e lutador incomensurável da liberdade. Adeus e obrigado pela sua lição de vida.
Não sabia querido amigo, que nos tinha deixado.... Obrigado! Muito obrigado e Até sempre, Poeta e combatente da liberdade.

Manuel Paula