segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

António Ramos Rosa Poeta Sublime

ESTOU VIVO ESCREVO SOL

Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em frios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

De António Ramos Rosa



(conheci uma menininha que há vinte anos atrás, antes de ir para a escola de manhã, a mãe tinha que lhe ler um poema de António Ramos Rosa 
como pode uma criança de dez nos sentir e apreender tanta beleza?)



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                                                                       Consciência


No ritual do riso

despe-se o olhar de sombra

acumulado e triste

paraíso? não existe!

apenas este esforço, esta vontade

de transformar o mundo

o mundo que nós somos

tão profundo

que o passo conseguido

é do passado e é vencido.

Mas esta teimosia irreverente

esta consciência aguda de ser gente

vai-nos soltar a voz até ao grito!

Ah glória a todos nós

por tanto gesto aflito.

por este tropeçar e prosseguir.

por este querer andar

mesmo a cair

e levantar o mundo de amanhã.

Glória a todos nós à humanidade

que leva ao peito a ferida d' ansiedade

e grita ainda que a espera não é vã.

Glória a ti pois. A ti!

`Ó homem que te elevas

monstro parindo as suas próprias trevas

e nelas chora e ri



Marília Gonçalves


(in à Procura do Traço)

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