domingo, 8 de maio de 2011

ESTÓRIAS DE UM TEMPO NÃO, COM MUITOS SINS.




Fui ao encontro dos militares com quem, em 1972, estive na companhia do Cavungo, a dos ases de ouro num batalhão de ases, que no centro tinha um soldado a que chamávamos, em linguagem de caserna, o equivalente ao às te lixas, mas o dizíamos, de um modo muito mais explicito, mas assim dá para entender, isto é, o Batalhão era o dos ases, mas a carne para canhão era sempre a mesma, e, apesar, de heróica, pouco ou nada tinha para além da grandeza de serem jovens de Portugal. Também eu, alferes no meio desta rapaziada, como todos os demais alferes éramos jovens, eles tinham 20 anos de idade, nós 22/23.



Lá me preparei com umas quantas fotos, para reconhecer o pessoal e identificar as mensagens que tinha nas fotos que se referem aos muitos tempos sim, deste grande tempo não, da guerra.



A primeira mensagem era para o furriel Lopes com quem fiz a minha primeira actividade operacional nesta companhia. Na foto que levava dizia dispensado de pertencer á equipa de futebol de que eu era o preparador físico, à Meirim, por faltar aos treinos.



E, hoje, o Lopes faltou ao convívio, porque foi assassinado numa caixa multibanco - crime horrendo, todos os crimes de morte e agressões deviam ser punidos e os bandidos que os cometem efectivamente presos por uns 25 a 30 anos, e só perante provas irrefutáveis de se terem tornado noutrem poderiam sair em liberdade condicional.



O Lopes não estava, o Maximiano a quem um dia nomeei para fazer de polícia do Exército e consta das minhas fotos também já não estava. O Furriel Queimada chorando os evocou a estes e a todos os que já não podem responder à chamada.



Choramos as suas mortes, porque, como dizia o Queimada, com a voz embargada, naqueles momentos terríveis de perigo ou desalento, perante a dificuldade descobriu-se o grande valor da camaradagem e da fraternidade que foi o que nos salvou lá, nos leva hoje a estes encontros e há-de salvar Portugal, quando cada um e todos os deserdados descobrirem que é na amizade, no amor, na verdade e entre nós que estão as soluções para os problemas que nos afectam.



40 anos depois encontrei-os e, apesar, do pouco tempo que passei entre eles fui reconhecido como um militar exigente, mas camarada e que ponha o pessoal a mexer no treino físico para serem os campeões de futebol adquirindo: resistência, força e velocidade. A táctica dava-lhes o treinador, e, assim íamos juntando vitorias.



Encontrei-me com muitos amigos, entre eles, o Castela, o Cordeiro, o Almeida, o Pratas, este, o enfermeiro, com o Duarte que faz parte das minhas fotos e me vendeu um relógio oriente por 1200 escudos, uma muito boa maquia para a altura, para aí metade do meu vencimento. Até há bem pouco tempo tinha uma certa compulsão por relógios, nunca mais caros que 250 €., gosto visível de tal modo que no meu último serviço, por inspiração das mui divinas mulheres que lá trabalhavam, me ofereceram um lindo relógio. Foi o último relógio novo que tive.



Mas nos relógios tenho azar. Um individuo da TV cabo roubou-me um, depois de lhe ter dado a provar migas que dizia que a sua mãe fazia muito bem, mas como agradecimento lá levou um relógio que estava em cima de um expositor. Também um ou alguns dos meus camaradas militares lá me foram esmifrando das suas peças e rubis um ómega herança do meu pai, quando lhes dei para arranjarem, de tal sorte que quando o levei a um relojoeiro na Madeira para o consertar de uma maleita, foi-me dado o veredicto: que o relógio estava decapitado de tudo, e só tinha um mecanismo tipo relógio despertador rasca, e, assim, acabou o relógio que tinha herdado, e quem aquelas peças herdou foi, quem na Escola de Serviço de Transportes, seguindo o exemplo de outro, ou tomando a iniciativa, roubou-me aquela peça de herança com valor sentimental e histórico, fazia parte dos primeiros relógios do lote dos semi-automáticos da Ómega. Coisas, por sinal tristes...



Mas também neste encontro houve as notícias sobre sucessos: um dos militares tornou-se um cozinheiro conceituado que, muito aborrecido fica, quando vão ao seu restaurante pedir-lhe uma dieta depois dele ter tirado não sei quantos cursos para fazer o paladar explodir com novos gostos; um outro fez e continua a fazer uma longa e brilhante carreira na Federação de Hóquei em patins,confessa que o bichinho iniciou-se nas equipas de futebol desta companhia, recordando ele o quanto lhe valeu na vida ter descoberto as suas capacidades futebolísticas e o treino muito duro que lhes ministrei.



E com a hospitalidade característica do norte lá me foram franqueadas as portas da casa de um amigo, o Quim, quando num dos próximos encontros ao norte for, o que, será em Junho, entretanto, volto-me a encontrar com uma outra companhia no fim deste mês.



É sempre um motivo de honra e prazer encontrar, sem nenhum sentimento de culpa, quem um dia comandamos com muito rigor, embora reconheça que nem sempre fiz tudo bem, e continuarei a meter o pé na argola, a ser, por vezes injusto, mas nunca, nunca, agindo com a intenção de desrespeitar, humilhar alguém, isto, nunca, aliás, nem sequer seria muito possível, porque os actos injustos que pratiquei foram sempre a quente e nunca com premeditação.



Numa palavra hoje estive junto de grandes portuguesas, as mulheres destes militares e grandes portugueses, estes portugueses que ontem jovens fizeram tanta coisa generosa e boa naquelas paragens, e, no caso desta companhia, o único pecado que podem ter cometido foi não terem controlado a sua libido e, ou amando ou não, a terem feito explodir entre as pernas de uma mulher, normalmente negra, mas também brancas.








7 Maio 2011



andrade da silva




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