Um
escritor trafica em palavras e o problema é que estas, por vezes, não logram
convir todo o horror da realidade. Ficando aquém do que efectivamente se passa,
do sofrimento que vai alastrando na comunidade, as palavras sabem a pouco e o
fautor dos textos terá de admitir frustrante fracasso.
Tem
duas estratégias para escapar a tal destino. Uma, o retorno a chão realismo: a
efabulação da miséria, da pormenorizada descrição de quem enfrenta a pobreza,
será, então, espelho do corpo social em desagregação. Outra, estabelecer um
pacto com o leitor: dizer-lhe que usará conscientemente cada substantivo, cada
adjectivo em toda a sua extensão semântica. Quando se diz, por exemplo, que há má-fé na acção do Governo está a dizer-se
que este consciente e dolosamente pretende prejudicar os cidadãos que tem de
governar, a ponto de lhe ser imputável uma sanção política pesada que levará os
partidos da coligação a pesadas derrotas eleitorais (haverá, ainda, um
julgamento histórico cujo veredicto será a proscrição deste Governo como o mais
lesivo para o país desde 74). Quando se fala de fome quer dizer-se que o limiar da subnutrição foi ultrapassado. Quando se
evoca a miséria diz-se do
desespero sem fundo de quem empobrece até à indigência, de quem perde o pouco
que conseguiu acumular e se vê privado de habitação, de cuidados de saúde ou de
acesso à educação, da perda radical da sua dignidade. Um retrocesso
civilizacional de décadas apagando todas as conquistas sociais de que tanto
tempo se necessitou para construir e consolidar.
É
obrigação do intelectual denunciar por todos os meios esta direita obscena que
despudoradamente nos quer oprimir, que em benefício de uma ultra minoria
plutocrata sacrifica a maioria dos seus concidadãos.
Pois
é este o tempo do máximo peso das palavras onde, por acção do Estado, o
imemorial espectro da doença, da fome e da pobreza nos volta a ameaçar.
João Pereira Matos
João Pereira Matos
2 comentários:
Caro João Akmeida
De facto a presente tragédia ultrapassa o que quem já viveu períodos graves na sua vida, até a guerra, pode imaginar,então, o que dizer com vocês que nasceram num outro país, pós 25 de Abril que,agora, pura e simplesmente se nega e destrói.
abraço
ailva
PUNGENTE,cruento,cruel,trágico e como podem o Partido Socialista e o Presidente da República e a União Europeia serem indiferentes a esta tragédia portuguesa,apesar de também ser semelhante às tragédias africanas, asiáticas e do Médio oriente a que milhões de portugueses foram e são total e completamente indiferentes,logo como previu Cristo - quem a ferro mata a ferro....
asilva
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