quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

MEMÓRIA DE OUTROS INVERNOS




Era Novembro e chovia….

No sábado, desse Novembro do já longínquo 1967, por voltas das cinco horas da tarde, fui encontrar-me com um primo meu que estava na Marinha…tínhamos combinado ir passar o fim de semana ao Algueirão, a casa de uma tia. Quando ele entrou a correr na estação do Rossio disse de imediato “ Chiça, chove que parece o dilúvio”…mas lá fomos de comboio até o Algueirão..da estação até casa da tia foi cá uma molha…!!! Claro que ainda tivemos de ouvir da minha tia um raspanete “ Sois tolinhos, esperavam um bocado até a chuva parar…”

Durante a noite não  apercebemos da chuva…. E só quando no domingo à tarde regressei à AM é que me apercebi, pelo caminho que na verdade tinha chovido muito. Mas não deu para perceber a dimensão da catástrofe. ( Em 1957 em Lamego, tinha caído uma tromba de água que fez umas largas dezenas de mortos. Mas nessa altura ainda não estava desperto para o desastre…). 

Na AM, ao jantar comentava-se a chuvada mas sem que tivéssemos consciência da verdadeira dimensão da tragédia…Só quando, no dia seguinte fomos            “ mobilizados “ para, a exemplo dos estudantes universitários irmos também dar ajuda, apoio , na limpeza de casa e terrenos em Alhandra, só nessa altura, pudemos ver o que na verdade tinha acontecido. 

Era o fim do mundo. A lama chegava quase a meio das pernas…as pás entravam na terra e ao subir, pesavam!!! Mas nós estávamos ali para ajudar. E era o que fazíamos. Mas não posso deixar de dar o meu testemunho do que vi e ouvi. 

Aqui vai: um grupo de estudantes da UL, rapazes e raparigas, estavam muito atarefados a…tentarem calçar-se e vestir-se para a ocasião. E olhavam espantados para nós, alunos da AM que, ali chegados tínhamos entrado pela lama dentro sem mais delongas…nós estávamos de farda nº 3…de trabalho…e eles lá passaram metade do tempo a colocarem, sacos de plástico à volta dos sapatos para não os…sujarem.. foi giro de ver, e foi também uma afirmação do que tínhamos começado a aprender : estávamos ali para servir. E foi o que fizemos durante todo o dia.

Os jornais e a TV  ( só havia uma ) falaram do assunto…levemente ou seja sem nos darem a noção da verdadeira dimensão da catástrofe…o, então, PR, como não havia fitas para cortar, não apareceu em lado nenhum; o então PM, como estava em vésperas de cair da cadeira também não apareceu; e nós, como éramos novos e ingénuos nunca nos passou pela cabeça perguntarmos : e o que vai ser desta gente que ficou sem nada, incluindo familiares?? Quem os ajudaria? E de que forma? 

Nessa atura eram questões que não colocávamos. Mas agora, agora que , não pela água, mas pelo fogo, somos inundados com informação em catadupa, agora, em que o atual PR mesmo sem fitas para cortar está em todas, em que o atual PM, sem vislumbrar qualquer cadeira já aprendeu que tem de deixar S. Bento e fazer da  província a sua casa, agora, que o país todo se mobilizou numa onda enorme de solidariedade pergunto : será que os de há 50 anos tiveram lágrimas para chorar? Nada justificava aquele esconder da realidade. Chamava-se CENSURA.

Dorbalino Martins




2 comentários:

Marília Gonçalves disse...

Oh Meu Capitão
Por esses mesmos dias; morria-me o meu primeiro filho
que negrume
fatídico mês de Novembro, embora seja nele que hà 70 anos nasci
Marília Gonçalves

Serafim Silveira Pinheiro disse...

Uma carta para guardar e abrir aos que só lêm sobre um passado censurado. Assim, aplaudiremos a vida e honraremosm a memória do autor.