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Há pouco enviei-te um email sobre um anúncio em branco. È
sobre a Paz. A Paz
em geral e a que nós devemos desenvolver dentro de cada um de nós. Enviei-ta
com a convicção que era bem enviada. Para ti. E tudo isto na sequência da audição
do teu depoimento -diário - de um jovem alferes.
Nem tu imaginas quão bem me fez ouvir-te. Parece que o mundo parou, ou melhor, andou para trás quatro dezenas de anos e me fez reviver tudo aquilo que tu viveste e reproduziste tão bem. È
que este teu amigo esteve em Angola de Agosto de 72 a Março de 73. E estive no
Negage, onde conheci no PAD o J. Champallimaud e um outro furriel de seu nome
João M. Leonardo...e na Cª de Intendência tive a oportunidade de privar com um
alf.mil. da Madeira. Coitado, foi triturado, a nível financeiro, pelos capitães e
sargentos que pululavam á volta da cª e que vendiam o pão e a
gasolina aos civis.
Eu fui incumbido de fazer uma inspeção - surpresa - á cª e agora imagina tu a
minha cara quando cheguei ao hotel ( a ordem era ficar no hotel para ninguém
desconfiar...)e o dono veio ter comigo e me disse : então senhor alferes, a tentar surpreender o capitão......? Mas olhe que ele é mais esperto, já foi ontem para Luanda.....e lá ficou o inexperiente alferes milº á pega. Sorte a dele :.......Era a minha maneira de ser correto mesmo contra as hierarquias de que tão bem falas, não confundir com falar bem de, no teu diário.
E passei por Mucaba a caminho de Carmona. Parei, ia
sozinho do Negage para Carmona quando vi a placa que informava : Mucaba. E
veio-me á memória a gesta daqueles bravos que dentro da igreja esperavam a
morte da qual se safaram por milagre. As descrições do jornalista, Ferreira da
Costa ainda hoje perduram na minha memória.
Bem, mas na verdade revi-me, embora em condições militares diferentes, na tua
descrição daqueles tempos. Tempo de juventude, de irrequietude intelectual
porque para pouco mais dava e a organização não deixava. também ouvi da boca
de alguns alferes miliºs que eu era o chico mais porreiro que conheciam. Porquê?
Porque conhecia todas as canções do Zeca e do Adriano e cantava-as, não sei se sem
medo se por irresponsabilidade, com eles. È que assim as noites de Malange
pareciam mais ricas e mais pacíficas. E estávamos a falar e a cantar contra uma
guerra que embora não vivêssemos diretamente, sentíamos que existia bem perto
de nós. Estava colada á nossa pele..e já agora uma confissão: sabes onde é que me
senti traído por tudo o que me tinham ensinado? Quando ia a caminho de Timor,
Março de 74, em L.Marques, hoje Maputo, o barco parou uns cinco dias. Num
desses dias fui almoçar ao Club Militar Naval, que era a coisa mais in da época.
Em determinado momento uma senhora muito chic abordou-me ( eu estava com a
minha mulher) e disse-me só isto : Senhor tenente, já sei que está a caminho de
Timor. Mas diga-me uma coisa: na metrópole já não há rapazes para virem para
aqui, para a guerra que há no norte? È que o meu filho, que é de cá teve que ir
agora para a Beira.!!Imagine-se !!! Foi a derrocada de tudo o que me tinham dito e
em que eu já pouco ou nada acreditava.
Mas, meu amigo, penso que falta organizarmos uns encontros-tertúlias em que
cada um de nós possa deitar cá para fora o que sentia na alma nesses já, parece,
longínquos anos do fim do século passado. Conta comigo. E um enorme obrigado
pelo teu diário.
Um abraço do teu amigo Dorbalino
DIÁRIO DE GUERRA
https://www.youtube.com/watch?v=AWJKPa4iiuE
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