domingo, 14 de setembro de 2008



O PARAÍSO NA TERRA: HERMAN MELVILLE NAS MARQUESAS

É muito interessante o livro de James Simmons Náufragos no Paraíso, publicado em Portugal em Março de 2007 pela editora Antígona, tradução de Paulo Faria. Relato partes de um dos capítulos. Esta transcrição é uma tentativa de arejar a visão europeia sobre a vida sexual e o casamento.

Diz a certa altura, referindo-se às observações de Herman Melville, que em 1842, muito jovem, tinha decidido entrar sozinho nas ilhas Marquesas, Taiti, mais propriamente em Nuku Hiva, Vale de Typee.

Melville ficou bastante impressionado pela beleza dos indígenas, tanto homens como mulheres. A maior parte dos homens media mais de um metro e oitenta de altura e tinha corpos bem proporcionados, pareceu-lhe, como deuses gregos.As mulheres eram mais baixas, mas igualmente bem proporcionadas. Melville ficou particularmente impressionado pela brancura dos dentes dos nativos, “muito mais belos do que o próprio marfim”. Além disso algumas das nativas tinham a pele tão clara como as das mulheres da sua Nova Iorque natal, pelo facto de a branquearem com o suco de uma trepadeira a que chamavam “papa”, para além de evitarem cuidadosamente expor-se à luz directa do sol. Melville mostrou-se estupefacto ante os cuidados consideráveis que os membros de ambos os sexos dedicavam à sua aparência física, como arrancarem os pelos inestéticos, usando as conchas de pequenos bivalves à laia de pinça, impregnarem o cabelo com óleo de coco perfumado e enfeitarem-se com grinaldas e brincos de flores. Davam uma tal importância à higiene pessoal que tanto os homens como as mulheres tomavam banho duas vezes por dia.

A sexualidade ocupava um lugar tão conspícuo na vida social dos indígenas que Melville deve ter ficado assombrado perante muito daquilo que observou. Muito antes de os primeiros europeus terem surgido naquelas paragens, as orgias rituais desempenhavam já um lugar importante na sociedade insular. Na maior parte dos casos, porém, integravam-se em importantes cerimónias religiosas e serviam para promover a solidariedade social. Por motivos óbvios, Melville não pôde incluir todos os pormenores desta temática nos livros que escreveu pouco depois. O historiador Walter Herbert, no entanto, documentou a energia sexual que impregnava a cultura daquelas ilhas:

Considerava-se que certos atributos físicos dos órgãos genitais do homem e da mulher possuíam um grau específico de encanto sexual, pelo que havia um vocabulário próprio para diferenciar os pénis de acordo com os diversos tamanhos e formas. Aplicava-se à vagina um programa extensivo de embelezamento que começava desde a mais tenra idade, com massagem e exercícios destinados a aumentar a tonicidade muscular, para além da aplicação de um adstringente fraco, num esforço para reduzir a produção de fluido vaginal e eliminar os odores desagradáveis.

Um ritual centrado nesses esforços assinalava a entrada das raparigas na idade adulta. Em primeiro lugar eram formalmente examinadas para determinar se os lábios da vagina eram pálidos, os pelos púbicos curtos e suaves, e em que medida se tinham alcançado outras características desejáveis. Em seguida as jovens tomavam parte no kioka toe haka, o festival da dança do clítoris, em que expunham os órgãos genitais aos olhos de toda a tribo. [...] Durante este período, os jovens pareciam ter acesso sexual ilimitado uns aos outros e aproveitavam essas oportunidades com grande entusiasmo.

Melville mostrou-se impressionado pela vida doméstica dos indígenas e pelas boas relações entre os sexos. Ao contrário de muitas outras culturas domésticas primitivas, em Typee eram os homens que executavam todos os trabalhos pesados, ao passo que as mulheres só tinham a seu cargo os afazeres mais leves da lida da casa. Melville interessou-se particularmente pela instituição do casamento, que era definido de forma suficientemente aberta para não restringir a liberdade sexual de cada um dos parceiros, e que qualquer deles poderia romper, caso se sentisse infeliz.

O traço que mais o surpreendeu nesses casamentos do vale de Typee era fruto de um desequilíbrio entre os sexos. Com efeito, sendo os homens mais numerosos do que as mulheres, estas tinham adoptado costumes poligâmicos e desposado vários maridos. “A infidelidade de um ou outro dos cônjuges é muito rara, insistiu ele em Typee. “Nenhum homem tem mais do que uma mulher e nenhuma mulher de idade madura tem menos de dois maridos – por vezes chega a ter três. [...] Como não há obstáculos à separação, o jugo do matrimónio torna-se fácil de suportar, e uma esposa de Typee mantém com os maridos uma relação afável e de grande cortesia.”

Ao que parece, Melville, não exagerou na sua descrição da vida marital harmoniosa do vale de Typee. A igualdade de estatuto de homens e mulheres era, sem dúvida, um factor importante a contribuir para a felicidade e estabilidade da família.

Mais tarde esta felicidade estragou-se, por acção dos missionários e da cultura dominante americana e europeia. A formosura das mulheres de Taiti foi em muitos casos substituída por uma obesidade patológica. Mas acho que ainda temos muito a aprender se quisermos repetir este paraíso, também tão bem retratado por Gauguin.


4 comentários:

Jerónimo Sardinha disse...

Caro Domingos,
Sem dúvida muito se tem perdido em nome do progresso.
O retrato extraordinário que nos mostra, em nada desmerece os belos quadros de Gaugin que escolheu.
Extraordinário trabalho de pesquisa de hábitos e comovente descrição do que era uma sociedade, antes de ter sido levada a uma religião que não era sua, a uma vivência social que em nada a melhorou e a uma pseudo evolução que só desarticulou e mesmo aniquilou a pureza de um povo. Como de tantos outros.
Parabéns pelo apetitoso trabalho e muito obrigado por o partilhar connosco.
Grande abraço,
Jerónimo Sardinha

Domingos Neto disse...

Obg Jerónimo. Tem razão. Um abraço

andrade da silva disse...

Caro Domingos

Obrigado por permitir olhar para um certo passado que deveria ser presente.

Penso que tanta violência doméstica deixaria de existir se as relações sexuais não fossem tão reguladas por normas que aprisionaram o sexo.

Defendo, e este belo texto julgo que o confirma, que um dos factores que mais suavizou as agruras da guerra colonial e permitiu a milhares e milhares de militares portugueses aguentaram as agruras da guerra foi a ampla liberdade sexual encontrada nas terras africanas, onde muitos tiveram a sua iniciação sexual, em oposição à castração que a Igreja e o Salazarismo/ Marcelismo impunham aos jovens, isto, todos os mais velhos sabem que era assim.

Particularmente sei-o, porque fui católico praticante com presença em missas às 7h, comunhão, 2 cursos de cristandade, tendo desempenhado funções de secretário diocesano da JEC, cargo que me permitiu ver de mais perto a mentira e a descriminação social da Igreja católica, o que me levou a transferir para o campo dos agnósticos, onde me encontro.
asilva

Anónimo disse...

E verdadeAndrade e Silva. Nao tem nsda a ver. Vamos verr e as soiedades ocidentais conseguem finalmnente aceitar esta simpliciade.
Domingos