Andei por Angola nos idos de 71, primeiro no saliente do Cazombo, depois no Norte de Angola, na zona de Mucaba e Damba. Adorei aquele pôr-do-sol, o calor, a imensa fruta e a sensualidade transbordante das suas gentes brancas e negras.
Adorei a liberdade das roupas leves, sem gravatas. Lá o calor não impunha a dignidade da gravata, de que tenho muitas, porque gosto dos padrões multicolores, acho-as verdadeiros objectos de arte que não uso, porque me torturam o “delicado”, julgo, pescoço.
No leste de Angola vivi numa companhia isolada em Lumbala Velha, de um lado o grande rio, no meio um grande mangueiral, onde, estavam as casas de madeira, deliciosas, que habitávamos com os mosquitos e, por cima de tudo, como em outra qualquer parte do mundo, o céu.
Não havia aqui população e para irmos ao rio tomar os banhos, após a ginástica, lá tínhamos de ligar a moto-bomba por causa dos jacarés, e colocar uns quantos de vigia nos morros, para evitar o beijo de qualquer balázio.
Depois eram as planícies imensas, onde, as pacaças vagueavam livres até que um caçador fortuito, ou nós, por ali passássemos, e tínhamos de caçar, muitas vezes, para não repetirmos a ementa das salsichas com arroz. De tantas que comi que durante mais de dez anos, depois do regresso não as quis ver. Por aqui também pintei quadros, mas por causa das suas formas arredondadas disseram-me que aquilo tinha a ver com a sexualidade inibida, e lá deixei a coisa, não fosse ficar com algum tique.
Aqui sonhei a grande e livre Angola. A dimensão imensa daquelas chanas e a imponência daquele rio seduziam-me. Faltavam as pessoas, mas a curto prazo ia vê-las, aos montes, em mercados e outros locais, mas antes de partir do Leste, conheci a rainha dos luenos, tinha para aí 3000 anos. Outro Milagre.
Indo para norte, vou encontrar a serra verdejante de Mucaba, com árvores frondosas, em que o sol não entrava e a humidade era tanta que, apesar de madeirense, treinado em montanhismo, muita queda dei por aquelas serras, enterrando o cano da espingarda pela terra dentro, inferno maior, para quem andava na guerra, como o eram as formigas e toda a multidão de insectos que abundam em terras tão húmidas. Por entre estas árvores existiam os acampamentos dos tais “turras” e as sua culturas de mandioca. Um milagre da coragem viver naquelas condições, mas eles viviam...
Em Mucaba vi todas aquelas carnes expostas ao sol, todos aqueles tecidos coloridos amarrados aos formosos “rabioches” que dançavam à frente dos meus olhos, de um modo estonteante.
Pela primeira vez ouvi cantar chorando, ou chorando cantando durante dias, pela morte de um ente querido, vi as bebidas saltarem, sobretudo aquele maldito vinho de palma que tive de beber por ser convidado do régulo de Bazantema, aquando da morte de uma jovem negra esquartejada por elementos da FNLA.
Recordo aquelas chuvas torrenciais, aqueles relâmpagos com a intensidade de raios fulminantes que enchiam todo o céu e se ligavam à terra com um estrondo que nem o fogo de artificio do fim do ano na Madeira. Um espectáculo dantesco que mesmo que viva mais mil anos, não o esquecerei, como não poderei esquecer tanta abundância de fruta e de saladas de fruta que algumas vezes me obrigaram, em urgência, a ir, a toda a velocidade, à "casinha", pior foi quando a "casinha" era o tal mato e ,onde, podia ser apanhado à unha com as calças na mão. Meu Deus! Aquela África e aquela guerra, meu Deus!
Contemplei e dei uns passos de merengue, admirei homens cheios de medo que para amarem embrenhavam-se em capins traiçoeiros. Amavam as suas rosas, por vezes em negócios trafulhas, o português espertalhão, mas acho que amavam as suas rosas, pelo menos, vi um oficial e um soldado a rebolarem-se no chão, pontapeando-se por causa da disputa da Rosa que gostava do cabo, mas o alferes julgava que tinha mais direitos, e, eu, comandante desta tropa, a decidir, como não podia deixar de ser, pelo lado justo, o do amor. Mais um inferno, para o alferes que, então, era, mas sou mesmo assim, burro, que fazer?
Ainda mais um pouco pelo norte para andar naquelas picadas com o rabo do jipe a querer ultrapassar a frente, (por vezes fui o condutor não encartado ,mas já prescreveu, também tenho direito às prescrições) a lama era tanta que aquilo mais parecia um ringue de patinagem. Mais uma muamba e depois Luanda com aquela baía e os cinemas ao ar livre.
Por estes dias encontrei um meu conterrâneo que por lá andou comigo, e que me disse que comi tantos ovos cozidos com martini que se falou verdade e não multiplicou o número, e se não morri, como parece, naquele dia, é porque sou eterno. Seja como for o que mais gostava de comer eram ovos cozidos com bastante sal e martinis no clube de oficiais na baía de Luanda. Divinal, como foi o banho de emersão que tomei na messe do Luso, linda e pequena cidade, onde vi um filme e comprei um livro. Li e transcrevi textos de Marx, ( estão nos meus apontamentos quase-diários) enfim, loucuras africanas.
Bela e querida Angola. Bela e querida África. Cantas, danças e pintas, e com ou sem feiticeiros e contra os colonialismos e as ditaduras dos teus filhos que TE traem TU SERÁS SEMPRE ASSIM: LIVRE, GARRIDA, DANÇARINA,VIDA. SOFRERÁS AINDA MUITO, MAS VIVERÁS.
AMO-TE ANGOLA. AMO-TE ÁFRICA E ÁS AFRICANAS NEGRAS E BRANCAS. O VOSSO ENCANTO É ÁFRICA.
Adorei a liberdade das roupas leves, sem gravatas. Lá o calor não impunha a dignidade da gravata, de que tenho muitas, porque gosto dos padrões multicolores, acho-as verdadeiros objectos de arte que não uso, porque me torturam o “delicado”, julgo, pescoço.
No leste de Angola vivi numa companhia isolada em Lumbala Velha, de um lado o grande rio, no meio um grande mangueiral, onde, estavam as casas de madeira, deliciosas, que habitávamos com os mosquitos e, por cima de tudo, como em outra qualquer parte do mundo, o céu.
Não havia aqui população e para irmos ao rio tomar os banhos, após a ginástica, lá tínhamos de ligar a moto-bomba por causa dos jacarés, e colocar uns quantos de vigia nos morros, para evitar o beijo de qualquer balázio.
Depois eram as planícies imensas, onde, as pacaças vagueavam livres até que um caçador fortuito, ou nós, por ali passássemos, e tínhamos de caçar, muitas vezes, para não repetirmos a ementa das salsichas com arroz. De tantas que comi que durante mais de dez anos, depois do regresso não as quis ver. Por aqui também pintei quadros, mas por causa das suas formas arredondadas disseram-me que aquilo tinha a ver com a sexualidade inibida, e lá deixei a coisa, não fosse ficar com algum tique.
Aqui sonhei a grande e livre Angola. A dimensão imensa daquelas chanas e a imponência daquele rio seduziam-me. Faltavam as pessoas, mas a curto prazo ia vê-las, aos montes, em mercados e outros locais, mas antes de partir do Leste, conheci a rainha dos luenos, tinha para aí 3000 anos. Outro Milagre.
Indo para norte, vou encontrar a serra verdejante de Mucaba, com árvores frondosas, em que o sol não entrava e a humidade era tanta que, apesar de madeirense, treinado em montanhismo, muita queda dei por aquelas serras, enterrando o cano da espingarda pela terra dentro, inferno maior, para quem andava na guerra, como o eram as formigas e toda a multidão de insectos que abundam em terras tão húmidas. Por entre estas árvores existiam os acampamentos dos tais “turras” e as sua culturas de mandioca. Um milagre da coragem viver naquelas condições, mas eles viviam...
Em Mucaba vi todas aquelas carnes expostas ao sol, todos aqueles tecidos coloridos amarrados aos formosos “rabioches” que dançavam à frente dos meus olhos, de um modo estonteante.
Pela primeira vez ouvi cantar chorando, ou chorando cantando durante dias, pela morte de um ente querido, vi as bebidas saltarem, sobretudo aquele maldito vinho de palma que tive de beber por ser convidado do régulo de Bazantema, aquando da morte de uma jovem negra esquartejada por elementos da FNLA.
Recordo aquelas chuvas torrenciais, aqueles relâmpagos com a intensidade de raios fulminantes que enchiam todo o céu e se ligavam à terra com um estrondo que nem o fogo de artificio do fim do ano na Madeira. Um espectáculo dantesco que mesmo que viva mais mil anos, não o esquecerei, como não poderei esquecer tanta abundância de fruta e de saladas de fruta que algumas vezes me obrigaram, em urgência, a ir, a toda a velocidade, à "casinha", pior foi quando a "casinha" era o tal mato e ,onde, podia ser apanhado à unha com as calças na mão. Meu Deus! Aquela África e aquela guerra, meu Deus!
Contemplei e dei uns passos de merengue, admirei homens cheios de medo que para amarem embrenhavam-se em capins traiçoeiros. Amavam as suas rosas, por vezes em negócios trafulhas, o português espertalhão, mas acho que amavam as suas rosas, pelo menos, vi um oficial e um soldado a rebolarem-se no chão, pontapeando-se por causa da disputa da Rosa que gostava do cabo, mas o alferes julgava que tinha mais direitos, e, eu, comandante desta tropa, a decidir, como não podia deixar de ser, pelo lado justo, o do amor. Mais um inferno, para o alferes que, então, era, mas sou mesmo assim, burro, que fazer?
Ainda mais um pouco pelo norte para andar naquelas picadas com o rabo do jipe a querer ultrapassar a frente, (por vezes fui o condutor não encartado ,mas já prescreveu, também tenho direito às prescrições) a lama era tanta que aquilo mais parecia um ringue de patinagem. Mais uma muamba e depois Luanda com aquela baía e os cinemas ao ar livre.
Por estes dias encontrei um meu conterrâneo que por lá andou comigo, e que me disse que comi tantos ovos cozidos com martini que se falou verdade e não multiplicou o número, e se não morri, como parece, naquele dia, é porque sou eterno. Seja como for o que mais gostava de comer eram ovos cozidos com bastante sal e martinis no clube de oficiais na baía de Luanda. Divinal, como foi o banho de emersão que tomei na messe do Luso, linda e pequena cidade, onde vi um filme e comprei um livro. Li e transcrevi textos de Marx, ( estão nos meus apontamentos quase-diários) enfim, loucuras africanas.
Bela e querida Angola. Bela e querida África. Cantas, danças e pintas, e com ou sem feiticeiros e contra os colonialismos e as ditaduras dos teus filhos que TE traem TU SERÁS SEMPRE ASSIM: LIVRE, GARRIDA, DANÇARINA,VIDA. SOFRERÁS AINDA MUITO, MAS VIVERÁS.
AMO-TE ANGOLA. AMO-TE ÁFRICA E ÁS AFRICANAS NEGRAS E BRANCAS. O VOSSO ENCANTO É ÁFRICA.
SOIS ÁFRICA. AMO-VOS.
andrade da silva
2 comentários:
A manga
Fruta do paraíso
companheira dos deuses
as mãos
tiram-lhe a pele
dúctil
como, se de mantos
se tratasse
surge a carne chegadinha
fio a fio
ao coração
leve
morno
mastigável
o cheiro permanece
para que a encontrem
os meninos
pelo faro
(Raízes do porvir, de Domingos Florentino)
Que deliciosas, mas que susto apanhei em Lumbala Velha quando na 1º noite simularam um ataque e depois toda a noite ouvi BOM..BOM ,julgava que eram morteiros a saírem dos respectivos tubos( sou artilheiro) e aqueles cães que nunca mais paravam de ladrar,olho aberto, ouvido à escuta, pé sobre a bota,mas o meu camarada de quarto dormia, não devia haver perigo, ele já estava ali havia meses, para mim era o meu baptismo de fogo.
Durante a noite nada, de manhã descobri o mistério eram as grandes mangas que o caírem de maduras esborrachavam-se e faziam aquele ruído.
Vinguei-me comi essas companheiras às dúzias, comi-as libidinosamente.
obrigado
asilva
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