segunda-feira, 6 de abril de 2009

Poesia Libertária




Jorge de Sena

Cantiga de Abril


Às Forças Armadas e ao povo de Portugal

"Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade"

Jorge de Sena


Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinqüenta anos

reinaram neste país,

e conta de tantos danos,

de tantos crimes e enganos,

chegava até à raíz.

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Tantos morreram sem ver

o dia do despertar!

Tantos sem poder saber

com que letras escrever,

com que palavras gritar!

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Essa paz de cemitério

toda prisão ou censura.

e o poder feito galdério,

sem limite e sem cautério,

todo embófia e sinecura.

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Esses ricos sem vergonha,

esses pobres sem futuro,

essa emigração medonha,

e a tristeza uma peçonha

envenenando o ar puro.

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Essas guerra de além-mar

gastando as armas e a gente,

esse morrer e matar

sem sinal de se acabar

por política demente.

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Esse perder-se no mundo

o nome de Portugal,

essa amargura sem fundo,

só miséria sem segundo,

só desespero fatal.

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos

durou esta eternidade,

numa sombra de gusanos

e em negócios de ciganos,

entre mentira e maldade.

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.

Saem tanques para a rua,

sai o povo logo atrás:

estala enfim, altiva e nua,

com força que não recua,

a verdade mais veraz.

Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.


Jorge de Sena 1974




Camões dirigi-se aos seus contemporâneos



Podereis roubar-me tudo:

as ideias, as palavras, as imagens,

e também as metáforas, os temas, os motivos,

os símbolos, e a primazia

nas dôres sofridas de uma língua nova,

no entendimento de outros, na coragem

de combater, julgar, penetrar

em recessos de amor de que sois castrados.

E podereis depois não me citar,

suprimir-me, ignorar-me, aclamar até

outros ladrões mais felizes.

Não importa nada: o castigo

será terrível. Não só quando

vossos netos não souberem já quem sois

terão de me saber melhor ainda

do que fingis que não sabeis,

como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,

reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,

tido por meu,

até mesmo aquele pouco e miserável

que, só por vós, sem roubo, havereis feito.

Nada tereis, mas nada: nem os ossos,

que um vosso esqueleto há-de ser buscado,

para passar por meu. E para os ladrões,

iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Jorge de Sena

Assis, 11 Junho 1961




1 comentário:

andrade da silva disse...

Oportuno canto.

Que o Abril mal tratado e mais uma vez e sempre manchado com a ignomínia do 25 de Novembro, agora, ressuscitado pela promoção provocatória a general, do Cor. Jaime Neves, não um diferente, mas igual a todos os demais envolvidos nessa conspiração contra Abril, saia das catacumbas e com nova força e novos lideres,os velhos lideres,todos, estão enredados nos jogos porcos e totalitários da politica, na rua faça reviver os tempos novos que nasceram em 25 de Abril 74.
abraço
asilva