Jorge de Sena
Cantiga de Abril
Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
"Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade"
Jorge de Sena
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinqüenta anos
reinaram neste país,
e conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raíz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura.
e o poder feito galdério,
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Essas guerra de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por política demente.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim, altiva e nua,
com força que não recua,
a verdade mais veraz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Jorge de Sena 1974
Camões dirigi-se aos seus contemporâneos
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dôres sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, penetrar
em recessos de amor de que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, havereis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para os ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
Jorge de Sena
Assis, 11 Junho 1961
1 comentário:
Oportuno canto.
Que o Abril mal tratado e mais uma vez e sempre manchado com a ignomínia do 25 de Novembro, agora, ressuscitado pela promoção provocatória a general, do Cor. Jaime Neves, não um diferente, mas igual a todos os demais envolvidos nessa conspiração contra Abril, saia das catacumbas e com nova força e novos lideres,os velhos lideres,todos, estão enredados nos jogos porcos e totalitários da politica, na rua faça reviver os tempos novos que nasceram em 25 de Abril 74.
abraço
asilva
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