terça-feira, 28 de abril de 2009

INQUIETAÇÕES E ESPERANÇAS DE ABRIL (conclusão)


Hoje, passados trinta e cinco anos, o Portugal Democrático não tem nada a ver com o Portugal da ditadura.

É fundamental não perder de vista esta realidade.

Não confundamos os males de então com os dias difíceis de “hoje”, que já o eram “ontem”
e tem vindo a sê-lo ( há tantos) destes 35 anos.

Quiçá, terá mesmo alicerces numa data venerada por alguns inimigos da Revolução, dum certo Novembro da nossa Primavera.

Alguns desesperados desabafam: “está tudo como dantes”...”está tudo na mesma “ .Não o devem repetir. Isso significa comparar tempos e agonias diferentes.

Cuidado…não branquear o fascismo.
Sobretudo não devemos fazê-lo pelos mais novos e pelos que não viveram o triste passado da opressão.
Os desencantos de agora e respectivas frustrações são de hoje, embora as suas raízes sejam antigas e outras tenham vindo juntar-se-lhes no país e no globo. São-nos:
Resultado da essência e natureza dum sistema predador: Responsável pela miséria, pela fome e pela doença de milhões de seres humanos;
Responsável pela depauperação de países e pela pilhagem de continentes.

- esse sistema tem um nome, anda a monte e chama-se: “capitalismo”…mascarado ou não de Neo-liberalismo, ultra-liberalismo global…ou de outra exuberante alcunha qualquer.

Veio agora a chamada crise recente desmontar um arsenal ideológico de mentiras, de manipulação de palavras, de subversão e ilusão de conceitos e de ilusão de realidades…para sacudir responsabilidades e reverter em benefício próprio as razões que lhe estão na origem.
…………………………………………………………………………….
A crise é só de hoje? Claro que não.
Hoje terá chegado aos poderosos, mas há que tempo a vivemos.
Há anos que vimos afirmando que o sistema gera desumanas situações sócio-económicas, com uma aparente e ilusória contrapartida de progresso económico,

onde os ricos tem ficado cada vez mais ricos
e os pobres, cada vez, mais pobres.

Não faltariam elementos para desfilar um rosário de exemplos, paradigmas da crise, das crises.

Há muito que a economia social foi estrangulada e a vertente financeira(especulação) se sobrepõe à vertente produtiva (economia real).

Essa é a crise e, infelizmente , há muito.



E o que é que isto tem a ver com o nosso 25 de Abril?? Perguntarão.

Tem tudo a ver.
Para nós Capitães de Abril, para a esmagadora maioria de nós, de todos nós , o verdadeiro 25 de Abril assentava numa base programática ( o programa do MFA) com os direitos e os deveres do cidadão, dignos dum Estado-Social…e que, apesar de tudo -mas muito- da luta dos progressistas, a Constituição da República Portuguesa viria a consagrar, em letra, em 2 de Abril de 1976.

Que País e que Estado-Social temos, 35 anos depois?

Que outra “guerra” ou outras “guerras” nos atormentam?

Dos três marcos da Revolução Social: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, os poderes instalados só vibram com a Liberdade.

E isto acontece, porque as suas centrais manipuladoras, tentam anestesiar os próprios povos. Atiram-lhes com a Liberdade…como se esta, só por si, tudo resolvesse.

Mas onde andam a Igualdade e a Fraternidade que parecem de outra galáxia?

Adensa-se o desassossego e a inquietação.

É que a Liberdade, anda de boca em boca, para que haja cada vez mais liberdade para se “explorar” ou “oprimir”.

Liberdade para falsear a História…
Liberdade para branquear a ditadura…
Liberdade para promover a cultura do esquecimento contra a cultura da memória… renascer fantasmas!

Liberdade que quer substituir a ideia de mudança (de Revolução) pela ideia de Mercado.

Liberdade que dá força à competição feroz e ao “jogo do empurra” e enfraquece a solidariedade na rua, na escola, na família, no emprego, na política...

Os capitães de Abril e todos que, se sentem mal com este estado de coisas, querem a LIBERDADE…a verdadeira. Outra liberdade.
A Liberdade para ser usada na participação, numa participação mais séria…mais séria nas mudanças e nas alternativas: empenhados e responsáveis na construção do futuro... muito para além dos actos eleitorais.

Será por termos usado mal a Liberdade (que Abril nos deu) que o Portugal de hoje não corresponde ao que ambicionávamos há 35 anos?!

Sendo um país diferente :
muitos sonhos estão ainda por realizar,

muitas situações de injustiça e iniquidade convivem connosco ainda hoje e agora!

Voltámos a estar em “guerra”.E sabemos onde estão os inimigos.

Há 35 anos estávamos longe de pensar que no nosso Portugal de hoje, acantonado na União Europeia, viria a ter em 2008:
Absurdos indicadores de pessoas no limiar da pobreza(200.000), de desempregados(500.000),de tarefeiros(700.000) e de trabalhadores a prazo(800.000).

Que irá acontecer aos dois milhões e meio (pouco mais de metade da população activa que resta) com emprego tão ameaçado!??

Que se passa?

Desde operário a licenciado o português é bom profissional em todo o mundo!
Que nos fazem ou deixamos que nos façam cá dentro?

E os sucessivos Governos que têm feito? Onde está o projecto aglutinador dos portugueses para corresponder ao Portugal do 25 de Abril!?

Por isso repito: Voltamos a não nos sentir bem!

O 25 da Abril merece mais, merecia mais.

Outra Politica.
Outra cultura. Outra cultura de mentalidades. Um outro apetrechamento geral e social, mais qualificado e actual.

Digno do 25 de Abril de todos nós.
Digno de todos aqueles que têm contribuído para que a nossa Constituição Portuguesa de 1976 não se ficasse pelas boas intenções…e fosse sucessivamente emendada, quantas vezes contra o Estado-Social.

Digno de todos aqueles que têm lutado para que o projecto de Abril sirva às gentes e não só a uns privilegiados…

Digno de quantos nas suas organizações, nas suas fábricas, no campo, no mar, lá… onde podem, utilizam as novas armas que Abril lhe deu…

Em conclusão:

Há trinta e cinco anos quisemos um país novo .
O programa do MFA deu o mote: descolonizar, democratizar e desenvolver.

Descolonizar : Descolonizámos, o melhor que se foi possível à data.
Democratizar: Encetámos caminhos de Democracia sérios, mas inacabados.
Desenvolver: Grandes avanços, sobretudo pela mão do poder Local. No xadrez nacional duvida-se da razoabilidade da distribuição de fundos e da criação dos projectos mais adaptados ao país, às suas necessidades e a um desenvolvimento sustentado.
Reconheçamos que tivemos dificuldade em deixar tutelar o Desenvolvimento à ganância dum sistema ou ao sistema da ganância…e o sistema padece de gravosa infecção…incurável.
Assim o julgará a maioria dos Capitães de Abril …comparando com o que se ansiava e estou convencido, também a maioria dos portugueses.

Que fazer?
Quantos anos de sabedoria se aprendeu nas trincheiras das vida?!
Quanta força nos deram os que lutaram antes de nós e os que continuam persistentes lutando..

Não podemos desesperar.
Tivemos muitos avanços e grandes recuos.Mas…

Continuando muitos “25 de Abril” por fazer; não podemos…não queremos … virar a cara.

No resistir…no construir…
No 25 Abril do combate ao desânimo... Do 25 de Abril de muitos combates é certo...porque o caminho se faz caminhando, lutando.

Há vitórias e derrotas nas constantes batalhas da Vida....mas a grande Vitória é continuar a lutar...a lutar pelo que acreditamos.
……

Queremos arredar de nós o desassossego íntimo.

Ainda não é desta que nos deixaremos abater apesar da tormenta
Todos nós somos parte da solução.


Competentes e empenhados nas nossas tarefas diárias cumpriremos Abril, estaremos a cumprir ABRIL.


A luta continua e com ela continuará sempre

Aquele sonho, a renovação e a esperança

que fizeram Abril
que deram força a Abril.

Tal como há 35 anos.
Tal como durante 35 anos.

Porque: O Povo é quem mais ordena…”
Grandola vila morena….”
O 25 de Abril está vivo.

25 de Abril sempre..

Manuel Duran Clemente
Coronel Reformado
Abril 2009

5 comentários:

andrade da silva disse...

Caro Clemente

Só um genuíno capitão de Abril poderia fazer esta belíssima e excepcional declaração constitucional quer ao nível do conteúdo, quer da forma,foi uma superior honra e prazer ler.
abraço
asilva

Carlos Esperança disse...

Caro capitão de Abril Duran Clemente:

Obrigado pelo texto e pela reflexão a que obriga.

Abraço.

Marília Gonçalves disse...

Capitães de Abril, Obrigada!


Obrigada, para sempre e desde a primeira hora do renascer da Esperança,no dia 25 de Abril de 1974, pelo fim da maldade oficializada, pela Luz, pelos Caminhos a descobrir continuados por tantos a minha sincera e profunda gratidão.
Com o maior respeito e ternura pelo que fostes, por tudo o que representais de vossa Generosidade e força juvenil ao serviço da verdadeira Justiça e do progresso, da evolução de Portugal e de seu povo e pelo fim desse pesado obscurantismo que era mais uma prisão com densos muros que encerravam o pensamento e a clara visão das coisas.
Pelas outras prisões de pedra, que encerravam os Resistentes e lutadores contra o Fascismo e o colonialismo. Homens justos e de palavra a quem nem medo nem tortura
nem o silêncio que vitimara tantos filhos de Portugal, puderam silenciar!
pelo fim da guerra colonial que ia destruindo os filhos de Portugal, levando os Jovens, destruindo os pais e aniquilando toda a possibilidade de alegria,
Por todos os filhos do povo que foram obrigados a deixar Portugal, suas raízes, suas tradições culturais, ,suas casas e aldeias para longe poderem sobreviver à injusta fome tantas vezes na Pátria condenados, embora trabalhando sempre, de manhã ao anoitecer,
Pelo Direito à Palavra e pela Liberdade
Pelo despertar da nossa Consciência Cidadã para uma boa interpretação do valor e peso da Liberdade com todos os direitos que confere e todos os deveres que em cada um deve despertar
um Viva aos Capitães de Abril, os Capitães do Futuro!
Viva o 25 De Abril!
Viva Portugal

Marília Gonçalves

Marília Gonçalves disse...

CARTA A MEUS FILHOS


Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-1a.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.


JORGE DE SENA

Portugal
(1919-1978)

Anónimo disse...

Os capitães de Abril agiram em Portugal, com bondade, inteligência e respeito incomensuráveis.
Os documentários referentes ao 25 de Abril de 1974, apresentados nos vários canais televisivos, alimentaram em mim, o respeito e admiração pelos grandes seres humanos que são os Capitães de Abril na sua importantissima intervenção na história de (e da liberdade em) Portugal.

Abraço e eterno obrigado,

Pierrot le fou