terça-feira, 14 de julho de 2009

UM PORTUGAL QUE TRANSPORTO NO MEU INCONSCIENTE : O TRISTE E "PIG " PORTUGAL BUFO.




Nos idos de 1997, quando aluno do curso de sociologia, no ISCTE, na cadeira de sociologia do desenvolvimento, tive a ousadia ou a burrice (nestas coisas vou ficando velho, mas nunca aprendo a matéria da simulação. De facto devo estar a uns bons desvios padrão do comportamento cínico conveniente – um desastre para mim -, e, neste passo, quero recordar o homem do cachimbo, a sua pose majestosa e o seu discurso fulminante, Carlos Candal. Até à eternidade, irmão!) de ter uma opinião diversa dos grandes mestres que formulam teorias de educação, através dos processos de socialização que conhecemos, e que provocam tantos recalcamentos, ansiedade, depressões e sei lá mais o quê.

Bem! Olhar a nu estas realidades, parece que permitem dizer que todos estes processos estão equivocados , porque não se dirigem ao homem real, mas ao homem virtual, o conveniente, o torturado pelas regras dos que criam as normas.

Defendia e defendo que os psicólogos e os sociólogos e todos os que conhecem o ser humano deveriam proclamar que o que interessa é descobrir o homem real, nos termos que Freud definiu, ou seja, o homem que nos habita no inconsciente, e, por isto, fui colocado no índex da boa ciência sociológica, o mesmo já me tinha acontecido no mesmo ISCTE numa cadeira da professora Filomena Mónica, bela professora, toda adiantada aos tempos, a dar aulas de bota alta. Linda de morrer. Meu Deus que prazer e dor, naquelas aulas! Mas como não há bela sem senão, lá estava um, o de ler aquelas fichinhas de leitura em papel. Lembram-se, uma “estupada”, mas aqui o pomo da discórdia foi Raimond Aron e as suas teorias, quanto aos males gerais e universais da industrialização.


Ora, sendo assim, pensando que o homem real é o que habita a zona inconsciente do nosso self, fico muito preocupado com os meus sonhos, e hoje vi que ainda transporto no meu inconsciente um certo Portugal “PIG”. MY GOD!

Sonhei deste modo: estava numa fila do metro à espera de transporte, quando um homem meio curvado e que me pareceu já bastante idoso para ter estado na guerra de África, de um momento para outro, começa a contar, com uma certa piada, histórias da guerra colonial. Logo lhe dei toda atenção do mundo, o que sempre faço nestas circunstâncias. Á minha frente estava um casal de adolescentes, a rapariga dava atenção ao que o homem contava e o rapaz não. Falava o homem, fazendo gestos, como em dada noite receberam um camarada todo molhado. Tinha a sua piada, o modo como contava.

Entretanto uma senhora fala num pintor célebre e o homem disserta sobre cultura, ainda dei mais atenção, porque vi que era culto, e quando alguém culto fala, calo-me e oiço religiosamente, em silêncio. Tenho também a atitude de, quando o assunto permite, provocar alguma interactividade e de ser menos sossegado, por vezes, mesmo irrequieto. Todavia quando são assuntos que não domino e têm interesse o meu silêncio é de oiro. Contudo com esta intervenção abriu-se uma roda, e alguém disse que assim é que era democrático. Todos podíamos participar.

O tema seguinte foi das multinacionais. Tomei a palavra, e disse que as suas sucursais por Portugal eram os braços de um grande polvo que a todos nos escravizava. Quando assim falava, logo a rapariga que lançara o mote e que parecia não muita interessada nesta afirmação, quis distribuir o uso da palavra. Protestei que queria completar o raciocínio, o que fiz com grande veemência, dizendo que éramos escravos desta gente que pagavam o que queriam aos trabalhadores, transferiam a parte mais substantiva dos lucros para a empresa-mãe, e que era no pais, onde, estava a sede que se pagavam os impostos, o que era um acto vergonhoso.

Enquanto me emocionava vi a rapariga “ burguesa” a me voltar as costas, e passei a ficar no meio de vendedoras ambulantes de etnia cigana, mas como depois de me emocionar sou sempre bem educado, também o fui no sonho, pedindo desculpa por ter feito um mini comício, e preparei-me para abandonar o local .

Mas eis, se não quando, um individuo se coloca à minha frente e mostrando todo o seu poder, através de um telemóvel, me ia dizendo, pois, pois, comício! Frase que repetia, gesticulando de um modo visível e ostensivo o braço que transportava o telemóvel, como a querer afirmar todo o poder na capacidade de denúncia deste aparelho.

Nestes andares, quando ia subir as escadas do metro para sair, o Homem corta-me a passagem, e com todo o seu poder de bufo diz-me que não podia sair sem antes chegar a policia. Olhei para o nojento do bufo, pensei nos meus direitos constitucionais e apeteceu-me entrar em vias de facto com o “porco”. Só que também pensei que atrás de mim tinha todas as ciganas para o secundarem, então, inteligente ou cobardemente, para evitar sarilhos, acabei com o sonho ou com o pesadelo, e acordei chateado.

Como penso que o inconsciente está cheio de razão, como o referi no início e já o disse na universidade, o que, me valeu passar de melhor aluno na cadeira a pior, é este um Portugal que, por expiação, transporto no fundo de mim próprio, e , assim, sei que este Portugal mata muitos sonhos ou transforma-os em pesadelos, e sei ainda mais, que os sonhos são, por vezes, premonições. Todo este caldo, basta para imaginar como, enfim, dialogo com a LUA de Prata, quando o Sol se põe.

PORTUGAL.

andrade da silva

2 comentários:

Marília Gonçalves disse...

CANÇÃO DE ALANDROAR





Aquela branca flor de alandroeiro

era a única luz do alandroal.

Nem a lua rompia o nevoeiro

nem o sol punha um riso matinal.



Ali reinava a treva o dia inteiro.

Ser de noite era um estado natural.

Não duravam as flores no canteiro

e apodrecia a água no canal.



O vento ameaçava, em tal berreiro

que tremia de medo o canavial.

Trovejava o relâmpago certeiro

zunindo como um látego infernal.



Tal o rancor, o ódio verdadeiro

a abater-se em torrente no local,

que até mesmo o impávido coveiro

pedia ajuda aos mortos do coval.



Mas o povo sorria, prazenteiro,

numa beatitude divinal.

Bailava e patinhava no lameiro

indiferente aos dentes do chacal.



Os homens riam com olhar rafeiro

e as crianças, em saltos de pardal,

vinham brincar com ossos no palheiro

e mascarar a dor de carnaval.



Foi quando rebentou a flor. Primeiro

era um botão, um tópico, um sinal.

Depois desabrochou e, logo, um cheiro

a espaço aberto dominou o vale.



Vieram as crianças a terreiro

entoando cantigas de natal.

Veio o pastor, o cavador, o oleiro,

o almocreve, a ceifeira, o maioral.



Uma flor branca abriu ao povo inteiro

o clarão de uma esperança universal.

Amainou a água turva do ribeiro,

deixou de ser agreste o matagal.



Estoiraram foguetes no outeiro,

repartiu-se irmãmente o pão e o sal.

Já se apertava o braço ao companheiro,

abriam-se olhos negros no olival.



Eis que, lá longe, surge um cavaleiro

galopando veloz, branco de cal,

num corcel negro a deslizar ligeiro

como nuvem em pleno temporal.



Aproxima-se mais o viageiro

(esqueleto emergido do coval).

Traz na boca um sorriso traiçoeiro

e, a tiracolo, o ódio no bornal.



Desembainha um arrepio. Ligeiro

esconde-se nas sombras de um portal.

Desfere um golpe. E a flor do alandroeiro

cai, desfeita de dor, no lodaçal.



Um grito de alma ecoa no terreiro.

Um pesadelo instala-se, brutal,

quando a flor branca rola no ribeiro

e parte, envolta num palor mortal.



No mesmo instante, a meio de um junqueiro,

brota uma flor de sangue, sem igual.

Desde esse dia de ódio derradeiro

nunca mais ninguém riu no alandroal.


Carlos Domingos
30 Dezembro, 2008 21:44

Marília Gonçalves disse...

Poema em resposta ao Alerta dos Homens de Abril



O Monstro

Que voz o silêncio em eco levanta
Tremenda feroz gelada sombria
Que nos fecha a mão
nos cala a garganta
E torna a manha gélida,
mais fria
Que vozes de túmulo
Há tanto caladas
Levantam ao cúmulo
O pavor dos dias
E tornam opacas
As brandas paisagens
E tornam as noites tredas
E vazias
Quem anda por dentro
Dos sonhos que temos
Semeando algemas
Que são dessa cor
Em que se amalgamam
Os prantos as penas
Nesse sofrimento
cada vez maior
Em nome de quem
Que monstro severo
Traz em seu sudário
De horrendo luzir
As asas cortadas
Do loiro canário
Que livre pelos ares
Ouvíamos rir
Quem é que nos chega
do mundo dos mortos
com baba de réptil
colando-se em nós
e faz sementeira
no solo que fértil
construímos limpo
sem peias nem pós


na ronda dos dias o povo
cantava
cantando bailava
bailando não via
que o monstro rasteiro
pelos ares espalhava
essa pestilência
de que ele vivia


enquanto a manhã
não amadurar
a luz que se infiltra
nos olhos ao fundo
o monstro escondido
ainda tentará
cobrir de seu bafo
o tempo perdido
e calar o Mundo.

Marília Gonçalves