Impenitente aprendiz, registo os sinais da memória vigilante. Aqui, é um caminho sem pressa de chegar; alí, é um valado bem guardado de silvas, amodorradas ao sol, enquanto as suas amoras amadurecem a saborosa guloseima da passarada; além, é o monte silencioso, no abandono da terra; mais além, em todo o derredor, é o azul, numa campânula celeste de parada beleza.
Ah, Se fores ao Alentejo, / não bebas em Castro Verde, / que as fontes cheiram a rosas / e a água não mata a sede.
O silvo de um comboio corta o silêncio. Os carris rasgam a imensidão das herdades. São raras as povoações que serve neste percurso ferroviário do Barreiro à Funcheira. Muitas das estações ficam a uma distância de quilómetros. Algumas já foram desactivadas e, ao abandono, arruinam-se. O critério que determinou o rasgar desta Linha de Sul não teve seguramente a finalidade de servir as populações. Assim foi no século XIX, assim foi no século XX, assim continua neste século XXI.
Aqui, as minhas primeiras idas a Lisboa eram uma aventura: de churrião, cumpria os quatro quilómetros da vila até à estação, estação que foi desactivada, se a memória me não trai, na década de sessenta do século XX. Hoje, para utilizar a linha férrea, terei de cumprir seis quilometros, de táxi, até à estação mais próxima, situada noutro concelho.
Uma maravilha de serviço público!
Há cerca de ano e meio, devido a internamento hospitalar de minha mulher, em Évora, durante um mês, utilizei, diariamente, o transporte colectivo rodoviário. Apenas de segunda a sexta-feira, por não haver esse transporte aos sábados, domingos e feriados.
Outra maravilha de serviço público!
Este é o país real.
Até sempre!
Gabriel de Fochem
4 comentários:
Caro Augusto
Muito obrigado por partilhar connosco as suas memórias de um Alentejo de outros tempos que infelizmente em muitas zonas não beneficiou com a melhoria dos serviços públicos, inclusivé na àrea da emergência médica.
Sabiamos destas coisas, quando a CS estava zangada com Correia Campos, hoje como fez as pazes com Ana Jorge, nada se sabe, mas espero que tenha melhorado.
abraço
asilva
Boa noite, meu muito prezado Andrade da Silva!
Infelizmente, não falo do Alentejo de outros tempos, mas deste que vivo agora.
É de hoje o Alentejo dos «montes» abandonados, das terras aramadas e em pousio deliberado, dos transportes públicos deficientes, etc.
Reitero-lhe o convite para passar aqui um fim-de-semana. Espera-o uma casa modesta, mas cordial, e uma hospitalidade amiga.
Grande abraço.
José-Augusto de Carvalho
Caro Augusto
Tenho andado mais por zonas da raia e do Algarve e com alguma satisfação vi mais terrenos cultivados de oliveiras, mais pelos espanhois.
Julgava que este movimento tivesse sido mais intenso,é com muita dor que leio o seu testemunho, embora soubesse do abandono das terras e dos montes pela nossa gente, julgava que a conquista espanhola seria mais profunda.
Agradeço o convite e nunca estranharia a humildade, vivo em igual ambiente, além de que já vivi muitos dias e até natais debaixo de telhados alentejanos, nomeadamente na casa de um grande amigo o Ti Jaime de Vendas Novas que aoa 82 anos me dizia que a sua maior alegria tinha sido o 25 de Abril, para ele que nunca fora pai.
Enfim o Alentejo de hoje é igual ao de outros tempos....
Muito obrigado
abraço
asilva
Vem!...
Poeta meu irmão
do mundo inteiro
está a sombra a doer
tu és o companheiro
de múltiplo segredo
por colher.
Poeta meu irmão
põe-te a caminho.
há uma encruzilhada...
é preciso vir devagarinho
surpreender a estrada.
Poeta meu irmão
irmão de todos!
De todos os poetas
por nascer
há à nossa volta
hirsutos lobos,
querem comer.
Poeta meu irmão
e companheiro
de horas amargas...
vamos rasgar no nevoeiro
estradas mais largas.
Poeta meu irmão
o ser humano
pede passagem
vamos num verso
10- todo o pano
dar-lhe coragem.
Vem!
Poeta meu irmão
está a sombra a doer!
Caminha companheiro
é chegada a hora de vencer.
Marilia Gonçalves
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