sexta-feira, 13 de novembro de 2009

DOS DIAS GLORIOSOS DO 25 DE ABRIL E DA NOSSA ESCOLA PRÁTICA DE ARTILHARIA (VENDAS NOVAS)

( escola prática de artilharia vista por uma criança)


CARO CAMARADA DE ARMAS ARTUR




Como tu agradeço aos deuses terem-nos posto na mesma rota.

Quanto ao teu comentário no post, " Caravela e Casquinha", naturalmente que seria uma falsa modéstia não dizer que me reconheço como uma pessoa que não se rende, que luta pela justiça, que ama o próximo, que do 25 de Abril conheceu mais os seus cardos, que foi mandado para Madeira para que a Flama, através do bombista Firmino cumprisse a sua missão, ou seja, me eliminassem, do que em 27 Março 76, em exposição escrita, dei conhecimento ao governador militar da Madeira, brigadeiro Azeredo, que pura e simplesmente me mandou "passear", e resolver o problema como pudesse que depois me ajudaria.

Nesta deriva de ódio, pós 25 de Novembro de 75, os avós do actual estado de coisas, em Abril de 1976, um grupo com cerca de quinze marginais, os Diabos à Solta, cercou-me para me espancar e mesmo matar, tive de me defender. Resultado foi preso por dois anos por agressão com arma ao bando que entre si se matavam, mas eles, para o juiz Alfredo Rui Gonçalves Pereira, homem que Marcelo, ao que diziam, recusou para os tribunais plenários, por ser um “ carrasco” eram os cidadãos exemplares, eu, não, portanto condenou-me, muito embora, o juiz Presidente desse tribunal, o 3º Tribunal Militar, Coronel João da Cruz Novo, tenha dito aos meus advogados Dr. Xencora Camotim e Goucha Soares e a mim próprio que eu estava inocente, o que era mais que evidente.

Esperaria que antes da morte este juiz se confessasse e declarasse a verdade que o poder de, então, esqueceu, nomeadamente, o Conselho da Revolução e o Sr. General Eanes que como Chefe do Estado Maior do Exército me mandou para a Madeira. Depois de me ter recusado a embarcar por duas vezes, das razões porque me recusei dei conhecimento pessoal ao Sr. General Eanes e ao Vasco Lourenço, mas nada disso valeu.

Ainda devia ser preso mais uma vez por ordem do Sr. General Garcia dos Santos, ao que dizem capitão de Abril, por ter apresentado pedido de escusa dos Srs. generais do Conselho Superior de Disciplina do Exército que com base num processo feito contra mim, por causa da minha intervenção legal na Reforma agrária, e louvada pelo Coronel Torres de Magalhães, por ser um militar sempre disponível para as missões difíceis, facto verdadeiro, me queriam expulsar do Exército.

A manobra era fácil, o que antes fora heróico, levou a que indivíduos sem rosto, tenham revertido para acusação que era um oficial ao serviço do PCP, calúnia miserável e evidente já na altura, e cada vez mais, se olharmos para o distanciamento como a hierarquia do PCP sempre me tratou, embora com grave injustiça, porque de um modo abnegado servi as populações alentejanas de quem mereci grande amizade, e que na sua maioria eram comunistas. Mas nunca a ninguém perguntei pelo cartão, e ajudei a proteger latifundiários e sobretudo os ceareiros do Couço – vistos como tiranos e capatazes cruéis e desalmados ao serviço dos grandes proprietários.

Tudo isto para dizer que os cardos que ferem quem procura servir o seu Povo em liberdade e no amor vêm de muitos lados, assim, é mutilado, ofendido pelos fascistas, mas também muitas vezes é injustiçado pelos que dizem estar ao serviço do Povo, da Liberdade, da Fraternidade e da justiça Social.

Seja como for, nunca me afastei destes princípios e deste caminho, mas só posso fazer o que posso, vou ladrando, uivando, porque também a democracia que ajudei a fundar, denunciando já em 1972 a podridão do fascismo, regime mais podre que o actual, é surda, inacessível para os que a servem, e só dá ouvidos aos burgueses instalados, como Marcelo Rebelo de Sousa, ou ao Sr. António Barreto, responsável pela legislação pró-latifundiários que pariu, em nome da qual o Alentejo foi em termos militares literalmente ocupado, pela GNR, do que resultaram dois mortos, um deles um rapaz de 17 anos com o nome frágil e trágico, de Casquinha, pesadelo que todos parecem querer calar, porquê?

Mas seja como for, de tudo resta o SOL que encontro na amizade e nas palavras generosas de camaradas de armas, como as que escrevestes no teu comentário, nas de outras pessoas amigas, como as do grande combatente da liberdade António de Matos, poeta magoado, com quem estava quando me encontrastes, de Maria José Gama, de Jerónimo Sardinha, de centenas e centenas dos meus soldados que muitos não sabendo escrever lá disseram deste homem que vos escreve - justo, amigo exigente, muito duro na instrução.

Reconheço os louvores e as queixas, mas a grande verdade é que os estimava e sempre a todos tratei como pares entre pares, enquanto cidadãos, o que está bem patente nas sobre-recompensas e na punições por excepcional excepção que atribui. Puni ao longo de 40 anos de profissão, 4 vezes, e em três não tinha nenhuma alternativa: estava em causa um roubo provado, uma ausência repetida ao serviço, outra, uma agressão por um soldado a um sargento na guerra, em Mucaba, o que poderia ser objecto de julgamento em tribunal com uma pena mínima de 2 anos de prisão.

E de tudo restará sempre a expressão de amizade que vejo nos encontros que a vida vai permitindo com as pessoas do povo do Alentejo, como o poeta Alentejano Filipe Chinita, e de toda a parte, com os meus antigos camaradas de armas como tu, Artur, o Campos, o Firmino Mendes, o Pauleta, os, então capitães de Abril Ferreira de Sousa e Castro Pires, todos da Escola Prática de Artilharia, o Celestino ( Mucaba/Angola), o Berto e o Daniel com estes dois últimos estive em Lumbala Velha, Angola, e que fazem parte, desde 71/72 dos meus diários de guerra. Fi-los na guerra e na prisão.

Caro Camarada de Armas Artur

O teu comentário levou-me a falar de mim, faço-o sem nenhuma vaidade, os que me conhecem sabem que tenho orgulho em ser quem sou, em ser reconhecido pela gente gloriosa de Portugal, mas todos sabem que somente me sinto um cidadão entre cidadãos, mortal, plebeu, vivo de acordo com o estatuto dos plebeus remediados, amigo do amigo e que não entende a injustiça social e luta contra tanta maldade.

Ao fim e ao cabo um entre iguais, que tem algumas histórias para contar e muitas outras para ouvir, o que fazia exactamente no dia que me encontrastes. Naquela altura ouvia o Matos que me quis falar pelo facto de eu ser o Andrade da Silva, e ele querer relatar algumas das suas feridas, ouvi-o. Embora por razões diversas sofremos os picos dos cardos, o que me leva a compreender muito os seus gritos de alma e a sua dorida poesia.

Mas nunca nada poderá pôr em causa a grande Gesta do 25 de Abril. Hoje há sombras, mas está nas mãos do Povo dissipá-las, e, por isso, me bato em todos os espaços,todavia tenho de reconhecer que estou emparedado, como muitos outros, por dogmatismos, incompreensões, verdades absolutas, caminhos únicos, oportunismos, cobardias, hipocrisias de dimensão brutal que fazem deste país um lamaçal, onde, falece a liberdade de pensar, servir e amar fora das cartilhas estanques, sendo este autismo o principal e mais grave mal deste dias de vésperas.



Caro amigo Artur

Muito Obrigado pela tua generosidade e amizade que me levou a falar destas coisas que, pelo menos, podem interessar aos amigos.

Abraço fraterno para ti e todas as amigas e amigos

Asilva.
PS: Não posso deixar de referir-me nestas andanças de Abril e pós Abril, o já muito antigo companheirismo de Isabel Pestana, Madeirense dos sete costados e filha do Coronel Pestana do assalto ao quartel de Beja, e que antes visitara o pai na prisão, e depois do 25 de Abril, este seu amigo na prisão da Trafaria, muita outra gente me visitou a Modesta do Couço, o Inocêncio de Vendas Novas, a Quinita de Almada, a Luis João, o Gen Fabião, o Gen. Vasco Gonçalves,o Otelo, o Ferreira de Sousa e a mulher que foram incansáveis e muitos, muitos outros a quem estou eternamente agradecido, e ainda nestes tempos que correm a Marilia, poetisa e combatente por Abril destemida e vigorosa, a Sandra e a Lidia que me apoiam neste modo chão de dizer estas coisas.
A todas e todos aquele abraço de Abril, e como todos sabem se falo é por um impulso moral e ético, porque o que mais desejo é calar-me. Diria também " este não é o meu reino", mas talvez por esta percepção ainda não me tenha calado, porque também penso que este Portugal não é o país de muita gente quer dos que emigram, quer dos que cá dentro sucumbem e desesperam.

5 comentários:

Anónimo disse...

CARO JOÃO,

O seu Camarada Artur tem razão. Muitos dos seus comentadores não o conhecem. Estão longe de imaginar o seu heróico percurso militar. Foi muito bom, que este seu Camarada, que o conheceu há largos anos atrás e que desde então o admira pelas suas qualidades de integridade e verticalidade, tivesse conseguido que o João transmitisse finalmente a todos uma pequena imagem do que foi a sua vida ao serviço da Pátria. E,igualmente, ao serviço do seu semelhante, por quem manifesta sempre uma constante preocupação, em virtude das conturbações e vicissitudes que o mundo em geral e Portugal em particular atravessaram e atravessam.
O João fez bem em ter-se dado a conhecer, bem como ao seu passado, quer na Guerra, quer na luta por um país melhor, onde a mesquinhez e a inveja não deveriam ter lugar e onde se desejaria que a Liberdade, a Fraternidade e a Paz, a par da Justiça Social, fossem a realidade desejada.
Contudo, isso não basta para o conhecerem na sua essência. Era preciso conhecerem-no de perto para assim terem a noção da sua enorme sensibilidade e de constatarem que a sua escrita , não significa uma mera utopia literária, pelo contrário, corresponde à sua prática de vida onde impera a lealdade, a perseverança na permanente preocupação pelo sofrimento dos outros ,o empenhamento na defesa de justas causas, na permanente magoa e preocupação pelo sofrimento dos mais desfavorecidos a quem, por se tratarem de minorias, não têm força de expressão, ou seja na sua luta e empenhamento por um mundo melhor, onde o Sol ao nascer abrangesse todos por igual.
João, sinto-me privilegiada por o ter conhecido e fazer parte do seu núcleo de amigos. Obrigada e continue sempre com a coragem, que por todos lhe é reconhecida, a fazer ouvir a sua voz e a ser, como até aqui, igual a si mesmo, autêntico e assertivo.
Amigo Abraço
Maria José

Anónimo disse...

Andrade da Silva
Esta manhã enviei-lhe o Comentário e saí de imediato. Entretanto ao relê-lo apercebi-me de que lhe devo um pedido de desculpas e uma rectificação. Pois assinei só Maria José. Isto aconteceu porque no meu pensamento estava a dirigir-me ao Amigo que antes de o ser e de o conhecer pessoalmente, já o conhecia e admirava por ter acompanhado o seu percurso militar e de delegado do MFA pós 25 de Abril, através de um comum amigo também Capitão de Abril e hoje igualmente Coronel. Tenho, pois, muito gosto em identificar-me, como sempre tenho feito.
Amigo abraço
Maria José Gama

andrade da silva disse...

Cara Maria José Gama

Agradeço a sua generosidade, mas sobretudo quero sublinhar a sua coragem, pois que nada a obrigava a tão nobre manifestação do seu pensar e sentir, para além de um muito obrigado, não há mais palavras em qualquer enciclopédia para exprimir a minha gratidão. Muito Obrigado.
abraço amigo
joão

Alexandre Júlio disse...

Caros Militares de Abril!

Ao entrossamento da vossa luta heróica, com povo genuíno de país, se deve o 25 de Abril de 1974.

Era eu uma criança de apenas 13 anos, quando vós militares de Abril, inrromperam das trevas, libertando o povo que viveu amordaçado, 48 anos de fascismo.

Tive o privilégio de conhecer e admirar o então Cap. Andrade da Silva, que era o nosso herói na defesa da Reforma Agrária em Montemor.
Com o meu pai, fundador da UCP Maria Machado, no concelho de Montemor-o-Novo, acompanhei todo o desenvolvimento desta UCP, cheguei a ser seu trabalhador, partilhei a imensa alegria, entusiasmo, de centenas de pessoas que nela viram pela primeira vez ser reconhecido o resultado do seu trabalho, sem exploração, nem opressão, sem ditadura.

Foi sem duvida a mais bela conquista de Abril, mas que incomodava muita gente, que apressou o seu fim, onde os militares que nela estiveram envolvidos, como vós, acabaram por ser silenciados, humilhados, amordaçados, espezinhados e por ultimo marginalizados, mas a história e o povo desta terra jamais vos esquecerá.

Temos que voltar a entoar bem alto a palavra de ordem, "O Povo Unido jamais será vencido!"

Obrigado Artur, obrigado Andrade da Silva, obrigado militares de Abril, por tudo o que fizeram por este povo genuíno do Alentejo!

Bem hajam, e a luta continua!

Alexandre Julio

Anónimo disse...

João Celestino

Caro amigo Coronel A. Siva

Foi no longo ano de 1972 em que nos conhecemos em Mucaba/Angola, tempos de Guerra no Ultramar Português, e eu ao ler este seu texto da sua vida, não poderia ficar indiferente.

1º Durante a sua permanência naquela Cart.3452, o Senhor foi sempre um Ofícial com uma forte personalidade, exigente, (às vezes a roçar o duro) e era respeitado por toda a Hieraquia Militar.

2º Quando um Juiz ou um Colectivo de Juises, tem na sua posse provas que comprovam a inocência de qualquer Cidadão de qualquer seu crime, o mesmo terá ( deve) ser absolvido, até mesmo em caso de duvia, segundo está escrito no Codigo do Processo Penal, mas o que é mais inacreditável é que o Juiz Presidente tenha uma conversa com os Advogados e com o proprio Arguído, informando-os que as provas da sua inocência são mais do que evidente, isto significa que o Colectivo de Juizes já tinham decidido o veredito da sentença, e por este motivo é que o Presidente do Colectivo se antecipou a dar a informação aos seus Advogados de Defesa e ao Senhor, mas no dia da leitura da sentença, hà um volta-face do veredito relativamente ao antecedente, esta é a leitura que eu faço do texto.

3º Um ser humano de qualquer parte do mundo,que cometa um crime em legitima defesa, ele comparece em Tribunal tranquilo, porque sabe que está inocente, e ainda mais quando se recebe uma noticia não oficial, (que é o caso do Senhor) que as provas da sua inocência são evidentes, ele sente que se fez justiça, e no dia da leitura da sentença o veredito é diferente do esperado, o que é que acontece ? é um desmoronamento total da sua vida, assim como o dos seus familiares, e não hà mais palavras, existe sim a revolta dos seus sentimentos perante a justiça que não se fez, e nunca mais na sua vida vai acreditar na JUSTIÇA DOS HOMENS.

4º Agora pergunta-se o que teria acontecido para existir este volta-face ?.

Haveria grandes pressões pessoais (politicas) sobre o Colectivo, por o conectarem com o PCP,Flama ?.

Estas são as minhas duvidas, perante o volta-face.

OS HOMENS TAMBEM CHORAM/PELA VERDADE DA JUSTIÇA/E OS HOMENS TAMBEM SE ABATEM.

Mas como eu conheço bem o Sr. Coronel, tenho a certeza absoluta que não se deixou abater por esta injustiça.

Um abraço Celestino