segunda-feira, 19 de abril de 2010

VIDA:BELEZA,HONRA E SACRIFÍCIO.


Quando a montanha basáltica, coberta de verdes, tapa o Sol Nascente, a minha terra, a Madeira, diz-me sempre que daí a algum tempo, esplendorosamente, lá no cimo da Montanha o Sol brilhará. Sabemos que é assim, quer perante os aluviões, quer face à morte. Somos Madeirenses


Escrever nas presentes circunstâncias tem duas dimensões, em mim, como com outro qualquer ser humano, uma catártica, nunca nenhum de nós está suficientemente preparado para partir para sempre, nem ver partir um seu ente querido. Todos amamos muito o outro para aceitar tal desenlace, mas por esta dimensão ainda me poderia calar.

Todavia, há uma segunda que julgo que tem carácter moral, partilhar a minha experiência individual com os pouco que me lêem, para melhor conhecerem a realidade do outro e, se possível, ainda melhor compreenderem e conhecerem o Mundo, o outro e as contra- curvas da vida, o que, deveria servir para uma melhor valorização do Amor e da vida.

As amigas e amigos que me lêem e me conhecem sabem da minha profunda formação religiosa – católico praticante, com frequência quase diária à missa das 7h da Igreja do Bom Jesus, no Funchal, ( Funchal que hoje- dia da festa das flores- já não quis ver na TV, não só pelo écran estar sujo com aquelas personagens, mas também por ser, hoje, terra de dor, para a minha família), até aos meus 17/18 anos.

Nas missas comungava, fiz dois cursos de cristandade para jovens, rezei imensos terços com os braços em cruz, alguns em noites de Inverno junto à imagem de Nossa Senhora no Terreiro da Luta, freguesia do Monte.

Deixei de ser católico, depois de ser secretário diocesano da juventude escolar católica, porque o padre Vidal do centro académico do Funchal facultou, durante umas férias grandes, o acesso daquele centro aos meninos de bem da juventude católica, chefiados por um meu colega de origem belga, pai do secretário de estado do turismo no anterior governo do PS, o Sr. Trindade, hoje, dono de uma cadeia de hotéis na Madeira, contudo ao meu grupo de pelintras recusou-o. Para nós o Centro estava encerrado para obras.

Para mim , ontem, como hoje, uma organização que discrimine positivamente os ricos e desfavoreça os pobres é IGNOMINIOSA, NOJENTA, DIABÓLICA, e, sou alérgico a estas podridões. Afasto-me destes malfeitores.

Na minha vida sempre preferi cumprimentar por engano as mãos sujas de um maltrapilho ladrão de galinhas, a simular deferência e apertar as mãos enceradas de um matador de gentes, nações e terras.


Todo o património de vida que devo honrar e quero honrar, é também da minha família, ser religioso ensinou-me a minha mãe, deixar a Igreja Católica também aprendi com os meus pais que me ensinaram a ser coerente, a desprezar os vilões e a amar, respeitar os pobres, os meus irmãos, nunca desistir, lutar sempre e nunca se dar por vencido, ser honesto, ter orgulho, nunca se curvar perante a injustiça, e, por isto, lutaram, à sua maneira, até ao último segundo.

Das muito poucas coisas grandes e maravilhosas que guardo da Igreja Católica, como agnóstico, refiro a vida de Cristo, e alguns mandamentos da lei de Deus, como: honrar pai e mãe e amar ao próximo, como a nós mesmos.

Sempre entendi na minha vida e aos outros transmiti que em cada momento honrar pai e mãe, seria em todas as circunstâncias na vida e na morte daqueles, fazer o que fosse justo, e lhes desse alegria, orgulho, honra e felicidade, e, assim, foi sempre no seio da minha família, onde, somos iguais entre iguais.

Na minha família nunca houve nenhuma hipervalorização dos nossos sucessos, nem nenhuma tragédia perante os nossos insucessos. Enfrentámos sempre a vida como algo de muito belo, com muitas contra-curvas, muitas mesmo, mas como madeirenses sabemos que, por vezes, as montanhas tapam o sol nascente, mas não o matam. O sol nascente brilhará sempre, mais tarde, ou mais cedo.

Na minha família, com a minha mãe à frente sempre tomamos as mais difíceis decisões com os corações despedaçados, mas decidindo, sempre.

Em 1963 é tomada a decisão da minha mãe e irmãs partirem para o Brasil, onde, o meu pai se juntaria depois de ser promovido a major e passar à reserva. Com 15 anos de idade fico em Portugal, porque queria ser militar, era a minha formação patriótica que me levou à Mocidade portuguesa e mais tarde à Academia Militar

Também me rebelei na Mocidade Portuguesa, e por defender outros tive processos disciplinares, travei lutas tremendas contra um professor do liceu, o Dr. Brás, que, como professor de filosofia, me deu 19 valores na prova oral do 7ªano. Homem que adivinhou o meu futuro: " És um às ( na organização),- dizia - mas vais ter um futuro muito complicado por causa da tua maneira de ser". Pudera três dias depois este homem expulsa-me da organização de que era director.


Todavia neste ano de 1963, depois da minha mãe partir para o Brasil, o meu pai baixa ao Hospital da Estrela em Lisboa, com um cancro. Morre e é enterrado em Loivo, terra de seu nascimento, e um seu filho está na Madeira, outras no Brasil, não o acompanhamos. A vida…

Caiu-nos o Carmo e a Trindade em cima, e a minha mãe decidiu regressar a Portugal com as minhas irmãs, e a vida foi acontecendo e dos escombros nascemos, e hoje somos o que somos.

Também aprendi com a minha família e com a minha mãe que honrar pai e mãe era sobretudo em cada momento, independente das circunstâncias fazer o que fosse justo e mais lhes aprouvesse, e, no caso da minha mãe, nestes momentos, horas, dias, semanas ou… que antecedem a sua partida definitiva, todos sabemos que a sua preocupação nunca estaria centrada em si, nunca, ela é mãe, nós seus filhos e sabemos do seu altruísmo e das suas preocupações que estarão TODAS, sobretudo centradas na grande desprotecção que a minha irmã residente na Madeira sentirá.

Nós o sabemos e contra tudo, por entre terramotos, mortes e vidas, destroçados, chorando, ranhosos, exangues cumpriremos esta sua vontade, a sua maior e talvez única vontade apoiar, apoiar, apoiar, apoiar, apoiar, apoiar sempre, sempre a nossa irmã que viveu todos os dias, todas as horas, segundos durante 60 anos com ela, e, enfim, pensava, sempre pensou, que a mãe era eterna, apesar de já estar bastante doente há 3 anos.

Todavia esta mulher tem o seu coração a bater forte. No pico do AVC tinha uma tensão arterial de 11 -8, o que, pelo menos, ao nível dos conhecimentos do pessoal das ambulâncias era inesperado.

Disto nada sei, mas sobre a sua vontade e altruísmo sabemos quase tudo, são sessenta e dois anos de vivências, aprendizagens, cumplicidades, onde, quase nunca houve divergências, somos gente de paz, amantes do Belo, do Sol, das Serras, do Ar, do Mar, por tudo isto até o AVC a vencer, a minha mãe só queria o contacto com a rua, o que, lhe foi sempre proporcionado. Agora, acabou, a natureza venceu a natureza de uma MULHER REBELDE, ETERNA.

A vida, a montanha basáltica e verde que tapa o Sol Nascente… mas o Sol Nascente Brilhará….

Embora tenha tantas vezes revelado que à morte … à morte… à morte…. daria a morte, como às doenças e ao ódio, sei que o Sol nascente não se apaga, nestas horas finais e depois delas, surgirá segundo novas formas. Os nossos espíritos estarão tranquilos.

Vida! Mesmo no epicentro de um terramoto continuo a proclamar quanto te amo, e também a agradecer-te os pais e as irmãs que me destes.

Vida também te rego com as minhas lágrimas. Viverás sempre e contigo a minha mãe e o meu pai, e toda a gente generosa, sobretudo aqueles velhotes perdidos e abandonados por terras com belos nomes como Abela que sobrevivem em 2010 com pensões miseráveis de dezenas ou poucas centenas de euros.

A vida….

andrade da silva

15 comentários:

Jerónimo Sardinha disse...

Isto...
não tem comentário!

Tem introspecção, silêncio, meditação e um profundo, muito profundo, sentido de humanidade e humanismo.

O meu Grande e Fraterno Abraço para ti, Andrade da Silva.

Jerónimo Sardinha

Jerónimo Sardinha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marília Gonçalves disse...

Grande Abraço Amigo e Companheiro
toda a minha amizade consigo
todos somos humanos seres, pena é que haja tantos desumanos
Sentida e amiga
Marília

Marília Gonçalves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
andrade da silva disse...

abraço
asilva

só planície disse...

joão
nesta hora tão difícil penso em ti. também já passei por momentos desses, não há muito tempo. são difíceis mas o sol vai nascer e brilhar novamente. e todos os dias. apesar da nosso dor. mas se te faz bem escreve. nós vamos ler-te.
um grande abraço

Anónimo disse...

Caro amigo
Força nesta hora. Esta sua mensagem toca o coração de todos os que amam. Como eu o compreendo.

Um abraço,
Saul Laranjeira

andrade da silva disse...

Rosalina e Saul
abraço
asilva

Anónimo disse...

João li com muita atenção este teu desabafo, é nas situações mais complicadas das nossas vidas que , mostramos aquilo que mais NOBRE temos dentro de nós .Obrigado João por nos teres mostrado a tua alma . Coragem ,a vida continua e tudo vai correr bem .um grande abraço F . Santos

Francisco santos disse...

João li com muita atenção este teu desabafo, é nas situações mais complicadas das nossas vidas que , mostramos aquilo que mais NOBRE temos dentro de nós .Obrigado João por nos teres mostrado a tua alma . Coragem ,a vida continua e tudo vai correr bem .um grande abraço F . Santos

andrade da silva disse...

Caro amigo Francisco
Abraço
asilva

Anónimo disse...

Andrade da Silva,
Este seu escrito mais do que catarse expressa um lindo Hino de Amor e até de Gratidão à Vida, aos seus Pais e Irmãs, à Amizade, bem como a todos quantos são alvo das suas preocupações.
Nesta ocasião de sofrimento e de mágoa pelo estado clínico de sua Mãe, que sabemos ter sido um extraordinário exemplo de altruísmo e de coragem, estou certa de que a sua força interior o vai ajudar a manter-se de espírito tranquilo e que, como madeirense fervoroso, o Sol Nascente brilhará sempre para e em si, Joâo .
Com um forte abraço de grande solidariedade e amizade
Maria José Gama

andrade da silva disse...

Cara Maria José Gama

Obrigado pela amizade e profunda compreensão da natureza humana e conhecimento das pessoas, pois é verdade, nunca escreveria este texto ou outro por catarse, nunca. Abri sobretudo o meu espirito para poder ajudar também a outros que se encontrem ou possam vir a estar em contra-curvas da vida.
abraço
asilva

Isabel Pestana disse...

O meu grande grande beijinho João. Sei o que estás a sentir, infelizmente.

Marília Gonçalves disse...

Amigos

infelizmente o desaparecimento de um ente querido é sofrimento que todos partilhamos mais tarde ou mais cedo.
Por mais rodeados que estejamos é sempre acompanhado se sentimento de solidão, mesmo se a dor é partilhada com outros membros da família
nos momentos mais trágicos de nossas vidas sentimo-nos impotentes e sós
Quando a idade avança em nós,já presenciamos a morte de muitas das pessoas de quem maus gostávamos, e a cada vez nos sentimos perdidos e abandonados. Nada mais torna a ser igual! Outra vida, outra forma de olhar vai em seguida preenchendo o vácuo, sem que se apague nunca da nossa memória e do nosso sentir, a indelével marca de quem partiu, depois do lugar, do papel fundamental que desempenhou em nossa vida!
é tudo a reaprender e com o tempo até ao sentido da festa.
Mas a vida tem muita força e principalmente quando temos descendentes, outras alegrias, diferentes, mas tão intensas como as que perdemos vão reacendendo no nosso olhar a luzinha por um tempo perdida
Por isso nestes momentos apenas podemos clamar toda a nossa solidariedade, que por mais intensa, nos primeiros tempos de dor será imperceptível
Sei por experiência que nenhuma palavra no pode consolar ou dar ânimo em tais momentos, mas que passado o tempo parado, é-nos grato saber que a amizade esteve constante por perto
a minha fraterna estima
Marília Gonçalves