Vós que lá do vosso Império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um Mundo novo a sério.
Porque será que nós temos
na frente, aos montes, aos molhos,
tantas coisas que não vemos
nem mesmo perto dos olhos?
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão
Uma mosca sem valor
Poisa c'o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
Morre o rico, dobram sinos;
Morre o pobre, não há dobres...
Que Deus é esse dos padres,
Que não faz caso dos pobres?
Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer
Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão felizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.
Quantas sedas aí vão,
quantos brancos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!
Se os homens chegam a ver
Por que razão se consomem,
O homem deixa de ser
O lobo do outro homem.
Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
O Homem sonha acordado,
sonhando a vida percorre...
e desse sonho dourado,
só acorda quando morre.
Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.
António Aleixo
3 comentários:
Os poderosos podem de algum modo estar descansados porque menos de 1milhão de portugueses os interpelam quanto a um mundo justo.
Bem mais de 9 milhões quer é saber dos trocos para a aquisição do lixo made in china feito com braços, mãos e neurónios de que jorra sangue.
abraço
asilva
Grande poeta e grande alma em que as dificuldades da vida foram o despertar do dom:
“Entra sempre com doçura
A mentira, pr’a agradar;
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar.
Se te censuram, estás bem,
P’ra que a sorte te perdure;
Mal de ti quando ninguém
Te inveje nem te censure!”
Um abraço
Luzia
Luisa
Quanta razão, quanta verdade na poética da realidade nua e crua de Aleixo.
Quanto saber e tanta razão
asilva
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