quarta-feira, 7 de julho de 2010

PORTUGAL ESTÁ A AFUNDAR-SE !


Eis a notícia que era tão previsível…

Há poucos dias, ouvia-se o Governo a afirmar que o desemprego teria dado sinais de estabilização. É verdade que, segundo os dados oficiais, isto passou-se ao nível da União Europeia, mas no caso português trata-se de uma mentira bem grave. A verdade é noticiada dia 2 de Julho pela CGTP-IN, segundo os dados oficiais do EUROSTAT: Portugal encontra-se com uma taxa oficial de desemprego de 10,9%, nada mais nada menos que o valor mais elevado dos últimos 30 anos, a quarta maior taxa de desemprego na União Europeia.

A partir deste resultado, que é meramente o oficial – não esqueçamos que, periodicamente, os registos daqueles que procuram emprego são actualizados conforme é, ou não, renovada esta procura (ou seja: mesmo que uma pessoa continue desempregada, se não renovou o seu pedido de procura de emprego, deixa de ser considerada oficialmente uma pessoa desempregada), e que os conhecidos valores não oficiais (então publicados pelo INE, designados por “taxa de desemprego em sentido amplo”), que se aproximavam muito mais da realidade, deixaram de ser publicados vá-se lá saber porquê! –, podemos chegar à conclusão, penso, de que as medidas de austeridade propostas pelo Governo em cortar salários, congelar pensões, pôr fim ao subsídio de desemprego, entre outros, são o sinal claro de que o caos está para breve. Apesar da fama do povo português em ser “sereno”, acredito que, com a fome que se aproxima, a eventualidade (ou inevitabilidade…) de espoletarem convulsões sociais fora do sistema de uma intensidade e dimensão imprevisíveis, não estará tão distante, quanto muitos dos leitores podem pensar.

Com o aumento do desemprego, veremos o aumento inevitável da criminalidade – deixemo-nos de ilusões ou utopias: não são apenas alguns estrangeiros que se encontram em Portugal que propiciam este problema. E o factor desemprego vem trazer sérias consequências para além das sociais: refiro-me, obviamente, às económico-financeiras.

Um desempregado é menos um trabalhador a contribuir para a economia e para as finanças portuguesas: é menos um contribuinte, visto existir legislação fiscal que define o valor mínimo de matéria colectável para que um cidadão seja um contribuinte fiscal (artigo 68º do Código do IRS); é menos um trabalhador que desconta para a Segurança Social (o que propicia a falência deste serviço, que é a garantia de todos termos pensões no fim da vida); é mais uma despesa para o Estado (pois ainda tem direito ao subsídio de desemprego, à saúde, e no caso de familiares também lhe assiste o direito à Educação, entre outros constitucionalmente consagrados); o poder de compra do desempregado é nulo, e todos os efeitos que o factor desemprego desencadeará aos não desempregados irá provocar, também, a diminuição do poder de compra aos últimos… enfim: temos um “efeito bola-de-neve” que aumenta em conformidade com o aumento da taxa de desemprego.

Sobre isto, recordo um poema de Bertold Brecht, cuja moral é a seguinte: se não nos preocuparmos com aqueles que nos rodeiam, além de não termos quem depois se preocupe connosco, fará com que o Estado declare falência – e depois assistimos às situações que ouvimos nos meios de comunicação social de países como a Islândia (sem alimentos) e a Grécia (com as manifestações – mais que justificadas).

Este facto seria, e é, corrigível de outras formas que não as propostas tão erradamente pelo Governo; senão vejamos os factos: os bancos não pagam o real valor pelo qual são tributados em sede de IRC, as grandes empresas igualmente não pagam o real valor anunciado pelas Finanças… não discordo que os salários e regalias dos popularmente designados por “políticos” – num sentido mais rigoroso, é daqueles que são nomeados para a Assembleia da República, para o Governo e para a Presidência da República) – mas esse corte seria insuficiente face à realidade nacional.

E é essa mesma realidade que vemos ocultada à população. E esta deveria ser a notícia de maior destaque em qualquer meio de comunicação social… mas o próprio povo conforma-se em verificar que no lugar de ser incomodado e de se incomodar psicologicamente com estes factos, a comunicação social dá-lhe o prazer de saber os resultados dos jogos de futebol, das visitas clericais, de assistir à missa de domingo pela televisão, de assistir aos crimes praticados aos touros (pergunto-me que mal fizeram os touros a este mundo para merecerem tanta tortura!), e dos anúncios de vendas de produtos estrangeiros em Portugal, entre muitos outros deleites (também aprecio um bom jogo de futebol, mas não é por aí que deixo de pensar no meu país, e não é graças à vitória ou derrota de uma equipe num jogo que Portugal sofrerá alterações nos campos sociológico, económico, político e financeiro).

E aproveito esta deixa para acrescentar: é verdade que comprar ajuda à economia nacional… mas vejam bem o que compram, pois a aquisição de produtos estrangeiros apenas prejudica ainda mais a situação grave em que nos encontramos. A título de exemplo, a dívida pública externa portuguesa é das maiores do mundo, num valor equivalente a 250% do PIB. Como vamos pagar a dívida contraída? As medidas do Estado até podem ser eficazes, mas implicam uma máxima há muito conhecida: “Os ricos não querem pagar? Matem-se os pobres!”. E é esta mesma máxima que não podemos nem devemos aceitar por parte do Estado. E apesar de poderem ser eficazes, são excessivamente insuficientes.

Com a Revolução dos Cravos, Portugal ressuscitou – segundo as palavras de Ary dos Santos. Mas uma coisa é certa: as portas que Abril abriu já estão semi-cerradas, e o país já se encontra num estado de coma profundo (desde Novembro de 1975 que só tem piorado). Enquanto é tempo, é urgente fazermos a diferença. E esta só pode ser feita sem quaisquer preconceitos e eleitoralmente.

Fernando Barbosa Ribeiro

11 comentários:

andrade da silva disse...

Caro Fernando

Sob os auspicios do dia, hora seguinte ao do 2º aniversário entrates nesta canoa da liberdade. Bem vindo a bordo, os mares estão encapelados, mas o jeronimo é marinheiro, e talvez, por isso, não colocou o barco a afundar-se espero que coloque outro.Abraço a ambos
asilva

andrade da silva disse...

afinal o barco, salvo seja, o navio estava lá, mas havia nevoeiro e não vi.

Fernando Barbosa Ribeiro disse...

Antes de mais, devo agradecer e muito aos amigos Jerónimo Sardinha e Andrade da Silva por esta oportunidade em poder participar activamente nesta "canoa da liberdade", como muito bem o Andrade da Silva disse e cito. É com muita honra que entro nesta canoa que, desde que a conheci, tanto admiro. Ao Andrade da Silva, de quem sou amigo há pouco tempo, por me ter convidado a tal e ter aprovado a minha proposta para publicação, e ao Jerónimo Sardinha, por o ter publicado.
Um enorme e fraterno abraço a ambos. Pela Liberdade SEMPRE!
VIVA O "LIBERDADE E CIDADANIA"!

Marília Gonçalves disse...

A Todos os Antifascistas
À memôria de Vicente Campinas
À memória de Ary dos Santos
Às suas Vozes de Combate

Acuso

Pela fome dos camponeses
pelo ventre de Catarina
pelos dias, anos, meses,
incendiando a campina
pelas crianças famintas
pela sede de cultura
pela vossa feroz chacina
meio século de noite escura...
Por todos os que sofreram
por todos os que cobardes
não tinham alma com olhos
em Maio todas as tardes!...
Pelas crianças sem escola
pelos vossos hospitais
na hipocrisia da esmola;
por calarem os jornais!...
Pelos presos numa jaula
em dias de escuridão
pelo ping-ping endoidando
os detentores da razão!...
Pelos povos colonizados
pelas unhas arrancadas
pelos cigarros apagados
nas pálpebras condenadas!
Pelas famílias destruídas
pelo livro não publicado
pelos operários fabris,
pelos jovens estudantes
que adivinhavam Abris
- no segredo agonizantes-
pelas vidas emudecidas
no desmaio, na loucura,
por milhares, milhares de vidas
às mãos da vossa tortura!
Por todos os prisioneiros
pelo nome de meu pai
cada antifascista morto
entre lágrimas choradas,
pelo olhar absorto
das mulheres violentadas!
Pela palavra proibida
Pelo nosso Portugal
de carne e alma traída
pela máquina fatal!
Pela vossa infame doçura
enganando o povo incauto
../..



por Alex, pelos amigos
cansados, mortos, em perigo;
pelo velho Vasconcelos
que era enfermeiro dos pobres
à miséria condenados,
pelos presos no Tarrafal
na frigideira queimados!
Pelo povo de Portugal!
Pelas guerras coloniais
por nossos filhos perdidos
sem saber porque razão
eram mandados meninos
matar ao longe um irmão!
Pelas terras abandonadas
pela esperança do emigrante,
pelas tradições caladas
na morte de cada instante!
Pelas aldeias sozinhas
quase despidas de gente...
Pelas velas dos moinhos
que cessaram de girar
porque do Algarve ao Minho
havia choro no mar!...
Pelas vozes que se calaram
dentro do seu próprio lar
como se nem as paredes
as pudessem abrigar!...
Pela mente das crianças
embalada pelo sono
do aniquilar da esperança!...
É que minha voz se eleva
a gritar todos os prantos
a tentar erguer da treva
a voz do Ary dos Santos!

Marília Gonçalves

Fernando Barbosa Ribeiro disse...

Excelente contributo, cara Marília.
Agradeço a partilha deste poema, que tanto diz em tão poucas palavras.

POR ABRIL SEMPRE!
VIVA O 25 DE ABRIL!

FASCISMO NUNCA MAIS!

Fernando Barbosa Ribeiro disse...

O poema a que eu fiz referência:

"Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei.

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo."

(Bertold Brecht)

Jerónimo Sardinha disse...

Caro Fernando Barbosa Ribeiro,

Bem vindo a tão tormentosa barca, mas, barca de ESPERANÇA, embora com o desalento de tantos e tão sofridos anos.

Verifico que é um admirador de Brecht, o que na sua idade e com o défice de cultura escolar actual se torna um marco magnífico.

Nunca foi tão oportuno este poema-acusação de Brecht.
Enquadra-se como uma luva nos sentimentos da nossa gente e muito especificamente nos tempos actuais.

Gostei do texto e da sua construção.
Gostei principalmente do sentir o Portugal/Povo, não escondendo a acusação de culpas. Prometo que falaremos mais sobre o assunto à medida que nos for possível e oportuno. Muito, muito há a dizer e muito mais para dar a conhecer sobre o que nos conduziu a esta triste realidade. Ah! e sobre muitos dos actores, que bem disfarçados, sempre julgaram passar por democratas e libertários, escondendo ( ou nem tanto) a sua verdadeira faceta.
Como diz o Andrade da Silva, "coisas"!!!

Um abraço solidário. Fique connosco. Não está em sua casa... a casa é sua.

Com a amizade do,

Jerónimo Sardinha

Fernando Barbosa Ribeiro disse...

Caro Jerónimo Sardinha,

É bem verdade que admiro Brecht, mas considero, para mim pessoalmente, um exagero dizer-se que é um marco magnífico... (o Andrade da Silva sabe bem como é a minha maneira de ser...) - mas concordo plenamente quando diz que existe um enorme défice cultural escolar, que tentei combater e continuo a combatê-lo ao máximo. Uma barca de esperança num mar onde nos deparamos com inúmeros adamastores... e onde nos sufocam as vozes de muitos Velhos do Restelo...

Muito infelizmente, o poema-acusação de Brecht é sempre extremamente adequado. Enquanto perdurar este sistema caduco, será sempre adequadíssimo, enquanto persistirem as acentuadas diferenças sociais e, citando o «Manifesto Comunista», "a robotização da humanidade" e a "desumanização do ser humano", será sempre adequado. A cara Marília Gonçalves também colocou aqui, neste espaço de comentários, um igualmente adequadíssimo.

Modéstia à parte, ainda tenho uma mentalidade à muito em vias de extinção que é a de "eu aponto o dedo aos culpados sem medo", a de "a mim ninguém me cala" como disse recentemente Mário Crespo. Desde Novembro de 1975 que assistimos ao "investimento" na eliminação da cultura, na eliminação dos direitos conquistados em Abril, no adormecimento da intervenção das massas, do próprio povo português, enfim: "coisas"... como relembrou e muito bem o meu amigo Andrade da Silva.
Tantos que sob uma máscara e um "manto diáfamo" nos tentam enganar (conseguindo enganar muitos...), realizando as chantagens patriotas que adolfos, benitos, antónios, caetanos e franciscos fizeram apenas para proveito próprio e dos seus comparsas, e receio bem o regresso dos seus descendentes... que aliás se torna cada vez mais óbvia a sua aproximação do poder.
Tanto que lutámos (isto é, que os de Abril lutaram, e que nós - os que não se rendem - fazem por dar continuidade, apesar das turbulências) por um Portugal melhor, e agora vemos um tsunami de imbecilidade a afogar todos os imprescindíveis dessas lutas... e que nunca poderemos aceitar de forma alguma!

Sinto-me em casa, por cá continuarei com enorme prazer. A Luta será fustigante, mas vale sempre a pena, e é com muito amor ao meu país e ao povo português que a prossigo, tentando, assim, homenagear todos aqueles que também lutaram por nós no passado, e aqueles que lutaram e ainda lutam por nós.

Um enorme e fraterno abraço!

Fernando Barbosa Ribeiro

andrade da silva disse...

O barco, os tubarões,os velhacos,os traidores, os que vendem portugal a retalho,os principes que gostam do conforto poderão afundarem-se nas suas contradições e nojos, mas esta pequena canoa ,porque é canoa e foi feita para sulcar as ondas ferozes,iluminada pela lamparina da razão manter-se-à no rumo e rota certas por Abril,pelo Povo Português, pela liberdade na Europa, no Mundo e em Portugal.

Abraço fraterno para todos.

Dois anos de águas mexidas e de muita coisa prevista que depois aconteceu, e de que vamos falar, dão algum traquejo.

Seria importante que muitos mais não esquecessem de se meter ao mar revolto que não passa só pelas manifestações, mas também pelo debate persistente e alargado das ideias, sem nunca esquecer 5 milhões de portugueses que não votam PS, PSD, PCP, BE ou CDS e necessariamente são cidadãos,então porque NÃO VOTAM?

abraço
asilva

Devir disse...

Belíssimo texto, caro amigo Fernando Barbosa Ribeiro!
Luís Almeida

Fernando Barbosa Ribeiro disse...

Caro Andrade da Silva,

Já vi a minha ideia para um futuro texto para partilhar convosco neste blogue "roubada" - e acho piada a esse facto, literalmente desatei-me a rir quando li o comentário. É verdade, há muito que "mordisco" o cérebro (para ser franco, desde as eleições que deram a primeira vitória ao actual PM que penso nisso, e hoje tenho uma tentativa de explicação para o facto, bem como alguns esclarecimentos a realizar a todos os leitores, independentemente de se absterem nas eleições ou não).
Canoa, pequena "gaivota", barquinho a remos ou a motor... desde que se mantenha à tona, é uma luzinha ao fundo do túnel (salvo seja!) de esperança por um país melhor, daí sentir-me bem e em casa neste blogue, no qual espero vir a conseguir participar mais vezes.

Caro amigo Luis Almeida, agradeço imenso o comentário, fico extremamente lisonjeado!

Um enorme e fraterno abraço a todos!