segunda-feira, 2 de julho de 2012

A VISÃO DE UM CIDADÃO COMUM XXII ( A problemática dos Genéricos… )



                                                               Nota Editorial:  
“Publica- se este texto em que o nosso amigo Nuno narra um conjunto de diálogos absolutamente incríveis que nos podem bater á porta, quando nos dirigirmos a uma Farmácia. Como o Nuno refere há um grande número de farmacêuticos em quem podemos confiar, o que, neste campo felizmente é o meu caso, mas é importante conhecerem-se experiências negativas para estarmos de sobreaviso.
Todavia a  situação nos Hospitais do SNS continua a agravar-se, na quinta-feira, 28 de Junho, um antigo fuzileiro Naval que combateu em África dirigiu-se ao Hospital de Almada  para a uma 2ª intervenção a tumor maligno no cérebro, e foi mandado para casa por falta de camas vagas, sem data marcada para a intervenção, como será  o futuro deste homem, por causa deste adiamento, nada lhe foi dito e quem se importa por estes factos que vão matando silenciosamente?


Depois de uma semana a disfrutar de uma merecida pausa das minhas obrigações laborais retomo o contacto com os leitores deste espaço. Este texto não seguirá a linha editorial que venho a seguir ao longo desta minha colaboração com a AOFA pois precisamos todos de uma pequena pausa da actual conjuntura macro financeira e social que vivemos.

Este texto relata uma situação do quotidiano nacional que vivi a semana passada ao tentar aviar uma receita para uma familiar e que de certa forma, mesmo sendo uma situação aberrante quando analisada sobre um prisma deontológico e ético não deixa de ocorrer diariamente e talvez em centenas de casos resultando um prejuízo nos cofres (vazios) do Estado Português e nas carteiras (ainda mais vazias) dos cidadãos Lusos.

Comecemos pelo princípio para enquadrar melhor a situação que mais à frente se irá desenvolver: a minha familiar além de diabética, tem hipertensão crónica e colesterol elevado. Após as últimas análises a minha esposa (não lhe chamarei companheira porque acho a expressão infeliz) decidiu passar a acompanhar clinicamente a senhora.

Após analisar a situação clínica, atendendo não só às indicações do Ministério da Saúde mas também à situação económica da doente optou por prescrever os medicamentos genéricos mais baratos do mercado indicados para o quadro específico.

A situação concreta:
Quando nos deslocámos à farmácia mais perto da nossa residência enquanto a minha esposa aviava a receita notei que ia ficando com uma expressão facial cada vez mais carregada: Como sou naturalmente curioso e protector dos meus aproximei dela e indaguei o que se passava de errado, ela retorquiu que a farmacêutica que a estava a atender estava a colocar medicamentos genéricos de marca diferente daquela que teria prescrito e que eram mais caros... lá aguardou que a sra. farmacêutica acabasse de colocar os medicamentos todos no balcão e iniciou-se o seguinte diálogo entre ambas:

- Desculpe, mas os medicamentos que me está a dispensar são diferentes daqueles que constam na receita.

(farmacêutica)- Não, minha sra., são a mesma coisa, são medicamentos genéricos com o mesmo principio activo mas de outra empresa. Não tenho aqueles que foram prescritos e o preço destes são os mais baratos do mercado...

- Ah sim... e quanto custa o genérico X1 que me está a dispensar? E o Y1?

-O X1 é 7,00 € e o Y1 são 22,00€ - respondeu a farmacêutica com ar de enfado devido à fila que se formava.

- Pois tinha ideia que o medicamento X prescrito não passava de 1,60€ e o Y de 2,60€...

- Impossível! Até pode ver aqui no computador se quiser, os medicamentos genéricos que tem à frente são os mais baratos do mercado.

- Deixe estar, não levo nada. Devolva-me a receita sff.
Saímos da farmácia com a minha esposa furiosa e revoltada, argumentando que não se podia ter enganado daquela maneira, no que se converteu rapidamente num monólogo:

- Como é que posso confiar no sistema informático do hospital se não tem os valores correctos? Os meus doentes bem se queixam que muitas vezes os medicamentos genéricos que passo estão esgotados e que os que existem não estão ao alcance das suas magras reformas e salários?

Um pouco cansado do monólogo que se repetia vezes sem conta sugeri que fossemos a outra farmácia para tirar as dúvidas, assim fomos e eu a continuar a ouvir o monólogo...

Chegados à farmácia, fomos atendidos por uma jovem farmacêutica que começou por dizer que não dispunha os medicamentos genéricos prescritos mas se quiséssemos poderia substituir os mesmos por outros medicamentos genéricos ou em alternativa encomendar os que estavam prescritos. Aqui
começou um daqueles diálogos que nunca pensei ouvir pois a minha mulher detesta e faz tudo para que não tenha de revelar a sua profissão:

- Vou ser sincera consigo, acabo de vir da farmácia X e o que aconteceu foi isto (passando a descrever o sucedido), fui eu que passei a receita e tenho a certeza do valor que os medicamentos genéricos apresentavam no sistema informático do hospital. Peço, por favor, que me confirme os preços dos medicamentos que prescrevi (enunciando-os de seguida), o preço daqueles que tem para me dispensar de outra marca e aqueles que me foram colocados à disposição pela sua colega na outra farmácia.

- Com certeza dra... sim todos os valores que me indicou estão correctos e aqueles que a minha colega lhe pôs à disposição não se encontram nos 5 genéricos mais baratos do mercado. Como a dra. certamente sabe actualmente somos obrigados a ter em stock, no mínimo, 3 medicamentos de cada grupo homogéneo (mesma substância activa, forma farmacêutica e dosagem), de entre aqueles que correspondem aos cinco preços mais baixos e, destes, dispensar ao utente o mais barato.

- Muito bem e o que tem actualmente em stock?

- Tenho o genérico X2 cujo preço é 1,90€ e o Y2 cujo preço é mais caro 10 cêntimos do que aquele que prescreveu. Em relação ao medicamento genéricos K não tenho em stock mas dentro de 3 horas estará cá, isso se quiser.

- Muito bem, sendo assim e já que temos de aguardar pelo medicamento genérico K. Encomenda-me o X e o Y também?

- Certamente.

Saídos da farmácia, tendo pago no total 29 euros e alguns cêntimos muito diferente dos 90 e muitos euros que teríamos desembolsado na primeira farmácia, rumamos novamente à farmácia inicial onde após identificar a situação e exigir o livro de reclamações fomos confrontados com um sem número de solicitações para não reclamar e de justificações «técnicas» miseráveis numa situação que parecia uma autêntica novela mexicana e que durou mais de 2 horas!

As justificações só por si só poderiam originar mais um rol de reclamações de tão estapafúrdias e chocantes que eram: começando pela farmacêutica pedir desculpa e que lhe dissemos onde tinha errado para que não acontecesse no futuro, passando de seguida para o argumento do erro informático, afirmando que tinha de vender os medicamentos que existiam em stock na farmácia e era impossível ter os 5 medicamentos genéricos mais baratos em stock dada a sua reduzida margem de lucro. Que a culpa era do gestor financeiro que não comprava os medicamentos... acabando numa súplica que o seu posto de trabalho estaria em causa se a reclamação formal avançasse, argumento que a directora técnica já tinha utilizado quando lhe foi transmitida a noticia via telefone pelos seus subordinados.

Chegados a este ponto e, dado que me tinha limitado a ouvir em silêncio esta aberração achei que era hora de intervir e dirigindo-me a todos oprofissionais que se encontravam na farmácia (que entretanto já fechara as portas ao público) recordei-os do seguinte:

- Os senhores e senhoras (sim porque já não consigo ouvir a palavra doutor ou doutora mais uma vez) têm tal como os médicos que prescrevem um compromisso para com os doentes/utentes de cariz ético que não pode ser alienado por um acréscimo no vosso volume de vendas. As pessoas que aqui vêm muitas vezes são obrigadas a escolher entre comer ou comprar os medicamentos e muitas vezes entre a vida e a morte quando não podem comprar aquilo que lhes põem à frente. Como neto de um farmacêutico tenho vergonha que os titulares de tão nobre profissão aqui presentes se tenham convertido em meros vendedores, sem desrespeito para estes últimos. Vamos avançar com a reclamação por ter existido uma falta de profissionalismo gravíssima, tão mais grave é por não a entenderem.

Mas passo a explicar: a sra. não cumpriu a lei, ao não ter em stock os 3 genéricos mais baratos, voltaram a não cumprir ao não solicitar e obter o consentimento informado do utente, não colocou a hipótese de encomendar os fármacos, quando questionada mentiu descaradamente e de uma forma arrogante para efectuar uma venda, não respeitou a lei ao querer vender um medicamento mais caro que o receitado, mas acima de tudo violou a confiança que o cidadão deposita num profissional de saúde.

Assim terminou a saga de aviar uma simples receita, que caso não estivesse efectuada por alguém devidamente informado teria um custo 300% superior ao efectivamente pago. Este texto não é ficcional, e ainda aguarda um desfecho por parte do Infarmed (a entidade responsável pela fiscalização do sector).

Ressalvo que com o presente não pretendo diabolizar os profissionais de farmácia, porque acredito e conheço excelentes profissionais nesta área por quem nutro o maior respeito e amizade.

Tal como não pretendo glorificar a classe médica, muito menos a minha esposa, pois também existem bons, maus e muito maus profissionais como em qualquer ramo de actividade. Em relação aos medicamentos genéricos fica o alerta que embora o princípio activo seja o mesmo não são todos iguais, a começar pelo preço...aliás não compreendo porque o Estado Português não lança um concurso público anual/semestral para que hajam apenas um medicamento genérico para cada princípio activo e que o mesmo seja dispensado nas doses necessárias conforme acontece nos EUA.
Todos nós, como utentes e como cidadãos, temos a obrigação de nos informar sobre aquilo que nos é proposto em situações clinicas: questionando todos os profissionais que intervêm no processo e prestando especial atenção àquilo que nos é dado a assinar, exigindo informação e um tratamento de qualidade.

Para um conhecimento mais aprofundado deixo o endereço do Infarmed para posterior consulta:
www.infarmed.pt/portal/page/portal/INFARMED/MEDICAMENTOS_USO_HUMANO/GENERICOS.

Um abraço,
Nuno Melo
26/06/2012

Nota 1: Os medicamentos genéricos foram por mim denominados X, Y, K e os sucedâneos foram de X1, X2, Y1, Y2 para melhor compreensão do texto, não considerei importante indicar o nome real do principio activo pois a situação poderia ocorrer com qualquer um.
Nota 2: todos os valores expressos foram arredondados por defeito mantendo a sua real proporção entre si


PS:  BOAS VINDAS A NOSSA AMIGA REVOLUCIONÁRIA. TRAZ MAIS CINCO. Abraços.

Sem comentários: