quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Ao Capitão de Abril Andrade Silva


Capitão de Abril Andrade Silva
De família antifascista, em 1958 meu pai que pertencia ao MUD na época e que veio a pertencer ao PCP foi preso pela PIDE a 22 de Maio. Antes disso era chefe de escritório da Roche, na Rua Do Loreto n°10, com a prisão foi despedido e eu aos 12 anos tive que vender bolos e batatas fritas, a colegas e professores, às escondidas; porque a Mocidade Portuguesa mo tinha directa e formalmente proibido.
Sobrinha do Alex, do Comité Central e se não estou em erro um dos fundadores do PCP. Ainda eu não tinha nascido, por conseguinte as informações que tenho chegaram-me pela sua Viúva, Minha tia Josefa, já falecida e que esteve com o Alex e com mais alguém na clandestinidade.
O Avô que me criou, foi preso 25 vezes no total, uma das quais no Tarrafal tendo estado na “frigideira”.Tantas prisões em consequência do que lhe morreram duas filhas tuberculosas na flor da idade, uma com 18 anos.
Meu avô era ou tornou-se enfermeiro, na Penha de França onde vivia dava as injecções logo nos inícios da estreptomicina e como os doentes não tinham meios para a comprar, vendia ou empenhava do que tinha em casa, até do enxoval da mulher dele, que era excelente bordadora, pois havia sido educada num convento desde menina.
Meu pai despedido do emprego após a prisão, de saúde frágil, saiu com vómitos de sangue e nada mais pôde fazer.
Assim se justificam as minha vendas aos doze anos de bolos e batatas fritas que minha mãe e minha avó materna faziam noite fora.
Mas a saúde de meu pai agravava-se e o que ganhávamos era insuficiente, para fazer frente a todas as despesas de uma casa. Assim quando tive 14 anos minha mãe e eu viemos para França trabalhar.
A dignidade era a preocupação constante e trabalhamos duro, mas sempre de cabeça erguida. Com 15 anos tinha o pulso em permanência oscilando entre os 120 e 140
Abrimos caminho a meu pai, que foi ter connosco a França, onde quase de imediato lhe extraíram um rim, parte do estômago e parte da cápsula supra renal do outro rim. Ora como são as supra renais que controlam a pressão arterial, convalescente da operação; meu pai teve uma subida de tensão a 32, acompanhada de trombose e mais umas quantas complicações. Meu pai tinha uma força moral a toda a prova, quando saiu do coma começou a reeducação, com muito custo, mas com os anos foi recuperando o uso da perna e da Mao direitas, o que lhe permitiu recomeçar a escrever, embora com letra um pouco tremida.
O Ódio ao fascismo que vinha senão do berço, de muito tenra idade, foi-se sempre acentuando!

Assim,em 1964 ao bairro da lata de St Denis , perto de Paris ,chegavam imensos desertores
eu tinha dezasseis anos quando comecei a ir para lá como militante antisalazarista
morava não muito longe e através da Bourse du Travail (CGT) que dispensava um local para isso dava aulas de francês aos jovens desertores que iam chegando.
Certo sábado, a seguir ao almoço, porque ia por La muitas vezes entreter e conversar com crianças muito novinhas, ao chegar, deparei com o bairro da lata cheio de carros de polícia com polícias por todo o lado. Aflita e preocupada, inteirei-me do que se passava: duas criancinhas brincavam juntas
Uma de quatro anos e outra um bebé de ano e tal. O bebé tinha caído na improvisada e tosca fossa das necessidades e ali morreu afogado na porcaria. A pequenita de quatro anos, assustada, correra a esconder-se na barraca dos pai, debaixo do que lhes servia de cama e não havia quem dali a tirasse.
A Polícia queria interrogar a garotinha, para saber exactamente como as coisas se tinham passado.
Os meus dezasseis anos audazes, impuseram condições: vou buscar a menina,mas os senhores não lhe dirigem a palavra, se têm que fazer perguntas, fazer-mas a mim e eu traduzo a resposta que ela me der. A polícia anuiu um tanto espantada, diante duma miúda a quem eles não impressionavam nada!
A minha dor era o bebé morto e a minha preocupação a garotinha de quatro anos. Fui à barraca dos pais, acocorei-me de modo a espreitar para debaixo da cama, falei com a menina e ela confiou em mim, saiu donde estava, para vir para o meu colo donde não saiu mais até que a policia se fosse embora do bairro da lata. As coisas decorreram exactamente como estipulado, A Policia dirigia-se a mim, para fazer as perguntas, eu falava com a pequenita em português, ela respondia-me e em seguida eu fazia a traduçao para a policia. Quando deram por terminado o interrogatório,foram embora, não sem me olhar com o mesmo espanto diante da minha jovem idade.
Nessa época aos Domingos, distribuía o Avante, que era em papel de bíblia; finíssimo, e que iam escondidos entre o Jornal do PCF a Humanité Dimanche, passava ainda com amigos e meu pai que ia melhorando, outros jornais de militância anti salazarista.
Na mesma época entre os 16/17 anos ia também às horas das refeições ao hospital de Dt Denis, dar de comer a paralisados e a pessoas em final de vida, passava-lhes um braço por detrás das costas para as soerguer um pouco, depois de lhes ter posto em frente um enorme guardanapo.
Foi esta essencialmente a minha vida dos 16/17 anos, com excepção de certos domingos em que ia dizer poesia numa grande sala onde se juntavam os portugueses exilados, os desertores e alguns migrantes que começavam a chegar. Nessa mesma sala o Luís Cília Cantava as suas canções contra a guerra colonial e contra o fascismo. Foi aí, que nos conhecemos, vai em 50 anos.
Eu entretanto voltei para Portugal para casar, mas meu pai, permanecia exilado em França, passando por múltiplas operações e sem nunca ter recuperado a saúde, até que faleceu em 1985, depois de se bater durante anos pela vida com a coragem e a força que o caracterizavam, qualidades que lhe permitiram resistir a tanto!



Agora após a minha apresentação a que ainda faltam muitos pontos, falemos do 25 de Abril de 1974!
Como sabem todos os interessados o 1° Militar a sair do quartel com os homens, depois de prenderem o Comandante foi o então Tenente Andrade Silva. Foi com ele ainda no final do dia 24 de Abril, que as manobras começavam. Jovem entre outros Jovens os Capitães , traziam-nos nas mãos uma Luz apagada há décadas! Décadas de medo, de silêncio, em que o sofrimento era calado, em que o perigo se ocultava em cada ouvido onde quer que estivéssemos. E tal devia ser a fera que invadira Portugal, que de tudo o povo amedrontado se calava mesmo dentro de suas casas, onde não ousava nem pronunciar a palavra “política”
Em pouco mais de 24 horas, esses Jovens Capitães, libertavam Portugal do horror fascista, o que mais ninguém soubera fazer, nem ousara!
Havia uma forte Resistência, mas quanto a Revolução, nada!
Ano e meio depois, por responsabilidades partilhadas e ocultas, deu-se o 25 de Novembro! E a Luz , as conquistas populares, de Direitos laborais, cívicos, sociais, começavam a regredir. A Reforma Agrária, a conquista da terra por Quem a Trabalha começava a sofrer sérios ataques. A Direita reacionária e mais uns mascarilhas,  tinham-se organizado e conspirado contra Abril. E um jovem Capitão, Andrade Silva, entendeu, pôr a sua vida ao, lado do Povo do Alentejo, e justo e digno, defendeu a Reforma Agrária, ao lado dos que sempre haviam sido espoliados, mas tentando evitar excessos, cujas consequências, não se podiam prever, mas pressentir.
E por isso foi preso dois anos!
Por isso desterrado para a Madeira tentaram assassiná-lo!
Que isso possa ter acontecido a um dos Homens da Liberdade dos que nos ofertaram a Luz há tanto negada, que nos deram a possibilidade de beber Ar de o sorver, como nunca dantes havíamos feito, parece-me de tal modo absurdo e ridículo, tão ingrato como falto do mais elementar sentido humano para quem tal fez, que ainda hoje me custa mais a compreender que possam vir insultos, de quem apenas deveria ter abraços para com esse Homem, que tão jovem, deu mostras do lado a que pertencia, independente, mas sempre do lado do povo amachucado e sofredor.
Hoje é fácil ser herói! Mais admiro os que o foram, quando saindo para a rua, não sabiam, como diz o Próprio Salgueiro Maia, numa entrevista, o risco era aparecer baleado nalguma praia de Portugal
Por isso Capitão, eu, desde menina antifascista, presto-lhe a minha homenagem, simples, mas com o maior respeito, respeito que você e outros Capitães de Abril deviam merecer a todos os que hoje podem dizer o que pensam, mesmo quando é para insultar, um dos Homens que lhes deu o Direito à Palavra.
O Meu sentido Abraço Capitão!

    25 de Abril Sempre

    Espasmo interior
    ou revolta fulminante
    qual o nome para a dor
    vinda do meu tempo infante?

    algozes vis destruíram
    em feroz atrocidade
    os sorrisos que fugiram
    ao futuro da verdade.

    Antecedendo o dia luminoso
    eles mataram feriram sem remorso
    da tortura fazendo íntimo gozo
    curvando ao povo as almas e o dorso.

    Mas a alma do povo é resistente!
    De humilhações de feridas de peçonha
    que lhes fechavam as portas do presente
    em crueldade barbara medonha
    Ânimo erguido! Na luta na arena
    na solidão feroz de cada cela
    desprezando o sarcasmo da hiena
    caindo em bando sobre uma gazela
    o povo foi erguendo em cada nao
    a historia portuguesa do futuro:
    fez luz nascer da escuridão!
    Um jardim nascia no monturo.

    Marília Gonçalves

16 comentários:

andrade da silva disse...

marilia
Em nome de todos e meu um abraço. Tinha um comentário que a máquina esfomeada comeu. voltarei.
asilva

andrade da silva disse...

Em nome de todos obrigado.

De facto fui o 1º a chefiar uma equipa armada que tomou a unidade,a Escola Pratica de Artilharia no dia 24 de Abril 74, exactamente às 22 e 55,e ainda foi um feito maior porque sobre a hora tive de substituir o tenente mais operacional da unidade,um tenente comando que não se apresentou, por outro o menos operacional de todos os oficiais do Mundo - era genuinamente um pacifista - se tivesse cancelado a acção, atrasado outro poderia ter o resultado resultado do 25 de Abril, é um facto histórico, que já nos foi roubado,pelo, então, capitão Santos Silva, o que conhece a Associação 25 de Abril. Ta lcapitão naquele momento ausente que nada fez àquela hora, diz que fez tudo, isto é,que foi ele que deteve o comandante e o 2º comandante, no caso deste até descreve uma cena de ficção -uma vergonha, um vale tudo, e ninguém age.

Mas interessa sublinhar que se toda a luta contra o regime fascista é uma luta cheio de glória,.como relata e diz respeito à sua família o 25 de Abril, naquela noite e nas suas consequências e custos, de que refere alguns balizando a sua atenção e espírito de justiça foi um acto de uma coragem transcendente e que evitou ao POVO PORTUGUÊS o custo em vidas, como o que está a ter a conquista da liberdade no Egipto e em muitos outros lugares, e isto foi muito importante.

Também foi de excepcional importância o contributo que demos nos movimentos sociais como o da Reforma Agrária que mudou colectivamente a sociedade Alentejana e o destino de muitos filhos de trabalhadores agrícolas.

O 25 de Abril foi e continua a ser um acto de alto custo para os muito poucos que se mantêm na única trincheira que deveria ser a sua POVO-Militares de Abril,na luta contra as alarvices,o disparate, o crime de muitos, que assaltaram o poder parra destruírem Portugal e os portugueses, A luta pela , a Dignidade humana e o desenvolvimento têm de continuar, mas tem de ser mais global, pois há muito DNA nazi-fascista espalhado, por muito sitio, o completo fanatismo.

Marília Gonçalves disse...

abraço e creia como tanto o cantámos:
VENCEREMOOS, VENCEREMOS!!!!

Abraço
Marília

Anónimo disse...

Como é que envio uma mensagem ... ??? ... isto não publicou a minha mensagem ... !!! ... provavelmente não gostaram ... !!!

Anónimo disse...

Vocês tinham medo de irem para o Ultramar ... !!! ... essa é a verdade, e o resto é conversa ... !!!

Silva disse...

concordo integralmente com o comentário anterior

JCamilo disse...

Andrade e Silva, então tenente, foi meu instrutor em 1973, Vendas Novas.
Se alguém não tinha medo do ultramar, ele era um deles.
Se havia instrutores que que cumpriam o seu dever, preparar-nos para as situações adversas, que enfrentaríamos no dito ultramar, ele era um deles.
Extremamente exigente e igualmente justo.
Isto eu presenciei e vivi, durante os três meses, que duraram, a formação da chamada 'especialidade de pct de artilharia'
Cumprimentos, amigo A.Silva.
Um seu instruendo.

Unknown disse...

Também foi meu instrutor mas em 1974.
estávamos então aquartelados no destacamento contíguo ao edifício principal.
no dia 25 de abril de 1974 só me apercebi que algo não estava "normal" quando nessa amanhã acordei e não fui para instrução, como era habitual.
Na memória guardo os momentos de instrução (duros) e as brincadeiras noturnas que por vezes havia,intervindo nelas também Andrade da Silva, em lutas simuladas (no fundo tudo fazia parte da instrução).
O único camarada e que fazia parte do meu pelotão, de cujo nome me lembro tem por apelido "Preto". (Ah! e de um outro tenente cujo nome não me recordo mas guardo a imagem dos seus bigodes espantosamente negros "estilo Eça de Queiroz"!).
Não tenho saudades mas sinto nostalgia.
Que pena não poder inserir foto da entrada do pelotão no destacamento finda uma semana de campo, a ilustrar a instrução militar.
Não houve tempo para sedimentar amizades, mas deixo aqui um abraço ao militar Andrade da Silva.

David disse...

Conheci o Andrade Silva, na altura alferes, na Serra do Mucaba, em Angola. Nessa companhia operacional, eu era também alferes, estando em substituição do alferes Malheiro, falecido em consequência de uma mina anti-pessoal. Lembro-me que o alferes Andrade Silva fazia discursos patrioticos aos soldados lembrando-lhes a necessidade de defender Angola dos ataques terrorista. Como as pessoas mudam.....

Unknown disse...

Quando fiz recruta em 1985 na EPST, este senhor que CMDT de.companhia, mais tarde ainda o voltei a encontrar em Lisboa quando ele frequentava o CPOS.
Era um comandante muito exigente e que nos colocava sempre muita carga psicológica em cima, na altura ainda nos preparava como se depois tivéssemos que ir para as colónias combater!

NOAHHK Portugal disse...

Também me lembro do alferes Andrade e Silva na Damba para onde estive destacado durante 3 meses, vindo do Bembe junto com o meu grupo de combate do qual eu era alferes. Lembro- me de me falarem da morte do alferes Malheiro por detonar uma mina na Serra da Mucaba. A minha companhia C.Caç 1311 70/73 estava adida ao Batalhão da Damba.Também fiz operações na serra da Mucaba.Não tenho muito presente os nomes dos oficiais embora tenha bem presente as personagens. Nunca vi ou ouvi nenhuma contestação do Alferes Andrade e Silva ao sistema vigente naquela altura

andrade da silva disse...

É verdade não o podia fazer na parada fazia em aerogramas a pedir a sublevação dos tenentes tenho um diário de guerra. Um comandante não pode desmobilizar quem comanda seria condenação à morte. Abraço

andrade da silva disse...

Discursos para defender a pele,todavia em mucaba 3 meses depois chegar a ANGOLA IA PARA VENCER E DEFENDER PORTUGAL

andrade da silva disse...

Sim abraço

andrade da silva disse...

Uma verdade abraço não tive medo.

andrade da silva disse...

Duro e justo SIM. ABRAÇO