quinta-feira, 4 de março de 2010

Olhos de Poeta



poema à beira cais do desalinho

poema quase à margem desamor

poema a levantar pelo caminho

as águas estivais de cada flor.



Poema nessa força que completa

o ritmo febril do dia não

a modelar entre olhos de poeta

a luz a irromper na solidão



Marília

2 comentários:

Marília Gonçalves disse...

O Monstro

Que voz o silêncio em eco levanta
Tremenda feroz gelada sombria
Que nos fecha a mão
nos cala a garganta
E torna a manha gélida,
mais fria
Que vozes de túmulo
Há tanto caladas
Levantam ao cúmulo
O pavor dos dias
E tornam opacas
As brandas paisagens
E tornam as noites tredas
E vazias
Quem anda por dentro
Dos sonhos que temos
Semeando algemas
Que são dessa cor
Em que se amalgamam
Os prantos as penas
Nesse sofrimento
cada vez maior
Em nome de quem
Que monstro severo
Traz em seu sudário
De horrendo luzir
As asas cortadas
Do loiro canário
Que livre pelos ares
Ouvíamos rir
Quem é que nos chega
do mundo dos mortos
com baba de réptil
colando-se em nós
e faz sementeira
no solo que fértil
construímos limpo
sem peias nem pós


na ronda dos dias o povo
cantava
cantando bailava
bailando não via
que o monstro rasteiro
pelos ares espalhava
essa pestilência
de que ele vivia


enquanto a manhã
não amadurar
a luz que se infiltra
nos olhos ao fundo
o monstro escondido
ainda tentará
cobrir de seu bafo
o tempo perdido
e calar o Mundo.


Marília Gonçalves

Marília Gonçalves disse...

À Humanidade

No ritual do riso
Despe-se o olhar de sombra
Acumulado e triste.
Paraíso? Não existe!
Apenas este esforço esta vontade
De transformar o mundo
O mundo que nós somos
Tão profundo
Que o passo conseguido
é do passado e é vencido.
Mas esta teimosia irreverente
Esta consciência aguda de ser gente
Vai-nos soltar a voz
até ao grito!
Ah! Glória a todos nós por tanto gesto aflito
Por este tropeçar e prosseguir
Por este querer andar mesmo a cair
E levantar o mundo de amanhã.
Glória a todos nós
à Humanidade
Que leva ao peito a ferida d'ansiedade
E grita ainda que a espera não é vã.
Glória a ti pois. A ti
ó Homem que te elevas
Monstro parindo as suas próprias trevas
E nelas chora e ri.


Marília Gonçalves
do livro "À Procura do Traço"