segunda-feira, 7 de novembro de 2011

GRÂNDOLA SEM SONO REVIVÊNCIA A GUERRA COLONIAL



Em 29 de Outubro, numa noite sem sono, muitas concidadãos de Grândola encheram por completo a Biblioteca municipal de Grândola, para durante mais de três horas falarem e ouvirem falar da guerra colonial, numa iniciativa da Associação Zeca Afonso de Grândola,  com a cooperação da Câmara Municipal de Grândola.

A iniciativa contou com a cooperação de  José Ramos da Associação de Zeca Afonso,  Carlos Beato, antigo militar e presidente da câmara de Grândola, João Sobral presidente da APOIAR, José Manuel Fernandes, antigo oficial miliciano, e Mário Tomé, Santa Clara Gomes e a minha, como militares de Abril, para além da presença de uma vereadora da Câmara.

A vereadora, como mulher e, de um modo oportuno, falou do papel e sofrimento das mulheres portuguesas durante de depois desta guerra como mães, parentes, noivas e esposas, e estas mesmo, de alguns homens que já  não regressaram, e ainda recordou as  mulheres que hoje transportam algumas cruzes. Referiu-se ainda às enfermeiras para-quedistas

Os meus camaradas Mário  Tomé e Santa Clara Gomes falaram sobretudo das influências politicas nos capitães por parte dos oficiais milicianos,  das canções de intervenção e do ambiente politico geral  da oposição, o que, para eles foi mais evidente, face ao  exercício repetido das funções de capitães no comando de companhias ( grupos de cerca de 150 homens). 

Realçaram ainda centralidade das funções do capitão, porque para além do comando militar exerciam uma acção  de poder  militar sobre um vasto território civil. Para eles a falta de meios, o conhecimento de que as guerra  contra-subversivas estavam perdidas e a influência dos oficiais milicianos deram um grande impulso para a precipitação da inquietação militar que  levou ao 25 de Abril 74.

Santa Clara Gomes, como alguém que conheceu as agruras  de ter sido atingido falou da deficiência  por causa da guerra, tema que foi retomado  com maior profundidade por João Sobral referindo as grandes insuficiências  no apoio a estes concidadãos, e também ao facto da guerra em Angola não ter terminado em 74, mas sim em 75, e  que de 74 a 75  houve um recrudescimento da guerra naquela colónia, com um aumento significativo de feridos e mortos, o que, é geralmente desconhecido. Este facto era mesmo desconhecido por parte da mesa.

Carlos Beato falou da sua experiência militar e da honra que sentiu em ter conhecido,como militar Mário Tomé e ter participado no 25 de Abril 74, como adjunto de Salgueiro Maia, e, ainda, que foi a vida militar que o levou a Grândola, hoje, terra da sua eleição e coração.

José Fernandes  deu também testemunho do seu conhecimento internacional sobre o modo como em  vários países tratam os seus feridos de várias guerras, segundo ele,de um modo geral idêntico ao nosso. Todavia,  acrescento, como os militares gozam de outras protecções desconhecidas entre nós, em alguns países pode haver de facto diferenças.

Na minha apresentação, reportei-me exclusivamente à minha experiência pessoal, baseado no meu diário e num aerograma escrito em 13 de Novembro de 1972, da Damba/Angola, em que resumia, conforme a foto que publico, e equacionava três questões fundamentais:

1 - A guerra em 1972 era um beco sem saída e à beira da derrota militar. Sentíamos  todos essa frustração e esse cheiro. A curto prazo seríamos derrotados, sobretudo na Guiné de um modo desonroso e com uma perda de vidas significativo, nesse teatro de operações e por contágio, inevitável, nos outros. Acrescento, hoje,  seria a Revolução, o 25 de Abril 74, noutra data e por outros meios e custos mais elevados;

2 - O governo de Marcelo Caetano querer resolver o desgaste e a frustração dos militares  do quadro e dos milicianos, criando um quadro de capitães ou mesmo majores milicianos, para continuar a guerra, o que, os oficiais do quadro permanente criticavam e consideravam inaceitável,  de um modo muito severo, como consta do meu aerograma;

3- Sem nenhum contacto com outros camaradas propunha nesse aerograma que todos os tenentes e subalternos deviam reunir-se urgentemente em 1973, para mudarmos o insustentável estado a que a guerra tinha chegado. Portanto, se aqueles capitães, em 73, não tivessem tomado a iniciativa, jovens, ainda mais jovens, que eles, tenentes, consideravam a necessidade de mudar, por dentro, o estado da guerra e da governação do país, realidade que tão injustamente se cala.

Do meu ponto de vista eram e continuam a ser estas as questões que estiveram na base do 25 de Abril, circunstância que  me levou a aderir, desde logo, ao movimento dos capitães ( em que a maioria eram tenentes, o que voltei a referir, merecendo um comentário bem disposto de Maria Tomé, que estaria a propor que se chamasse movimento dos tenentes. Não, mas  solicito que não se esqueçam os tenentes) e a reunir-me na casa de Salgueiro Maia, depois da reunião de Setembro de 1975, para discutirmos  a solução de força para duas situações:  a da guerra de África e a para a situação politica interna.

Para além das intervenções da mesa os presentes levantaram questões e algumas com elevada pertinência, como a dos crimes contra a humanidade, praticados por militares e pela PIDE que nunca foram julgados, e também as dificuldades processuais para provar a participação de militares portugueses em operações ilegais, como a do mar verde na Guiné, que merecem ainda muita reserva, como, em termos privados, me revelou um fuzileiro naval presente e que na mesma tomou parte.

Apesar das 3 horas de sessão ficaram muitas histórias da história para contar e  alguns querem que regressemos. Da minha parte sempre disponível.

Ainda uma palavra de saudação e agradecimento aos Organizadores e patrocinadores desta iniciativa,  um muito obrigado ao poeta que recitou os seus poemas, à população e muito especialmente às e aos jovens presentes.

andrade da silva

PS. Penitencio-me por não saber o nome da vereadora e do nosso poeta, mas espero a curto prazo resolver esta insuficiência. Todavia já era tempo de publicar este texto, sem mais delongas.

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